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quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

A qualidade da democracia na Europa

O ano de 2011, visto daqui a um século, será lembrado por dois grandes acontecimentos – a crise europeia e a Primavera Árabe. Se a alternância de ciclos económicos nas economias capitalistas é uma constante, as revoluções no Magrebe merecerão da História um olhar mais atento por se tratar de um acontecimento memorável. E é num momento em que regimes historicamente ditatoriais, desrespeitadores das liberdades individuais, são abolidos e que a liberdade avança, que a Europa, onde nasceu a Revolução Francesa, regride. Este facto claro, embora pouco discutido pela opinião pública, é da maior gravidade.
Prova clara disso é a negligência e a leveza com que a comunicação social reputou uma recente análise da revista “The Economist” à democracia portuguesa, rotulando-a prestigiosamente de democracia com falhas. Prova clara disso são também as mudanças ocorridas há pouco tempo nos Governos da França e da Grécia que, embora não discutindo as capacidades dos seus líderes, são dirigidos por Primeiros-ministros não eleitos pelo seu povo, em função das contingências dos mercados. Ou o abastardamento do Conselho Europeu, do Parlamento Europeu ou da Comissão Europeia nas decisões sobre o futuro da Europa, relegada para obscuros encontros bilaterais, em que os mais fortes dominam os mais fracos.
Por todos estes factos, à medida que outras nações vão progredindo e avançando no tempo, a Europa, estranhamento, vem regredindo. A subversão dos mais eminentes valores e princípios do Estado de Direito está à vista no próprio seio da União Europeia – na Hungria. Durante um ano, a UE assistiu tranquilamente, passivamente, confortavelmente, ao rolar da marcha autoritária sobre o Estado de Direito, e agora, que a subversão está consumada, ela ergue-se corada e escandalizada. O Sr. Barroso, furioso, escreve cartas ao Sr. Orban; o Sr. Orban abre-as, amarrota-as, e ignora-as. E pior: se um Estado-membro da UE se deita à noite como uma democracia, e acorda de manhã como um regime despótico, a UE nada pode fazer.
De resto, qual tem sido a arma que a UE tem usado para sensibilizar e arguir com a Hungria, tentando chamá-la à razão? Essa coisa extremamente retórica e democrática apelidada de chantagem. É que a Hungria, severamente atingida pela crise económica, necessita de auxílio económico do FMI na ordem dos 15 a 20 mil milhões de euros, e a UE, enquanto a Hungria não se dignar a escutá-la, suspendeu as negociações para a ajuda.
O que se passa na Hungria é uma situação da maior gravidade. Os protestos de cerca de 100.000 húngaros nas ruas de Budapeste contra a nova Constituição aprovada pelo Parlamento não são suficientes para tranquilizar a Europa. Porque se existem 100.000 húngaros publicamente protestando contra o Sr. Orban, exprimindo os seus ideais democráticos, outros há que embora igualmente descontentes com o Sr. Orban, refugiam as suas preferências num partido de extrema-direita, xenófobo e racista, que é actualmente a segunda força política na Hungria.
Por tudo isto, os problemas da Europa não são apenas económicos e financeiros – são também políticos e democráticos. E se a Europa não o reconhece e não se consegue enxergar, a opinião pública tem o dever de lhe voltar o espelho, e mostrar-lhe os defeitos e os vícios para que ela se regenere.

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