A mais bela, a mais pura e a mais duradoura glória literária de prosa da blogosfera

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quarta-feira, 30 de junho de 2010

Política de Estábulo

Sua Excelência, o Dr. Adriano Rafael Moreira, excelso deputado do PSD foi, nesta semana, notícia do “Expresso”. Queira o estimado leitor saber o motivo:

“Adriano Rafael Moreira é um dos subscritores de um requerimento enviado por deputados do PSD ao Governo questionando os elevados salários pagos nas sete empresas públicas tuteladas pelo Ministério das Obras Públicas, nomeadamente na REFER”.

Pois quê? Existem altos quadros na administração das empresas públicas que auferem salários elevadíssimos quando as mesmas as empresas, em sentido inverso, se encontram depauperadas financeiramente, nomeadamente a REFER? Receiem, vilões!...A Assembleia da República tem em sua excelência, o Dr. Adriano Rafael Moreira, um Homem que zela pelo interesse público!...

No entanto, o mesmo “Expresso” adianta o seguinte:

“Mas o mesmo Adriano Moreira foi, até 2009, consultor da REFER, com um vencimento mensal superior às remunerações médias que agora critica”.

Este facto consta da resposta que o gabinete do Ministro das Obras Públicas enviou ao Sr. Deputado Adriano Moreira. Sua excelência, em contrapartida, face à invulgaridade da informação contida na resposta ao seu requerimento, obstou do seguinte modo:
- A inclusão do meu caso pessoal numa resposta oficial foi uma tentativa da REFER para me amordaçar, para que não levantássemos o problema.
Não, V. Ex.ª, não…Com efeito, não…De facto, não se trata de uma mordaça. Note V. Ex.ª que se trata, na verdade, dum freio – entendemos a confusão do Sr. Deputado uma vez que ambos os utensílios se destinam à boca de V. Ex.ª. Não obstante, o utensílio correcto não se destina a reprimir, mas sim a governar o Sr. Doutor. Neste caso, o Ministério das Obras Públicas assumindo o galope de V. Ex.ª e, ao segurar o freio, está querendo comunicar o seguinte:
- Eh, Trovão!...Acusar os outros de esbanjar dinheiro quando tu mesmo o fazes é feio!...Mau menino!...Mau cavalo!...

Escuta-se, então, um relincho dolente….Em seguida, no entanto, observando a expressão carrancuda do Trovão, o Gabinete do Ministro das Obras Públicas, repassa, carinhosamente, a mão pelo dorso, pela crina de V. Ex.ª, e, suavemente, reconforta-o.

Não, Sr. Deputado. O lugar de Sua Excelência não é na Assembleia da República – o lugar de V. Ex.ª é na Feira Nacional do Cavalo, na Golegã. Nesse pitoresco local, veríamos V. Ex.ª participar no Concurso Especial de Salto de Obstáculos. Com certeza, por essa altura, e nesse concurso, sem freio, o Sr. Deputado se terá desviado, com elegância, com classe, troteando por entre as barreiras, com a bonita crina voando ao vento, V. Ex.ª terá chegado à REFER onde auferia a singela quantia de 6850€.
Ora, queira V. Ex.ª notar que o Super Saver, o vencedor do Kentucky Derby no ano presente não deverá ter sido presenteado com as mesmas condições que o Sr. Deputado. E são cavalos de puro-sangue inglês, Sr. Deputado!...E, contudo, não, Sr. Deputado! Não nos apelide de párias. Nós apreciamos, igualmente, o cavalo lusitano…

O Estado é, nos tempos que correm, literalmente, um estábulo. Um estábulo onde se encontram diversas cavalgaduras que se deliciam na manjedoura – o Estado. Existem dois estábulos principais – um à esquerda, outro à direita. Desde cedo, o jovem político, o potro, ambiciona ser um cavalo de pleno direito, com o seu próprio espaço no estábulo, comendo à conta pública. Os sucessivos líderes dos partidos necessitam destes jovens potros no seu caminho de ascensão ao poder. E em troca do poder, o então líder confere ao jovem potro a oportunidade de ser cavalo.
Este tem sido o ciclo sucessivo do parlamentarismo português. Sem qualquer tipo de direcção firme, o sistema partidário atrofia e está condenado a um só destino – a dissolução. Os dois estábulos defendem os seus interesses, alternadamente – nenhum tem coragem de colocar termo ao estábulo do outro. Através desta política de estábulo e de complacência, o cavalo, pelo seu estrume, fecunda a terra que se torna fecunda para o cavalo que irá suceder no seu lugar. Ora, esta política pode ser fértil ao cavalo parlamentar mas, convenhamos, é, literalmente e não metaforicamente, estrumosa para o País. È, então, pelo mais alto desígnio nacional que vimos, por este meio, apelar não a uma política de estrado, mas a uma verdadeira política de púlpito.


Por fim, a todos os nossos leitores, um conselho – não coloquem o vosso dinheiro no BES: os feelings deles são uma treta.

terça-feira, 29 de junho de 2010






Por estes dias reina a desordem na Ordem dos Advogados. O Bastonário, farto de disparar em todas as direcções, hostilizando várias classes profissionais, decidiu de vez instalar um clima de guerra civil dentro de portas.


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Mas o que nos leva a este post não são as guerras intestinas entre alguns advogados e Sua Excelência o Bastonário da Ordem, isto é, S.E.B.O. O que nos leva a este post é a sucessão de intervenções incorrectas, demagógicas e ofensivas de S.E.B.O. que nos incomodam de sobremaneira, relativas ao novo exame de admissão ao estágio.


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Permita-nos aqui uma nota marginal: o leitor reflicta connosco – uma pessoa vem da faculdade mal preparada. Qual a melhor forma de a preparar? Ministrando-lhe formação mais adequada ou fazendo um exame prévio? Pois... Passando à frente,


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Lancemos pois, ó leitor, a luz sobre as trevas:


É sabido que o Processo de Bolonha, reestruturou todos os cursos superiores em Portugal e o de Direito não constituiu excepção – de 5 anos passou para 4, deixando de ser leccionadas, obviamente, algumas cadeiras.
Falemos, por exemplo, do caso da Faculdade de Direito da Universidade do Porto: com a alteração de Bolonha, desapareceram as seguintes cadeiras: Sistemas Jurídicos Comparados, Economia Internacional, Medicina Legal e uma Opcional do 5.º Ano. Confirme aqui e aqui.

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Temos ouvido S.E.B.O. a falar do tempo da licenciatura mas não da substância da licenciatura. Porquê? Não o sabemos. No entanto, na cabeça de S.E.B.O. aqueles novos licenciados não passam de bacharéis.
Para nós não são apenas bacharéis! Podem ser também santos já que têm sido sujeitos a um tratamento vexatório (na praça pública), sujeitaram-se a um exame, salvo melhor opinião inconstitucional, aguentando todas as privações com uma serenidade inaudita em Portugal.
S.E.B.O. garante aquele exame ser essencial para garantir os padrões mínimos da profissão. Pois então aqui lançamos um apelo a S.E.B.O.:

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Este vosso Nelson é um advogado estagiário na 2.ª fase do estágio e, pasme-se V. Exa., um licenciado por Bolonha. Diria V. Exa. um Bacharel mas o nosso diploma diz licenciado e nós acreditamos mais num diploma que em V. Exa. Como é possível? Entramos antes desta maluqueira.
Assim, e depois das suas declarações reparo que posso constituir um perigo para a profissão. Diagnosticada a doença, sugiro um remédio: que seja sujeito também a um exame! Não compreendo porque razão muitos colegas de curso têm que passar pelo exame e eu não! Não quero cá facilitismos! Quero o meu exame…

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Mas vou mais longe: se um Licenciado em Bolonha é um perigo para a profissão, também o será um advogado que tenha negligenciado a sua formação profissional. Assim e porque podem ter estado a dormir nas conferências e colóquios, que todos os advogados inscritos há mais de 5 anos façam também o exame. É claro que este exame incluirá S.E.B.O.! A menos que Sua Excelência tenha pejo em faze-lo… Dê assim a serenidade de espírito a todos os portugueses que a perderam com as suas declarações acerca dos candidatos a seus colegas.

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Nós por cá voluntariamo-nos a fazer o exame de acesso com toda a gente, apesar de já lá estarmos dentro. Mas só vamos se o Bastonário também for! Prove que não é um perigo para o Direito! Julga que não tem o ónus dessa prova? Também aqueles alunos julgavam que não o tinham…
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Terminamos reiterando o apelo (apesar de termos consciência que o Bastonário não lê este Opinador): exames para os novos candidatos? Não! Para todos: com mestrado, sem mestrado, com Bolonha, sem Bolonha! Bastonário incluído! Vamos todos, não empurrem!

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Por quê?!

Há coisas que não se deviam fazer numa sociedade, decisões que deviam ser proibidas mesmo que isso implicasse coisas nefastas para as pessoas, já que tudo neste mundo tem duas vertentes e aquela que hoje saliento é, sem margem para dúvidas, a boa. Insurjo-me contra a noticia publicada esta passada semana sobre o anunciado fim do Jornal 24 Horas, essa revista Maria travestida (já fui). Eu não sou, nem algum dia fui leitora assídua do 24 Horas, mas entendo que o encerramento de um jornal como este só vai trazer desvantagens para todos nós. Para além das pessoas que vão sofrer na pele o moderno flagelo do desemprego, desconfio que muito crime vai passar ao lado do conhecimento global dos portugueses e isso apenas vai contribuir para uma falsa sensação de segurança e ocultar, ainda mais, a realidade macabra que marca o carácter humano do indíviduo. Pronto, acho que fui convincente, agora a parte que interessa:
Se o Jornal 24 Horas encerra o que vai ser de nós sem estas fantásticas notícias? Por favor, leiam mesmo porque o texto está delicioso e a entrevista fenomenal.
Primeiro vou ali castigar-me. Esta noticia é uma enorme lambada na minha pessoa por há uns dias ter criticado severamente o descuido no outfit das protagonistas do primeiro enlace matrimonial homossexual. Só por causa das coisas, estes senhores vêm mostrar-me que, nem todo(a) aquele(a) que segue uma orientação sexual alternativa desconhece o verdadeiro valor da cerimónia de casamento.
É então que a bicha sai à rua no seu salto de agulha dourado, desfila o seu belíssimo vestido cai-cai branco marfim e, devidamente maquilhada, envergando a sua teara de princesa, dá cor ao seu sonho de um dia ser uma noiva com todos os atributos. Um dia, não interessa quando desde que seja breve para não atrapalhar a tournée, a bicha dará o nó com Nando, esse homem prodígio, trabalhador honesto e sem maus-vícios (e como é importante e raro esse homem puro de vícios) e assim será feliz como nunca. A bicha não tem medo, é a bicha absoluta, inveja de todas as bichas de Lisboa. Voa bicha...sê feliz!





Eu só queria dizer que não era preciso exagerar sim?... Peço desculpa se não me fiz entender da última vez.

sábado, 26 de junho de 2010

Os efeitos da Política sobre o Homem Médio

Este senhor é Sérgio Vasques. Sérgio Vasques é o actual Secretário de Estados dos Assuntos Fiscais e o seu passado é um entrave à sua actuação no campo público. O passado deixa um rastro inapagável. Assim, o actual Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais escreveu obras!, obras essas escritas em período anterior à sua entrada no Governo que não podem ser escamoteadas e com as quais Sua Excelência deve ser confrontada.

Queira V. Ex.ª ser confrontado com a sua obra “Regime das Taxas Locais: Introdução e Comentário”. Nessa altura, o Dr. Sérgio Vasques era apenas um singelo professor da Universidade, longe do bafo corruptor do poder político – V. Ex.ª era uma rosinha, delicada e livre.
Foi por essa primaveril e pitoresca ocasião que o Dr. Sérgio Vasques, no mencionado livro, escreveu as seguintes palavras a propósito das taxas locais, nomeadamente o seu artigo 4.º, n.º1 (“O valor das taxas das autarquias locais é fixado de acordo com o principio da proporcionalidade e não deve ultrapassar o custo da actividade pública local ou o beneficio auferido pelo particular.”):

“Como facilmente se compreende, sempre que a administração obriga os particulares a pagar taxas com montante superior ao custo ou valor das prestações que lhes dirige, o resultado está em fazer com que um grupo isolado de pessoas suporte as despesas que aproveitam ao todo da comunidade, produzindo-se uma discriminação sem fundamento objectivo. (…) Vale a pena notar que, consagrado o principio embora de forma pouco hábil, o legislador nos deixa ver no art.4 que da equivalência não pretende extrair a mera proibição do excesso manifesto ou intolerável, como por vezes se vê sustentado pelos nossos tribunais. (…) O legislador diz-nos, é verdade, que o valor das taxas locais deve ser fixado de acordo com o princípio da proporcionalidade mas logo de seguida acrescenta no art. 4 que esse valor não deve ultrapassar o custo da actividade pública local ou o beneficio auferido pelo particular. Não é, portanto, apenas o excesso manifesto ou intolerável que o legislador proíbe na quantificação das taxas locais.”

O que poderemos concluir deste trecho dessa sua obra-prima? Na verdade, o Dr. Sérgio Vasques apenas admite que, marginalmente, as autarquias locais, pelos seus serviços prestados, possam exceder o custo ou o valor do respectivo serviço. A taxa é superior ao custo ou valor do serviço prestado? Ora, nas palavras do Dr. Sérgio Vasques, pimba!, desrespeito pelo art. 4.º RTL, por violação do principio da proporcionalidade, desfigurando o carácter bilateral da taxa, transmutando a taxa num verdadeiro imposto, inconstitucionalidade orgânica em nome do art. 165.º, n.º1, al. i), da Constituição pois só por Lei da Assembleia da República ou Decreto-Lei do Governo com a devida autorização legislativa da AR se podem criar impostos. Segundo o Dr. Sérgio Vasques, não é uma qualquer desproporção manifestamente excessiva que apenas compromete esta bilateralidade das taxas com o desrespeito pelo princípio da proporcionalidade. Não, nada disso! O custo que marginalmente, repetimos marginalmente!, caro leitor, ultrapasse o valor ou custo do serviço prestado pode ser alvo de ponderação. A tudo o restante, sua fiscal excelência aplica o labéu da inconstitucionalidade. O Dr. Sérgio Vasques critica, inclusive, jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que não segue esta posição venerável de defesa do contribuinte que consiste no facto da taxa não poder ultrapassar uns míseros cêntimos do custo efectivo do serviço para a autarquia.

Esta relíquia histórica data de 2008. Desde então, o Dr. Sérgio Vasques tornou-se Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. E que maravilhosa transformação ocorreu nos seus hábitos de pensamento!...

Actualmente, Sérgio Vasques entende que a aplicação, decretada a meio do ano, de um imposto especial sobre os rendimentos dos portugueses não é retroactiva e, portanto, inconstitucional por violação do art. 103.º, n.º 3 da Constituição. Vejamos…Em cerca de dois anos, Sua Excelência que, defendia a inconstitucionalidade das taxas criados pelos municípios cujo valor fosse superior ao valor ou beneficio da prestação, passou a advogar a constitucionalidade de um imposto especialmente criado para captar os rendimentos retroactivos dos portugueses, rendimentos esses que estão já conformados no tempo, apesar de apenas serem considerados, para efeito de imposto, no ano seguinte. Acontece, porém, que os rendimentos foram já temporalmente delineados e enquadrados, não obstante a sua incidência se efectuar no ano seguinte.
O opróbrio! A ignominia! A consumpção! Oh!, terrível transmutação! Ó malévolo poder!...Os efeitos perniciosos que tens que transformas o mais delicado botãozinho de rosa jurídico numa terrível flor devoradora de rendimento em atropelos constitucionais!...

A admissão da inconstitucionalidade desta retroactividade e o seu sacrifício face à imperiosa necessidade que o País enfrenta de captação de receitas é perigosa pela abertura de um precedente. A Constituição existe, precisamente, para nos defender de situações como estas de flagrante abuso de poder – e o próprio Estado tem não só um dever de respeito, como de promoção dos direitos nela consagrados (art. 18.º, n.º 1 da Constituição).
Não pode haver sacrifício dos direitos invioláveis dos portugueses como forma de perdoar os sucessivos anos de incompetência governativa. Caso contrário, será então admissível que, em nome da asnice política, se violem os princípios mais fundamentais da Constituição. Isto tem um nome – a subversão do Estado de Direito, consignado no art. 2.º da Constituição.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

A Necessidade de "Matar" a Pena de Morte


A temática de hoje recai sobre a análise de uma atitude barbaramente planeada (a pena de morte). Pessoalmente considero que a pena de morte é uma fraude, pois não é coerente que se acabe com a violência recorrendo a mais violência e, quando muito, apenas se promove a manutenção de um ciclo de violência. Por exemplo, soa hipócrita matar uma pessoa que tenha morto outra anteriormente, não acha?

Sendo errada a diversos níveis, a pena de morte desrespeita o direito à vida que se encontra consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Não obstante, para termos noção do panorama actual, importa analisar os estudos e estatísticas da Amnistia Internacional (pode consultar aqui o site da amnistia), a qual luta pela abolição total da pena de morte desde 1977. Como refere a organização supracitada “While the death penalty runs the risk of irrevocable error, it has not been proven to have any special deterrent effect. It denies the possibility of rehabilitation. It promotes simplistic responses to complex human problems, rather than pursuing constructive solutions. It consumes resources that could be better used to work against violent crime and assist those affected by it. It is a symptom of a culture of violence, not a solution to it. It is an affront to human dignity.”

Embora dois terços dos países não tenham praticado pena de morte no ano de 2009, 58 países mantêm esse tipo de pena e 18 países praticaram essa selvajaria, o que se traduziu num total de 714 pessoas mortas confirmadas apenas no ano passado e os números serão certamente superiores. No topo da lista, destacaram-se a China (através de tiro e injecção letal), o Irão (enforcamento e apedrejamento), o Iraque (enforcamento), a Arábia Saudita (decapitação) e os EUA (electrocussão e injecção letal). Todos estes países tendem a ser inflexíveis, conhecidos adeptos de guerras, intolerantes e desrespeitadores que, dentro da injustiça humana que é matar, conseguem ser ainda mais injustos e aplicar a pena de morte de forma discriminatória, atingindo sobretudo os pobres, as minorias raciais, étnicas e religiosas, assim como as mulheres. Note-se que os métodos de executar a pena de morte mais hediondos, tais como apedrejamento e tortura que se prolonga por horas, são executados tendo por alvo mulheres que nunca prejudicaram ninguém e que, muitas vezes, apenas tentavam ser elas próprias e amar verdadeiramente, ao invés de se sujeitaram a um casamento forçado com alguém que elas não desejavam e que as tratava mal por obrigá-las a algo que não consentiam.

Penso que a prisão perpétua (em casos extremos) acompanhada de trabalho comunitário é a melhor opção. Como se sabe há casos de perturbação psicopatológica extrema e praticamente irreversível (ex: psicopatia), onde a reincidência de crimes violentos é quase uma certeza. Para essas pessoas é perceptível a necessidade de pena perpétua, mas tal deve ser acompanhado de algum tipo de contributo à sociedade passível de fazer-se dentro da prisão e de tentativas de “humanização” do criminoso, através de terapias e formação ética/moral, porque nunca saberemos se é possível mudar algo se desistirmos de tentar. Enquanto a pessoa existe, não devemos simplesmente desistir dela, mas facultar-lhe livros sobre ética, terapias e fazer com que contribua para a sociedade, através de trabalho. O criminoso poderia, por exemplo, passar o seu tempo na prisão sendo examinado psicologicamente e examinando-se a si próprio com a ajuda de profissionais, aprendendo mais acerca de si e de como tudo se foi desencadeando e até mesmo auxiliando na escrita de livros, estudos de caso, entre outros, de forma a perceber melhor como se poderá prevenir que outras pessoas sigam os mesmos caminhos.

Muitas vezes, a pena de morte não passa de uma vingança e, embora seja compreensível a vontade de vingança em certos casos, não podemos esquecer-nos de que se trata de uma emoção destrutiva, sendo uma negação dos direitos humanos, incompatível com o comportamento civilizado. Ao contrário da morte por legítima defesa (onde a nossa vida é ameaçada pelo criminoso e não temos como fugir da situação nem como prender o violentador naquele exacto momento da ameaça), a pena de morte é um acto premeditado, o que só aumenta a sua obscenidade e desumanidade.

Para terminar com uma anotação mais positiva e optimista, prova de que poderemos continuar a evoluir enquanto sociedade se assim o quisermos, não poderia deixar de referir o facto de 2009 ter sido o primeiro ano, desde que a história é conhecida, em que toda a Europa e toda a antiga União Soviética não executaram uma única pena de morte. Talvez países como a China, Irão, Iraque, Arábia, … possam aprender algo connosco.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Paternalismo Estatal a Banhos

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Neste país à beira mar plantado é normal haver banhistas. E também é normal esses banhistas irem à praia banhar-se. No entanto, o que não é normal é que esses banhistas se ponham deliberadamente em risco debaixo de arribas ou similares, desrespeitando a sinalização existente.
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Não passou ainda um ano sobre o acidente mais trágico que nos lembramos – em que no Algarve, a queda de uma arriba vitimou 5 pessoas que se encontravam numa zona assinalada como perigosa. Honestamente afirma-mos não conseguir compreender estas atitudes dos nossos concidadão - se está bandeira vermelha porquê ir para a água, ou se está uma placa a sinalizar zona perigosa, porquê passar?
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Segundo a edição on-line do Público, será aprovado hoje em conselho de ministros um decreto-lei para prevenir acidentes nas zonas balneares e reforçar a segurança dos banhistas. Assim definido pareceria uma obra meritória, fruto de um labor apurado dos juristas (e) do governo.
Nada mais longe da verdade! Através deste diploma pretende-se reforçar os poderes das autoridades e definir as coimas a aplicar aos comportamentos de risco adoptados pelos utilizadores das zonas balneares. Ou seja quem deliberadamente se puser em perigo terá de prestar contas às autoridades.
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E aqui levanta-se uma questão: qual o fundamento para o Estado tomar esta medida? Pois o cidadão não pode querer, ele próprio, colocar-se em risco? Deverá o Estado ter uma atitude paternalista e modeladora do comportamento do indivíduo?
Ora somos do entendimento que o Direito existe para regular a vida em sociedade, prescrevendo regras de conduta no relacionamento com os outros e protegendo-nos da violação daquelas regras de conduta por aqueloutros.
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Mas o que se passa no citado diploma a aprovar é uma tentativa do Estado nos proteger de nós próprios. Se eu me apetecer suicidar num mar revolto estarei sujeito a coima? Mas que direito de outrem violo eu se quiser levar com um calhau na cabeça?
Não encontramos justificação para este diploma que ataca de frente os direitos, liberdades e garantias do cidadão – num Estado de cidadãos livres e iguais ninguém deveria ter de responder por actos que apenas causam danos ao próprio. E este diploma abre um sério precedente. Ao admitirmos esta necessidade de o Estado actuar como nosso tutor torna-se indefensável justificar porque não poderá o Estado sancionar o facto de, por exemplo absurdo, eu partir, por um qualquer motivo fútil, a minha loiça toda.
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É urgente que haja alguma reflexão na mente do legislador antes de se por a legislar. A continuar assim, corremos o risco de o Estado se tornar – novamente – uma entidade sancionadora da depravação e do vício, guardião da (sua) moral e (seus) bons costumes.
Se me explicarem que eu ao me colocar debaixo de uma arriba ou a entrar num mar revolto violo o direito de terceiro, mudo de opinião. Como não o consigo conceber, só posso catalogar o diploma que vem deste já caduco governo como uma imbecilidade monumental que só é Direito numa visão estritamente positivista-legalista.
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Sr. Primeiro-ministro e Srs. Ministros – a emancipação dá-se aos 18 anos (artigo 130.º Código Civil) ou pelo casamento (artigo 132.º do mesmo). Os cidadãos não precisam de um Estado benevolente que olhe por eles… Pela nossa liberdade, ignoremos este diploma na parte em que nos quer proteger de nós próprios – isso não é Direito!

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Que Futuro para o Projecto Europeu?

A Europa passa por tempos turbulentos na actualidade. A crise europeia é, no entanto, facilmente explicável.
Na verdade, a Europa nunca tinha sido verdadeiramente posta à prova. A crise mundial tocou a todos os países e a concertação de esforços na sua resolução era unânime. Nenhum problema de maior daí emanou. O mesmo não sucede agora e as mais profundas divergências entre Estados têm sido, publicamente, expostas. A França defendia que o resgate à Grécia; a Alemanha pretendia certificar-se de que a Grécia era educada; alguns analistas defendem que nem todos os países devem adoptar políticas de austeridade simultaneamente; outros defendem que a redução dos défices públicos num curto espaço de tempo é vital.
Mas o que todas estas situações colocam a nu é a falta de uma liderança na União Europeia. De que serve afinal a Comissão Europeia? De que serve afinal o Presidente do Conselho Europeu? São meros títeres dos Estados mais poderosos e em altura de profundas divergências, não são a solução na busca de consensos. O problema da União Europeia, já antigo de resto, voltou a fazer-se sentir. A integração é, cada vez mais, forte, mas, no fundo, cada país continua a reclamar o seu espaço de independência no que toca às decisões de forma a acautelar o seu melhor interesse. Nos Estados Unidos, o Illinois e a Califórnia fazem parte da lista negra de países (Estados, neste caso) que maior probabilidade de incumprimento da dívida soberana. Nos EUA, porém, existe uma Federação que comporta uma maior comunhão e integração o que permite uma maior ajuda dos outros Estados ao Illinois e à Califórnia e, em sentido inverso, uma menor participação destes Estados na contribuição para o Orçamento da Federação. Ora, isto é aceite sem grandes problemas. Na Europa, acontece precisamente o contrário. A necessidade de acudir a países com dificuldades orçamentais gerou grande controvérsia – alguns Estados-Membros aperceberam-se da sua inevitabilidade, outros tentaram delongar a solução óbvia o maior período de tempo possível, evitando a possibilidade de contribuir com dinheiro dos seus contribuintes para um fundo de resgate europeu. O problema é, no entanto, simples: apesar da forte integração que se verifica entre os Estados-Membros da EU, no fundo, cada Estado defende, primacialmente, os seus interesses, mesmo que opostos aos interesses da União tomada no seu conjunto. E, neste aspecto, a ausência de uma Comissão interventiva que se faça sentir junto dos Estados-Membros defendendo os interesses da União é gritante e, extraordinariamente, prejudicial.
O egoísmo vencerá sempre o altruísmo. Os Primeiros-ministros respondem perante os eleitores do seu País; o Presidente da Comissão Europeia necessita do apoio da Alemanha e da França para permanecer no seu cargo pelo que não pode afrontar os interesses destes Países. Apesar da aparente integração, tudo se conjuga, na verdade, para que essa integração seja apenas meramente aparente e funcione apenas quando o interesse da União convirja com os interesses dos Estados-Membros. Caso o interesse dos Estados-Membros divirja do interesse da União, nesse caso, como dizem os americanos “All hell breaks loose”.
Este conflito poderá ter consequências nefastas na próxima década para a União Europeia. O combate desenfreado ao défice público, sem acautelar devidamente o crescimento, poderá condenar a União Europeia a um crescimento nulo nos próximos anos. Semelhante lição aprendeu o Japão na década de 90. Pelos vistos, a Europa não gosta de acatar as lições da História. Paul Krugman tem sublinhado isso na sua coluna de opinião no New York Times. A adopção de medidas de austeridade em simultâneo por todos os Estados-Membros da União é um entrave ao crescimento que poderá levantar consequências sociais imprevisíveis – veja-se o caso das manifestações em Atenas, ou a subida da extrema-direita xenófoba nas eleições holandesas.
Há que não esquecer que - não obstante, os problemas de dívida pública dos Estados que se vinham levantando no período anterior à falência do Lehman Brothers - foi, sobretudo, a adopção de uma política de gastos públicos pelos Estados induzida pelo sector privado (a banca), e absolutamente necessária para evitar os erros cometidos no período da Grande Depressão, que causou o alargamento dos défices.
Embora a progressiva redução do défice seja necessária, é igualmente importante não comprometer o crescimento económico. Os Estados Unidos, por exemplo, estão a repensar a criação de um segundo pacote de estímulo económico. Somente pior do que uma doença, é uma doença mal curada. A Europa colocou-se a si própria nesta trapalhada – ao exigir aos Estados-Membros que reduzissem os seus défices mal surgiram os primeiros sinais de retoma económica, desenharam o alvo nas suas costas. Os EUA tem também um défice elevado, mas não enfrentam pressões do mercado no sentido de o reduzir.
Importa, portanto, que a Europa recupere algum bom senso e sobretudo, um consenso no sentido de se atingir a melhor solução para a União Europeia no seu conjunto, sob ameaça de desintegração do projecto europeu.

terça-feira, 22 de junho de 2010

O Fim de uma Esquerda



Por estes dias que já passaram assistimos à morte do segundo laureado Nobel português. Antes de mais, aproveito este post para demonstrar o meu pesar pela morte de um cidadão que contribuía para o debate intelectual do país. Apesar de as suas ideias estarem muito longe das deste vosso opinante, há que respeitar o homem, em toda a sua dignidade antropológica. E, uma qualidade lhe reconhecemos – a coerência e a persistência na luta pelo seu ideal.
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Mas, morrendo Saramago, morreu também uma certa esquerda: aquela austera e ortodoxa, da velha linha soviética, anti-democrática, anti-capitalista, anti-parlamentar e anti-europeia. Morreu aquela esquerda que, anti-americana na sua génese, sempre criticava os Estados Unidos, mas sempre desculpava Cuba ou a Coreia do Norte, mesmo que isso conspurcasse os seus predicados puritanos. Morreu aquela esquerda da cassete, do Avante!, da luta contra o fascismo, o capital e o patronato, todos no mesmo saco. Falamos, obviamente em sentido metafórico.
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Mas a verdade é que aquela esquerda, que agora conheceu a sua morte simbólica, já há muito tinha perdido a sua razão de ser – a esquerda de que falamos conheceu a sua juventude no PREC e cresceu ao combater uma determinada direita, conservadora, até retrógrada, religiosíssima e ultra-nacionalista que tinha governado o país por cerca de 40 anos. Aquela esquerda não se soube adaptar aos novos tempos, não percebeu que se desenvolvia em Portugal uma classe média instruída e empreendedora e que se emprega a si própria, estando o seu interesse a anos-luz da luta de classes.
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A fórmula que lhe permitiu chegar ao poder (pelo menos andou lá perto com o General Vasco Gonçalves), matou-a, pois quando alheada daquele poder, sob pena de se disvirtualizar, não lhe permitiu reinventar-se. Quem se define por se contra algo, necessita daquele algo para se definir. Sem aquela direita, não podia existir esta esquerda
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Assim, chegados a 2010 morre aquela linha por não ter relação com a realidade: não se apercebeu que a direita de hoje não é a direita de há 30 anos atrás: é uma direita instruída, liberal nos costumes e que acredita no capital e no mercado; que defende o empreendedorismo e não o patrão. É uma direita laica, que acredita na mobilidade social pelo mérito e crê que apenas a criação de riqueza possibilita o progresso geral e que a melhor forma de gerar riqueza é sem o Estado na equação.
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A direita de há 30 anos atrás já não existe – e porque não existe, retirou o sentido de ser da esquerda que Saramago representava.
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Numa nota final, menos política, refira-se o seguinte: é claro que qualquer particular pode homenagear quem quiser da forma que quiser sem ter que prestar contas. Mas que o Estado homenageie alguém já é diferente – porque Estado somos todos nós. Posto isto, não posso concordar que o Estado Português se tenha ligado de forma tão próxima às exéquias fúnebres de alguém que advogava o seu desaparecimento. Saramago era um iberista, que chegou a defender a anexação de Portugal a Espanha – letras e artes à parte, não quero acusar o defunto de traição à pátria; mas não lhe reconheço nenhum patriotismo, nos actos nem nas palavras, que justificasse a homenagem do Estado.
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Ah e tal, a selecção de futebol ganhou 7 a 0 à Coreia do Norte quase garantindo a sua qualificação – parabéns. Vêem como não sabemos só dizer mal?

segunda-feira, 21 de junho de 2010

O Chuck do séc. XXI

O nosso mundo está repleto de almas absortas e anestesiadas pelos irrelevantes ensinamentos extraídos da televisão, internet e modernices no geral. Muito se critica a falta de espírito revolucionário e contestatário, diz-se que hoje em dia tudo se aceita de ânimo leve e que já não há quem faça barulho por medo do sistema, mas o que é mais que certo é que toda a regra tem a sua excepção e, no meio desta sociedade babosa existe um babão que, determinado, decide não seguir o rebanho e cumprir, ou pelo menos tentar, com o lema: fazer justiça pelas próprias mãos.

Do que me foi possível constatar através do extenuante trabalho de campo que realizei para que hoje estivesse capaz de realizar esta criação, muita gente desconhece Gary Faulkner, o californiano de 52 anos que, descontente com a falta de empenho do governo norte-americano no que concerne a reunir esforços para punir adequadamente Osama Bin Laden, (a quem se deve a chacina do 11 de Setembro de 2001), saltou do sofá e voou para o Paquistão na esperança de conseguir passar a fronteira para o Afeganistão e ter um tête-à-tête com o dito senhor, cuja localização Gary garante saber. É claro que nada disto podia ter um final feliz e o castigador dos velhacos não foi bem sucedido pois, para quem supostamente tenciona passar despercebido, andar no meio de nenhures com uma espada de um metro de comprimento, uma pistola, óculos de visão nocturna e a vaguear por áreas de segurança de forma suspeita (eu imagino como se deve ter dissipado a valentia deste herói quando caiu a noite naquele fim do mundo) não pode passar no requisito da discrição. As forças policiais de Chitral prenderam Gary, riram-se na cara dele quando este revelou o seu propósito de aniquilar Bin Laden, depois riram-se mais um bocadinho, mas quando se aperceberam que o homem estava armado até aos dentes desconfiaram da sua sanidade mental e levaram-no a conhecer as instalações da polícia para investigarem o caso como deve ser e submeter a alminha corajosa a testes médicos.



Scott Faulkner, irmão do protagonista desta história, garante no entanto que o irmão não é tontinho nenhum, apenas vive com as consequências das perdas causadas pelo atentado às Torres Gémeas e está farto de esperar que o governo norte-americano actue eficientemente. Já segue Bin Laden desde 2001 tendo-se, inclusive, deslocado ao Paquistão sete vezes sempre com o mesmo intuito. Estamos, portanto, perante um patriota ao mais alto nível, disposto a arriscar a própria vida e liberdade para apanhar e matar com os seus próprios meios um dos mais perseguidos e perigosos criminosos do mundo. Só isso, nada de especial,é normal. Como seria o encontro entre Gary e o Laden?...tenho alguma curiosidade.
Espero então, ansiosamente, que mais pessoas normais abram os olhos para as injustiças deste país e se façam notar, castiguem esses malfeitores que andam para aí a roubar o bom do português. Ah! Mas não levem uma espada de um metro por favor, uma coisinha mais discreta sim?

sábado, 19 de junho de 2010

José Saramago

Uma vez sumida esta nossa existência física sobre a Terra, há sempre algo que fica – um nome. Uma vez sumida esta nossa existência física sobre a Terra, nem tudo é pó: uma obra permanece. Saramago deixou a sua obra: o seu Evangelho – provocação ateísta propositada. Deus é uma invenção do Homem – o Homem é Deus. O mesmo dizia o próprio Saramago: “o céu é o resplendor que há dentro da cabeça dos homens, se não é a cabeça dos homens o próprio e único céu". O Homem constrói os Deuses e olvida a sua função essencial: viver – sentir. Ao contrário do que se apregoa, o Homem não é eterno: o Homem é temporal – ele vive sim, eternamente, pela sua obra; por aquilo que fez enquanto viveu: não por aquilo que, supostamente, lhe estará reservado nas brumas indecifráveis do futuro. Essa fraca metafísica pode servir de argumentação àqueles que nada procuram, nada desejam, nada esperam fazer nesta Terra – alongam o que não pode ser alongado (a Morte) e estreitam o que não pode estreitado (a Vida). O fim do Homem é ser Homem. E mais do que um sopro exterior que insufla de força a vontade humana, é do seu interior que nasce, que brota uma vontade indomável. Diriam que Saramago era um ímpio. Mas o próprio Antero, “esse génio que era um Santo”, nas palavras de Eça, afirmava – entre o Homem e o Santo, ele escolhia o Homem. Porque acima dessas revelações providenciais de um santo asceta e inerte no Céu, há um Homem na Terra que labuta, que age, que cria, que faz e que desfaz. Um é temporal, outro é eterno. Um é fugaz, o outro permanece. Da consolação do Céu não necessitam os verdadeiros Homens porque às suas aspirações, corresponde um trabalho incessante na Terra – a Obra. O escritor não necessita do Céu metafísico. O seu céu é o céu visível: matizado de azul na aurora, listrado de fogo no seu ocaso. Mas o escritor é aquele que do palmo de terra que todos pisamos se ergue, e alcança esse céu ao alcance de todos, mas que apenas alguns – aqueles recheados do Ideal – conseguem alcançar. É um voo que parte da terra, mas que expande o horizonte até o olhar se perder nas mil quimeras que voejam em torno duma única fantasia – o Ideal. Desse mesmo mal padeciam Florbela Espanca

Porque o meu Reino fica para além…
Porque trago no olhar os vastos céus
E os oiros clarões são todos meus!
Porque eu sou Eu e porque Eu sou Alguém!

E Goethe

Quem sagra a parte no rito universal,
E a faz vibrar em acordes imponentes?
Quem desenfreia a fúria das paixões?
Quem põe em fogo nas almas os poentes?
Quem esparge na Primavera os botões
De belas flores nas veredas dos amantes?
Quem faz de folhas sem significado
Coroas de glória, para o valor distinguir?
Quem garante o Olimpo, para os deuses unir?
O génio humano, no poeta revelado.

O próprio Cristo consta que era dotado de um certo Ideal, embora um Ideal mais metafísico. Porque deve ser o Ideal Metafísico o supremo Ideal e o Ideal dos Homens deve conservar-se submisso ao metafísico?
Uns homens procuram o Ideal com maior fervor do que outros; uns atingem esse mesmo Ideal, outros não; uns, ainda, atingem o Ideal com maior esplendor que outros.
Certa vez, Camilo disse: “Orgulho ou insaciabilidade do coração humano, seja o que for, no amor que nos dão é que nós graduamos o que valemos em nossa consciência”. Neste momento, poderemos não falar em amor propriamente dito, mas em reconhecimento. O El Mundo, o El País, o Le Monde, o Liberation, o The Guardian, o New York Times. Reconhecimento unânime equivale a valor imenso.

De serralheiro mecânico a Nobel da Literatura. Escapou ao bafo dogmático dos Mestres das Universidades, escutou o eco mais sincero que todos devemos escutar e que, muitas vezes, desprezamos – o eco do coração. Do livre impulso do coração recebeu a lição mais fecunda que podemos escutar, a vontade mais inexorável, o desejo mais supremo, a aspiração mais sublime. Colocou a pena sobre o coração e escreveu. Eis o mais puro e nobre sentimento que há. Em nenhum anfiteatro de faculdade nos ensinam lição mais imaculada e verdadeira do que esta. O ensino esquece a lição mais simples. O serralheiro mecânico, educado por ele mesmo entre os livros da biblioteca da escola industrial ensina o doutoral saber.

A morte tem esse efeito de iluminar o percurso brilhante do Homem, de doirar o caminho que por ele foi trilhado ao longo dos anos. E, no fim, resta apenas o Homem. E que grande Homem foi Saramago. Portugal desprezara-o como pária em nome do seu conservadorismo bacoco. Amordaça o escritor em plenos anos de democracia e liberdade. Trata-o como um enjeitado, com desprezo, com escárnio, com indiferença. Saramago, o pária, coloca Portugal no cume do Mundo: é Nobel. Que o País saiba pois, nesta hora, prestar a devida homenagem.

Noutra altura, disse que o escritor não deve nunca dobrar a cabeça perante ninguém sob pena de quando a reerguer, ela nunca mais se erguer à mesma altura. Mas curvar-se em sinal de respeito, admiração e estima nunca deve ser sinal de submissão, mas sim de reconhecimento ao grande escritor que elevou a Literatura Portuguesa a céus nunca antes conquistados e que, com isso, alargou o estreito fio de água para um rio bem mais largo, onde outros possam seguir o seu próprio caminho, mas nunca esquecendo quem lhes possibilitou a expansão do seu voo.

A José Saramago, o meu mais sentido e profundo agradecimento.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Tauromaquia - o sadismo cobarde dos incivilizados


Como diz o Maestro Vitorino d’Almeida “Se tourada é cultura, canibalismo é gastronomia”.

Tauromaquia, ao contrário do que certos cobardes sádicos dizem, não passa de uma tradição doentia, de um grupo restrito e longe de ser consensualmente aceite. Mesmo assim, ainda é uma realidade em Portugal que, quando assinou a Declaração Universal dos Direitos do Animal (no blog do MATP – Movimento Anti-Touradas de Portugal – o leitor pode encontrar o preâmbulo da referida Declaração), teve a infelicidade de solicitar uma excepção para os touros, em nome dessa tradição bárbara a que se chama tourada.

Já há dois séculos atrás, Alexandre Herculano (historiador e poeta português do século XIX) referiu-se, em o Bobo, às touradas da seguinte forma: "…espectáculo de eras barbaras, que a civilização, desenvolvendo-se gradualmente por alguns séculos, ainda não soube desterrar da Península, e que nos conserva na fronte o estigma dos bárbaros, embora tenhamos procurado esconder esse estigma debaixo dos ouropéis e pompas da arte moderna e pleitear a nossa vergonhosa causa perante o tribunal da opinião da Europa com sofismas pueris e ineptos.". Lamentavelmente, esta citação é tão aplicável aos dias de hoje, como o era há séculos atrás.

E, mais lamentável ainda, é o facto de continuar a ser abundantemente divulgada, inclusive pela RTP, o que está errado a diversos níveis (a TVI também publicita os “eventos”, mas desta não se pode esperar grande coisa) e passarei a referir alguns dos motivos. É amplamente sabido que exercer actos de violência gratuita sobre animais, torturando-os lentamente e matando-os é um dos maiores indicadores de uma personalidade extremamente violenta e deficiente em sensibilidade: basta olhar para as biografias de serial killers, violadores (e sádicos em geral) para ver que quase todos eles começaram a sua escalada de violência com animais. Mesmo assim, alguns pais irresponsáveis submetem os filhos à visualização destes “espectáculos de tortura” desde tenra idade, levando-os aos recintos da orgia sanguínea e correndo o risco de contribuir para a criação de uma personalidade doente. Algumas crianças choram aflitas e, ainda assim, os seus “pais” tentam incutir na sua mente que tal é arte, indiferentes ao sofrimento do animal e do seu próprio filho - são monstros a tentar criar monstros, que em vez de educar para a compaixão, parece que educam para um sadismo cobarde. Como se não bastasse, também a televisão tem a indecência de passar tais programas em horário diurno, acessível às crianças cuja personalidade se encontra em construção. Sendo a personalidade da criança algo em construção como é possível considerar que assistir a actos sádicos sobre seres mais fracos será benéfico para o seu desenvolvimento? A resposta é simples: não tem nada de benéfico. Há filmes sádicos para adultos que são menos violentos do que a tradição tauromática, a qual ainda tem a agravante obscena de ser real (e não um produto de ficção cinematográfica). Os espectáculos tauromáticos deviam acabar por estas razões óbvias, mas a existirem devia haver um grãozinho de consciência e decência para não os passar na televisão antes da madrugada (quando as crianças estão a dormir) e com alertas iniciais quando ao ferimento de susceptibilidades, por se tratar de um “documentário” de terror real.

Além disso, é uma actividade completamente cobarde, um jogo vergonhosamente viciado para que o “vencedor” seja sempre o mesmo. Não é à toa que se cerram os cornos do touro e lhe é dada uma certa dose de anestesia antes de entrar na arena, tal como não é toa que se monta a cavalo para lidar o touro, criando todas as condições para que o “derrotado” seja sempre o mesmo O que chama a isto? Cobardia, claro está.

Estimado leitor, cultura é literatura, cinema, música, desporto, teatro, pintura, … e só é verdadeiramente cultural, o que possa contribuir para o desenvolvimento da sociedade e para a evolução positiva da mentalidade e personalidade do ser humano. Além disso, a cultura específica de um país deve reflectir a vontade geral dos seus habitantes e em Portugal a grande maioria dos cidadãos desaprova esta “actividade”. Apenas uma minoria de fanáticos apoia esta tortura e, muitas vezes, apenas porque ganham dinheiro com isso. É este o país “democrático” em que vivemos, onde apenas se têm em conta os interesses doentios e corruptos de uma minoria que faz da tortura e sofrimento animal o seu modo de ganhar a vida. Tudo isto é tão cultural e eticamente errado, como eram as execuções em praça pública na Idade Média ou a mutilação genital que hoje em dia ocorre em certos países. Tudo isto foi/é feito em nome da tradição e cultura e não é por isso que se torna aceitável.

Como diria Mahatma Gandhi “A grandeza de uma nação pode ser julgada pelo modo que seus animais são tratados” e torna-se necessário evoluir enquanto sociedade, transformando em histórias do passado as crueldades gratuitas que ainda hoje se permitem.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Homens do Norte!


Este post poderia ter um tom muito irónico, com recurso a citações da Herman Enciclopédia, programa no qual temos um doutoramento. No entanto a gerência optou por um registo mais sério. Mas fica o aviso – podia ter sido uma galhofice!
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Portugal viveu no Século XX cerca de 40 anos com apenas uma espécie de partido político – a União Nacional. Depois veio a revolução de Abril e com ela o PREC.E foi nos loucos anos do PREC que muitos partidos políticos nasceram. E eram às dúzias – a LCI, UDP, PDC, AOC, FEC m-l, PUP, GDUP, MUT e sei lá mais o quê.
Passados aqueles tempos mais conturbados, a democracia amadureceu e o espectro político começou a estabilizar. Muitos partidos extinguiram-se, e os que existem, tem grosso modo mantido o seu lugar na sociedade – é claro que houve episódios como o do MEP, mas creio que se tratou de uma posição pontual.
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Mas eis que somos chegados ao ano da Graça de 2010 e um novo partido se avizinha: o Partido do Norte (não estamos a falar de nenhum sketch da Herman Enciclopédia). O leitor veja aqui:
http://pelonorte.blogspot.com/ .
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O que aqui chama a atenção é o seguinte: este movimento a ter sucesso (e por sucesso entenda-se conseguir eleger um ou dois deputados nos próximos anos) poderá criar um novo movimento partidário na política portuguesa: os partidos regionais.
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Este movimento surge numa região que é uma sombra do que já foi: desemprego elevado, a antiga burguesia depauperada, a cidade deserta, a indústria que movia o país parada, as elites em fuga. O leitor confie em quem passa os seus dias perto do mercado do Bolhão (haverá Porto mais Porto que este?) – a cidade invicta, e a sua área metropolitana está em franca decadência e a braços com uma gravíssima crise social.
Talvez uma regionalização feita há dez ou vinte anos atrás pudesse ter evitado esta tendência – não o sabemos. Sabemos apenas que nada de relevante foi feito pela classe política, que tem os seus interesses centralizados na Capital, tanto hoje, como estavam no século XIX.
Todo o investimento público tem sido orientado para obras públicas que esquecem o norte. O Porto é descriminado por não ser Lisboa e não é ajudado por ser litoral. Nas últimas décadas poucos investimentos têm feito algo pelo norte – apenas o metropolitano dá um ar de interesse. Tirando estádios de futebol e salas para concertos, a região norte não conhece um investimento decente em muitos anos. Mas também não pode o Porto justificar-se com tal comportamento da classe política: a força da Cidade Invicta residiu sempre na independência das suas gentes em relação aos dirigentes do país. Era a sua burguesia liberal e empreendedora que fazia pulsar a urbe e a fazia andar mais depressa que o país – porque o investimento privado gera mais receita que o público. Porém, nas últimas décadas, o norte nem teve líderes, nem teve burgueses capazes de aplicar os fundos europeus. O actual executivo pouco pode fazer depois de anos de governo despesista e desorientado. O município não tem dinheiro, a cidade não tem burguesia, o povo não tem trabalho.
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Tal é o estado actual daquela que foi a região que mais produzia no país e onde se fazia a riqueza – era uma cidade atlântica no meio de um país mediterrâneo. Por culpa própria e ainda por maior culpa das classes dirigentes centralizadoras e sulistas, o Grande Porto definhou, encolheu, empobreceu, emudeceu e corre um sério risco de nunca mais recuperar…
Tal é o diagnóstico da melhor região que conhecemos. Agora apresentam-lhe uma cura: um partido regional que lute pelos seus interesses – resultará?
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As SCUTS serão a primeira prova de fogo para este movimento – será capaz de mobilizar a população? Porque é mesmo isso que o Norte precisa: de liderança, melhor de auto-liderança. O Porto se não for liberal e progressista definha – o Estado e o gabinete são em Lisboa, o capital e a linha de produção costumavam ser no Porto.
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O Partido do Norte foi recebido com cepticismo n’ este Opinador. Mas esperamos estar enganados pelo bem da região, carago! Concluímos com uma citação da Herman Enciclopédia (se não sabe do que se fala carregue aqui):
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O Senhor Bispo de Braga é que tem razão! Isto quando o bicho dá, tanto dá nos homens, como nos animais, como dá nas leguminosas. Ainda hoje de manhã, estive na minha horta e eram as couves tronchudas…
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O Porto apanhou o bicho… Será que o Partido do Norte fará o Porto voltar para trás?

quarta-feira, 16 de junho de 2010

A Balofice Política

De acordo com o Jornal Público, o Presidente do Governo Regional da Madeira, Alberto João Jardim, ao abrigo do seu distinta e sapiente livre arbítrio e do Estatuto Político-Administrativo da Madeira, não irá respeitar a redução em cinco por cento dos salários dos governantes, deputados e gestores públicos, medida essa que se encontrava definida no Pacto de Estabilidade e Crescimento. Segundo noticia o mesmo jornal, sua excelência declarou-se “contra a utilização dos salários dos políticos para medidas demagógicas, sem qualquer reflexo para a comunidade”. Ainda escudado no dito Estatuto, Alberto João Jardim e Miguel Mendonça acumulam a remuneração pelo exercício da presidência do governo regional com a respectiva reforma da função pública, ao contrário do que é feito a nível nacional, uma vez que, desde 2005, não é permitido acumular a remuneração por inteiro com um terço do valor da reforma ou vice-versa.

Os portugueses assistiram, comovidos, à onda de solidariedade que foi erguida para ajudar a Madeira quando a ilha atlântica foi afectada por um temporal em Fevereiro que provocou fortes danos patrimoniais. Os portugueses assistiram, comovidos, a um Alberto João Jardim, lamuriando, de olhos avermelhados, o nariz respigando de ranho, a voz trémula, agradecendo, emocionado e piegas, a ajuda vinda do Continente. João Jardim, grato e enternecido, prometeu uma nova era de felicidade eterna com o Continente. No entanto, passada a postiça aura de ternura, assistimos ao renascimento da lustrosa careca do Dr. João Jardim. E que lustrosa careca é essa? Ora, a verdade é que Alberto João Jardim é um daqueles gordos inverosímeis que se senta à mesa do Orçamento Público e se delicia com o banquete, devorando, gulosa e constantemente, esse belo porco que toma por nome – dinheiro dos contribuintes.

O Dr. Alberto João Jardim é o exemplo do trajecto do político português. O político português, na sua tenra idade, começa por ser um político de bochechas chupadas, de fisionomia esgrouviada. Com o decorrer do tempo, e com o devir dos anos em São Bento, os ares são fecundos à balofice que se traduz na dilatação das bochechas, no desaparecimento da maçã-de-adão, na verosimilhança entre o peito do deputado e o seio voluptuoso duma senhora, a proeminência da barriga, o inchamento das nádegas e as coxas roliças. Nessa altura, o político, findo o seu trajecto, tornado uma bola de carne, está pronto a sair do galinheiro e a ser adquirido no talho sob a forma de frango a 4 euros o quilo.

Alberto João Jardim por ser um desses gordos inverosímeis não consegue alcançar mais do que o território imenso e vasto que é a sua barriga. Tudo o que se dispõe para além dessa sua barriga é território novo e desconhecido, por isso, sua excelência não vê motivo para a demagogia de descer o salário de sua excelência e das suas comadres em 5%. Além do mais, queira o Dr. Alberto João Jardim notar como o seu conhecimento é, lamentavelmente, curto – V. Ex.ª nem sequer conhece as suas unhas dos pés!...Desde que a sua barriga começou, proeminentemente, a aumentar, V. Ex.ª deixou, simplesmente de as ver. E não as vê porque um terrível mamarracho, provocado pelo sedentarismo político, obsta a que o Dr. as veja. Uma vez que os sentidos e, nomeadamente a visão, são uma espécie de primeira etapa do conhecimento, como procederá sua excelência para outras realidades mais complexas e abstractas se nem sequer conhece essa simples realidade que são as suas unhas dos pés? Se sua excelência não compreende com a intuição como pretende compreender com a razão?

O Dr. Alberto João Jardim é o exemplo da primeira lei de Newton – “Todo o corpo continua no seu estado de repouso ou de movimento uniforme em uma linha recta, a menos que seja forçado a mudar aquele estado por forças aplicadas sobre ele”. Neste caso, esta primeira lei é aplicado ao Dr. João Jardim e às suas comadres. Estas senão fosse a acção dessa grande força encarnada na pessoa do Dr. Jardim e na sua barriga cairiam, irreversivelmente, que nem um fardo. Acontece que devido à enorme massa do Dr. Jardim, esses fardos são atraídos pela sua força, evitando a sua queda, orbitando como moscas varejeiras, em torno da cintura de Sua Excelência. E, assim, dirigimos a V. Ex.ª um bonito elogio – o Dr. Jardim é essa força!

É, neste sentido, que para sua excelência o seu umbigo é o Mundo visto que é a única realidade que conhece. Aliás, para sua excelência Copérnico é uma ignorante besta – A Terra não gira em volta do Sol: a Terra gira em torno desse Sol: o umbigo de V. Ex.ª. O pudor impede-nos, no entanto, de alongarmos uma eventual descrição do umbigo de V. Ex.ª e, por isso, timidamente, colocamos o véu, quiçá, a burqa da ingenuidade.

Contrastando, no entanto, com o exemplo que é dado pelo Dr. Alberto João Jardim, o eurodeputado do Bloco de Esquerda Rui Tavares, decidiu retirar 1500 euros do seu próprio ordenado parlamentar para atribuir bolsas. Ao deputado Rui Tavares os nossos parabéns pelo seu belo exemplo e que outros deputados coloquem os seus lindos olhos nestes nobres gestos ao invés de olharem, exclusivamente, para a sua barriga.

terça-feira, 15 de junho de 2010

A Queda de Uma Ilusão




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Mensagem da Gerência - o texto de hoje pode ofender as consciências mais puras. Se acha que tem uma consciência pura, pare de ler isto e vá apoiar a selecção.
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Se já está a ler este segundo parágrafo é porque, no seu íntimo, não considera a sua consciência como pura: V.Exa é já um pecador/a endemoinhado/a e qualquer desvio comportamental que experiencie já decorre da semente do mal que já estava plantada em si e não resultou deste post. Declinamos pois qualquer responsabilidade.
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No post de hoje, dispo-me das minhas vestes conservadoras para trazer junto do amigo leitor um problema novo que nos ameaça. Note porém que mantenho qualquer coisinha vestida. Nada de andar cá em pelota pelo Opinador, a ofender a moral, os bons costumes e o Dr. Carlos.
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Então o que se passa é o seguinte:
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Como qualquer jovem do meu tempo cresci aconchegado por uma bonita fantasia que vem já desde a bela poesia de Catulo, esse sofisticado poeta romano do século I a.C., passou pelas belas ninfas do Canto IX dos Lusíadas (“Outros, por outra parte, vão topar/Com as Deusas despidas que se lavam/Elas começam súbito a gritar/Como que assalto tal não esperavam/Umas fingindo menos estimar/A vergonha que a força, se lançavam/Nuas por entre o mato, aos olhos dando/ O que às mãos cobiçosas vão negando;”) e hoje anda pelos filmes das coelhinhas Playboy. Tal fantasia preenchia o imaginário juvenil de qualquer rapaz adolescente - falo da fantasia masculina sobre as relações sexuais entre duas mulheres, três mulheres, quatro mulheres, n mulheres...
Assim preenchido o imaginário masculino, com belas e jovens mulheres que, em orgias lesbianas, trocavam carícias sôfregas com os seus corpos desnudados, os homens cantavam e riam, felizes da vida, enlevados em tais cogitações. Tal era pois, o universo de muitos jovens.
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Mas eis que, com a aprovação do casamento homossexual, começam a aparecer nas televisões em prime-time casais de lésbicas que despedaçam aquelas belas imagens. Tratam-se sobretudo (falamos apenas do que vemos nas estações de televisão generalistas) de senhoras de alguma idade, com uns pneus, desprovidas dos atributos típicos do belo sexo e com um guarda-roupa pior que o de um dirigente sindical – conforme foi realçado ontem, de forma muito douta pela minha colega opinadora.
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Note o leitor que qualquer tentativa de imaginação de um cunnilingus, anilingus, masturbação mútua ou mesma uma carícia mais intíma será afastada da mente maasculina com um vigoroso ahgggggg, carregado de asco.
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Esta situação deveria ter sido prevista pelo legislador e deveriam ter sido tomadas medidas – por exemplo, pelo menos na estação pública só deveriam passar imagens de casamentos de belas lésbicas, correspondentes à tradição histórica acima enunciada. Mas não foi. E agora os homens portugueses (pelo menos os heterossexuais, porque os homossexuais presumo que se estejam a borrifar para o tema) ficam órfãos de uma das mais belas fantasias do ideário masculino.
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Tal situação parece-nos inadmissível e fazemos aqui o nosso apelo aos doutos deputados da Nação: Excelências! Os casamentos de lésbicas feias devem ser feitos à porta fechada. Os homens de Portugal não precisam, não querem, não podem saber da sua existência. Que apenas os casamentos de lésbicas fermosas, tenham cobertura mediática. Esta é a única forma de prevenir a calamidade que se avizinha.
Deixem-nos manter a ilusão – é tudo o que se pede.
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E para terminar tão inaudito post, deixamos aqui mais uma estrofe do Canto IX dos Lusíadas, que descreve essa ilha dos amores onde, quando os nossos marinheiros la chegaram, ninfas viviam desnudadas em alegre convívio:
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“ Assi lho aconselhara a mestra experta:
Que andassem pelos campos espalhadas;
Que, vista dos barões a presa incerta,
Se fizessem primeiro desejadas.
Algumas, que na forma descoberta
Do belo corpo estavam confiadas,
Posta a artificiosa fermosura,
Nuas lavar-se deixam na água pura.”

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Casório

Cumpre-me trazer à consideração popular reflexões pertinentes acerca dessa negligenciada realidade da nossa sociedade que é, o casamento. Quando se tem a oportunidade de conhecer ao pormenor o funcionamento do ordenamento jurídico que nos rege e respectivo mundo legislativo, chegamos depressa à conclusão de que tudo o que à nossa volta existe, não é mais do que um conjunto de práticas reflectidas e instituídas com regras e procedimentos fixados por um grupo de indivíduos que, sabe-se lá por quê, têm mais importância do que todos nós e obrigam-nos a fazer as coisas segundo aquilo que eles decidiram ser o correcto (senão somos uns infractores do pior). E é por isso que institutos como o casamento perdem todo o fascínio que os caracteriza. Falo por mim que sou mulher, vejo novelas e sempre ouvi histórias de príncipes e princesas que me alimentaram expectativas monstruosas no que diz respeito a ânsias familiares e felicidade para sempre.

Se é por clarividência geral ou não, não sei, mas o que é certo é que o encantamento que desde há muito envolve o casamento está cada vez mais afundado nessa consciência social de que não passa de um contrato do qual se pode, a qualquer momento, abrir mão. E assim, bonitos sonhos de um amor e uma cabana são deitados abaixo e a inocência saudável de um casal esventrada sob o lema "se não der certo divorciamo-nos".

O que não é, de todo, concebível para mim é que, aliada a esta ideia de relatividade dos votos matrimoniais, as pessoas negligenciem o momento de dar o nó e os noivos cheguem ao altar, ou ao balcão da Conservatória do Registo Civil vestidos como se fossem ao Minipreço comprar meia-dúzia de ovos e comida para o cão. Isto tudo porque assisti, (com alguma mágoa devo confessar), à celebração do primeiro casamento homossexual em Portugal e me deparei com um cenário triste e sem cor (coisa que até costuma ser mote de todo e qualquer movimento gay) onde o único momento passível de ser carimbado como o clímax da festa foi o fugaz abraço final entre as noivas. Não me entendam mal, desta avaliação estão completamente de parte as minhas considerações pessoais acerca do casamento entre pessoas do mesmo sexo, o que me perturba o sono é simplesmente o facto de a cerimónia se estar a tornar tão banal ao ponto de já ninguém se preocupar em vestir-se a rigor para a ocasião, é uma questão mais fútil, por assim dizer.

Ainda por cima foi um momento histórico, banhado de um je ne sais quoi de derrube de clandestinidade e apinhado de elementos da comunicação social! Não seria por terem ido ao cabeleireiro ou levarem um fatinho mais aprumado que iam ser acusadas de exibicionismo ou ostentação (pelo menos não por mim, garanto). Chamem-me tradicionalista ou ultrapassada, mas para mim o casamento tem de ter todos os atributos (excepto grandes festas...estamos em tempos de crise) para que se evitem depois os remorsos, quando se for recordar esse belíssimo momento do nosso percurso enquanto pessoas, por não haver uma única foto em que a t-shirt dos Simpsons na praia trazida de Maiorca nas férias de 2005 não apareça.

sábado, 12 de junho de 2010

A Pátria não é o Solo, é a Ideia

Quinta-feira, dia 10 de Junho, celebrou-se o dia de Portugal. A cúpula estadual reuniu-se em Faro, no Algarve, para proceder às celebrações. Entre as diversas intervenções, salientamos, especialmente, a intervenção do Presidente da República a que nos comprometemos a rebater critica e ironicamente.
“É pela mais justa e pela mais completa compreensão do seu destino social que tanto os indivíduos como os povos se disciplinam, se fortalecem e se aperfeiçoam.” O Opinador questiona ao nosso Presidente da República qual o seu entendimento de destino social? Ora, Sua Excelência, transmitiu-nos o seu entendimento de destino social baseado nessa bela e luzente ideia de coesão nacional. E o que é esse tesoiro da coesão nacional de acordo com o mesmo Presidente da República? Esse tesoiro é, nada mais, nada menos, do que “uma manifestação de vontades, a expressão do desejo de nos mantermos unidos, a capacidade de, em momentos difíceis, juntarmos esforços em torno daquilo que é verdadeiramente essencial.” Para o nosso Presidente da República a coesão, a ideia em que deve assentar a Pátria portuguesa consiste no português ascender ao monte mais alto da sua localidade e, uma vez no cume, inspirar profundamente, expandir os pulmões, encher o peito de brio, e bradar, estrepitosamente, lançando às várzeas:
- Eu quero unir!...
A união pela união é completamente inútil senão for guarnecida de um ideal que lhe dê força, robustez, ambição, cor, forma – numa palavra, Vida. É somente pela existência de um vínculo comum que possa unificar as divergências que essa união é possível – esse vínculo comum traduz-se no Ideal, num guia que oriente o povo para um desígnio comum, para uma ideia superior. Apregoar a união, sem existir um tal conceito, um ideal por detrás dessa conformidade de esforços que façam com que os indivíduos, atraídos pelo brilho desse mesmo ideal, se ajuntem e batalhem pela prossecução desse vínculo comum, é apregoar uma ninharia. Nós buscamos nas palavras de Sua Excelência a mais profunda interpretação extensiva do seu discurso para vislumbrar esse ideal em que pudesse assentar a coesão portuguesa. Contudo, tudo o que encontramos no seu discurso foram um conjunto de palavras despidas de qualquer força correlativa. O Opinador demonstra, desde já, as suas reservas ao estabelecimento da coesão portuguesa com base na nulidade, visto que, desde há décadas, é nessa ideia que Portugal tem assentado e, convenhamos, Sr. Presidente, Portugal é, neste momento, um atoleiro, onde cada ideia resiste, pugna, peleja, mas no fim, irreversivelmente, mergulha, profundamente no lodo.
V. Republicana Ex.ª cita ainda Herculano – “Quando se lançam os olhos para uma carta da Europa e se vê esta estreita faixa de terra lançada ao ocidente da Península e se considera que aí habita uma nação independente há sete séculos, necessariamente ocorre a necessidade de indagar o segredo dessa existência improvável. A anatomia e fisiologia deste corpo, que aparentemente débil resistiu assim à morte e à dissolução, deve ter sido admirável”. Não, Sua Excelência, não! Respeitosamente, não! Respeitamos, profundamente, o grande Mestre, mas Sua Excelência não tem o direito de fazer uso indevido das palavras do venerável Herculano! De facto, é politicamente correcto ao Presidente da República citar a fisionomia do nosso País para enaltecer os feitos grandiosos de eras passadas. Mas note Sua Excelência – isso é o que toda a gente, sem excepção, faz! O Sr. Doutor é o Presidente da República, não é o taberneiro da tasca local! Evidentemente, o taberneiro não citaria Herculano, mas a sua eloquência, em termos substanciais, é a mesma do taberneiro, dado que a correlação das ideias é semelhante. Respeitosamente, insistimos neste ponto, e discordando do Grande Mestre, a Pátria não é o solo, é a Ideia, Sr. Presidente. Sua Excelência, poderia começar, enfaticamente, a sua intervenção por declamar “Os Lusíadas”:

As armas e os barões assinalados,
Que da ocidental praia Lusitana…

Mas se o Sr. Presidente da República julga que essa obra é o exacerbamento do solo português, então, comunicamos a V. Ex.ª. que está, fatalmente, equivocada. É sobre a Ideia, Sr. Presidente. É sobre a Ideia que repousa essa epopeia dos feitos nacionais. Não era a extensão do solo que fazia de Portugal a Pátria das Pátrias – era o seu Ideal. As Descobertas não foram mais do que a concretização de um Ideal íntimo de aspiração a uma Pátria que fosse tão-só o reflexo dos grandes Homens e dos grandes Ideais que compunham essa Pátria. A realidade a que se chegou – essa gloriosa realidade -, não foi mais do que um simples reflexo do Ideal íntimo que habitava já num conjunto superior de homens. Aliás, essa mesma realidade a que se chegou, não é tão importante quanto esse sentimento de aspiração puro que brota no Espírito dos Homens. Esses homens recheados de Ideal eram sim os verdadeiros Profetas que anunciam as Verdades e que depois, pela força que emana do seu pensamento, descem do exílio dos Céus onde se aperfeiçoaram e, humildemente, doutrinam o restante povo, indicando o rumo, o caminho.
Era, precisamente, esse Ideal que permitia manter a coesão do solo. Essa mesma coesão só viria a ser, mais tarde, destruída pela mesma razão que Portugal vem padecendo desde há séculos – pelo aviltamento das classes dirigentes. Pela luz do Infante D. Henrique, do Rei D. João II, pela sua fecunda influência, pela acção da sua mão, surgiram um conjunto de homens que, insuflados do mesmo Ideal, embebidos da mesma gloriosa Visão, lançaram-se pelas “águas sem fim! Ondas sem fim! Que mundos novos de estranhas plantas e animais, de estranhos povos, ilhas verdes além…para além dessa bruma, diademas de aurora, embaladas de espuma!”. O Além era, então, o Ideal, Sua Excelência – o Inexplorado, a Novidade: o Descobrimento. E era esse Ideal que sedimentava não só a coesão, como permitiu, da mesma forma, aspirar a algo mais do que a coesão. E não, Sr. Presidente, não eram oiros, safiras, esmeraldas, diamantes, rubis que alimentavam essa aspiração – à semelhança de um Aquiles, pelejando em Tróia, era a sede de um Infinito, de um nome que perdura para além da erosão dos tempos.
Como pode V. Ex.ª falar em coesão se Portugal, nos tempos contemporâneos, não é mais do que uma Pátria mole, esfalecida, desgrudada, despolida, esbandalhada, despedaçada, dilacerada, quebrada?

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Praxe - qual é (ou qual deveria ser) a sua essência?

O tema que trago hoje é o da aplicação prática da praxe, a qual só deveria ser feita tendo por base o conceito original. Visto que alguns praxantes (ou “doutores”) por vezes tendem a esquecer-se do significado e objectivo real da praxe académica vou começar por apresentar a sua definição. Ora, por definição, a praxe académica deve “permitir a integração dos mais novos no meio académico”.

Como sabemos, muitos caloiros vão, frequentemente sozinhos, para um meio novo, uma “escola” diferente, com colegas desconhecidos e, muitas vezes, numa cidade também ela pouco familiar. E, como seres sociais que somos, além dos objectivos académicos óbvios (tirar o curso), também temos o objectivo de nos integrarmos no novo meio, conhecê-lo e estabelecer laços com os demais.

Contudo, a recepção ao caloiro nem sempre se limita a receber e integrar os novos alunos. Já todos ouvimos falar de abusos de poder, por parte dos “doutores”, que se traduzem em situações de submissão, humilhação gratuita e desrespeito pela integridade física e psicológica das chamadas “bestas” (caloiros). É certo que tais situações não constituem a regra, mas é fundamental reflectir sobre elas para evitá-las.

Com efeito, as relações hierárquicas que se estabelecem entre doutores e caloiros (que estão, claramente, numa posição de fragilidade por se encontrarem num mundo novo, no qual desejam ser aceites) podem ser perigosas e até passar uma ideia errada, a vários níveis, do que uma integração deve ser. Isto porque, a verdadeira amizade não pode ser criada em situações onde o elemento mais forte subjuga o elemento mais frágil. A submissão perante hierarquias pré-determinadas é igualmente perigosa ao incentivar os caloiros a aceitar passivamente uma “ordem”, onde é desejável nunca negar o superior. Neste sentido, o postulado de que ninguém é obrigado a ir à praxe não é assim tão simples, pois a pressão para participar é evidente (por exemplo, é um hábito os doutores esperarem os caloiros à saída das aulas, exigindo explicações quando um caloiro diz que não quer ou não pode participar) e o medo de marginalização, decorrente da não participação, torna-se real. Há situações em que os caloiros não concordam apenas com algumas das actividades da praxe; mas, para não as experienciarem, são por vezes obrigados a declararem-se anti-praxe, perdendo o direito de participar em tunas, usar o traje, etc. Por esta razão, os praxantes devem ser relembrados de que as situações não são sempre pretas ou brancas. Como em tudo na vida há áreas cinzentas e obrigar uma pessoa a adoptar uma posição ou outra, sob pena de ter acesso total ou privação total de certas vivências académicas (ex: participação em tunas) é extremo e injusto.

Se for praticada de forma equilibrada, sem abusos de poder e sem aproveitamento das fragilidades dos novos alunos, a praxe pode ser muito vantajosa, proporcionando uma verdadeira integração. À semelhança do que sucede em todas as outras áreas da sociedade, encontramos pessoas mas conscientes e outras menos ponderadas: há doutores óptimos, cujo único objectivo é auxiliar a integração; no entanto, também há veteranos com agendas escondidas (mesmo que por vezes não tenham total consciência disso). Agendas escondidas essas que assumem uma forma de vingança pelo que lhes foi feito no ano anterior, em que alguns chegam a dizer coisas como, por exemplo, “a mim disseram-me para fazer isto e eu obedeci, embora fosse desagradável, por isso também posso fazer agora o mesmo aos outros”. A essência da praxe é integrar, não é fazer algo porque alguém o fez a si no passado. Assim sendo, acredito que, se os veteranos têm o direito de praxar, terão igualmente o dever de ponderar a forma como conduzem a praxe, realizar uma introspecção onde vejam qual a sua verdadeira motivação para praxar, não caindo em erros abusivos e vinganças projectadas em pessoas que não têm culpa. Quando isto a acontece, a praxe deixa de o ser e transforma-se em estupidez, com pessoas frustradas a descarregarem as suas frustrações em inocentes e procurando, de forma inadequada, auto-afirmarem-se.

Enquanto oportunidade de integração, a praxe deverá apenas preocupar-se em promover o convívio, a partilha de experiências e de conhecimento, bem como a criação de laços de apoio entre as pessoas. Ao invés de um espírito de superioridade arrogante a ameaçador, deve reinar um espírito de acolhimento, para que os novos alunos se sintam verdadeiramente ligados e aceites na nova faculdade, na nova cidade e com as novas amizades. E, para tal, basta que os praxantes usem o seu bom-senso e o seu sentido humano, assumindo um papel de “guias” para os caloiros e levando-os a conhecer os locais mais relevantes da Universidade e da cidade: biblioteca, papelarias, centros comerciais e hipermercados, alojamentos/residências, centros culturais, transportes públicos disponíveis, restaurantes e cantinas mais frequentados pelos estudantes, cafés, organizações de cariz cultural e social para os diversos gostos pessoais (ex: grupos de fotografia, grupos de cinema, grupos de teatro, voluntariados, tunas, grupos de defesa ambiental e animal, organizações de eventos culturais e desportivos variados), etc. Na minha opinião, é (ou deveria ser) esta a essência da praxe: um verdadeiro espaço de integração com socialização positiva, divertida e enriquecedora para o indivíduo.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Primeiro ensaio, se assim se pode chamar, sobre uma vaga de emprego!

O Primeiro meu claro!! É um prazer enorme poder colaborar com este espaço (eu chamo espaço porque tá na moda; isto hoje em dia é tudo um espaço de qualquer coisa...) com laivos de brilhantismo tão marcados, seja pelo brilhantismo que emana de todos os autores que colaboram, lá está, com este espaço, seja pelo dos próprios leitores e comentadores deste, lá está, espaço. Este espaço tem ainda muito espaço, e belas vistas, daí que me tenha mudado.

Espero estar à altura de ocupar o meu espaço semanal, que é o Domingo, com crónicas que levem a vossa imaginação até ao espaço. Queria apenas fazer uma pequena ressalva, correcção, à brilhante introdução de Lorde Nelson, realizada num dos seus últimos comentários: refere-se, exactamente, ao espaço politico que ocupo. Estaria certa a sua análise, se eu não tivesse descoberto recentemente que a nossa ideologia politica depende definitivamente do espaço geográfico que ocupamos. Uma ideia que poderei mais tarde desenvolver; mas que significa que consoante esteja mais virado para cada um dos pontos cardeais, serei um social democrata, um socialista, um liberal ou até mesmo um comunista dos sete costados! Tudo uma questão de espaço!

Feitas as apresentações, vamos passar ao aproveitamento efectivo deste... lugar! É muita responsabilidade escolher um primeiro tema; olho para a semana que passou; vejo o que aconteceu de importante; e consigo encontrar dois temas que ficarão para a história, com toda a certeza, e que passo então a analisar.

O primeiro tema, pela cobertura mediática que teve, pelo drama, a comoção nacional que provocou, tem de ser a saída de Nani da selecção por lesão. Mais do que tudo, eu queria deixar aqui um sincero abraço de amizade aos editores dos três telejornais por abrirem todos com a mesma noticia: Nani fora da selecção! Todos realizaram directos desde a África do sul, o que também é relevante. Chama-se responsabilidade social, caros amigos: todos os portugueses, quer quisessem ou não, todos ficaram a conhecer essa informação tão importante; ninguém podia negar o conhecimento do tema numa qualquer conversa de elevador! É também responsabilidade social e serviço público por outra razão:ajudar as pessoas que pensam que não querem saber do Nani e da sua lesão; elas querem saber! só que ainda não descobriram... É a mesma lógica e razão que leva os governos, em especial os de esquerda, a obrigar-nos a fazer coisas que nós ainda não sabemos que queremos, mas que eles já têm a certeza!

O segundo tema tem a ver com a cerimónia da abertura do Mundial. Mais uma vez a bola, porque afinal de contas, não aconteceu mais nada esta semana, e o mundo esteve parado... Todos nos perguntámos onde iríamos ver a cerimónia de abertura do Mundial; bom, a RTP, pelo menos esta estação, facilitou-nos a escolha, e decidiu transmitir a cerimónia em pleno Jornal da Tarde. O quê?? Os jornais servem para transmitir noticias??? Em que país de África?!? Bem isto é aliás uma técnica mongol que os directores da RTPN usam com frequência no cabo,transmitindo a volta a França, Jogos Olímpicos... mas que em sinal aberto nunca tinha acontecido!O que se formos a ver é óptimo! Antes de ser noticia, nós já estamos a ver a noticia...Que tal? Jornalismo de Vanguarda...

Agora a sério, chega de ironias...Esta não é uma situação de agora; esta autêntica doença já tem pelo menos dez anos, quando Portugal venceu a Inglaterra por 3X2... As minhas memórias algo ténues e voláteis do EURO 96 não me permitem jurar a pés juntos, mas tenho quase a certeza que esta febre não começou nessa altura; nessa altura, ainda houve uma transmissão normal, enquadrada com o real valor do futebol no universo noticioso. Mas nos últimos dez anos tem sido de mais. É verdade que nunca fomos tão vitoriosos, e que os resultados nunca foram tão bons. Eu fico feliz, sinceramente que fico, como grande adepto da modalidade. Mas eu, na minha qualidade de auto-intitulado grande adepto, sei perfeitamente que canais procurar para saber mais sobre o "futebolês". Ligo os canais desportivos; leio os jornais desportivos; vou aos sites dos jornais desportivos. E conseguirei matar a minha sede por futebol nestas fontes. Não preciso de ser agredido a com diários do Mundial de dez em dez minutos!

Mas é ainda mais grave quando é o canal público de televisão que mais abusa deste tipo de práticas! Os outros são privados; é condenável na mesma, e não tem nada a ver com bom jornalismo, mas são privados, e por isso tem uma lógica diferente. Agora, o canal público, que absorve os nosso impostos, e literalmente absorve, usar descaradamente da fórmula romana do Pão e circo... Pior... ultimamente com a vinda do Papa a Portugal, de um autêntico e preocupante Fátima, Fado e Futebol... É assustador...

Eu gostava de saber o que se ensina nas escolas de jornalismo. Gostava mesmo. Na maior boa-fé, eu quero acreditar que nesses estabelecimentos se ensina as pessoas a serem bons profissionais. E talvez esteja errado, mas isso implica, talvez, um principio de razoabilidade e equilíbrio, em suma, critério!, na escolha dos temas e assuntos a tratar nos boletins noticiosos.

Quero acreditar que essa é até uma das qualidades essenciais para se chegar a editor de um jornal, à coordenação de um bloco noticioso. Acredito até, que pelas competências que tem para um cargo, deverão chegar, alguns, a acumular essa posição com a de professores nas escolas de jornalismo,com a responsabilidade de formar gerações de novos e bons profissionais. Olhando para o actual estado de coisas, nem com toda a minha boa-fé eu posso acreditar que estes senhores sejam minimamente qualificados para esse trabalho! Isso, ou então abriram vagas para director de informação da SPORTTV, e por azar nosso, telespectadores, os três editores dos três canais televisivos decidiram concorrer, estando já a mostrar serviço... Já agora, se me é permitido o comentário, o senhor da RTP está claramente na frente...

Algum bom senso... Futebol é relevante pelas paixões que desperta, sem dúvida. Mas o facto de o Mourinho ganhar uma Liga dos Campeões, uma liga inglesa ou italiana, de assinar pelo Real Madrid; o facto do Porto, do Benfica ou do Braga serem ou não campeões; o facto de o Ronaldo estar alegre ou triste; nenhuma das anteriores é noticia de abertura de um jornal. E estão, aliás, muito bem encaixadas naquele horário das 13 e 35 minutos, em que quem gosta do tema, pode então desfrutar de um assunto que lhe interessa, depois de terem sido transmitidas as noticias (realmente) mais importantes do dia... É uma utopia o que estou a pedir?