A mais bela, a mais pura e a mais duradoura glória literária de prosa da blogosfera

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sábado, 31 de julho de 2010

A vergastada aos doutrinários do laissez-faire

Estimado leitor,
V. Ex.ª recorda-se destas palavras? – “O amigo leitor confia no Estado para velar pelos seus negócios? Confia numa entidade tão permeável às pressões, cheia de arrivistas e ineficaz? Acha que o Estado compreende melhor qual a estratégia óptima para uma empresa? Não será isso mais facilmente compreendido pelos donos dessa empresa – os accionistas?” Ora, estimado leitor, estas palavras foram proferidas pelo nosso estimado Lord, agora de vacances, num destino exótico incerto e, por certo, algo alheado da realidade recente do nosso País.
O Dr. Ricardo Salgado, presidente do BES, é um dos accionistas da PT – este brilhante accionista que facilmente compreende a estratégia óptima da empresa, em conjunto com a Ongoing e a Visabeira, decidiram que a situação óptima da PT era alienar a sua participação na Vivo à Telefónica por 7.150 milhões de euros. E eis que, estouvadamente, aparece o malfadado Estado…! Oh! terrível! A afronta! A fatalidade! Segundo as palavras do nosso Lord o Estado, com o seu dedo fétido, iria infeccionar, irreversivelmente o negócio PT-Telefonica…A verdade, porém, é que o empecilho estadual conseguiu assegurar 350 milhões de euros extra na venda da Vivo à Telefónica. Parece que algo escapou à gestão visionária dos accionistas, algo zarolhos com a perspectiva de abaterem parte das suas dívidas com os dividendos extraordinários resultantes da alienação. O próprio Ricardo Salgado, que anuíra neste no negócio de 7.150 milhões de euros, então vetado pelo Estado com recurso à golden share, docilmente, viera já lamber o Estado, rebolar-se junto Estado, abanando a cauda. Numa conferência realizada pelo Jornal de Negócios na semana anterior, o banqueiro proferiu as seguintes declarações, quase rebentando de entusiasmo e de vermelhidão, quando questionado acerca da possibilidade da Telefónica aumentar a oferta de 7.150 milhões de euros:
- Esse valor pode ainda ser corrigido. Atribuo isso tudo à utilização da golden share. Se for assim, o mérito é todo do Primeiro-Ministro.
Ao que nos parece, este Ricardo Salgado é o mesmo que inicialmente se manifestava contra a oferta da Telefónica sobre a Vivo, fazendo juras de amor eterno à Pátria; semanas depois, Sua Excelência declarava-se enamorado pelo cifrão e passou para o lado espanhol; o mesmo Ricardo Salgado, após o veto do Estado ao negócio, declarava-se furibundo com o Estado por ter arruinado a possibilidade de um bom negócio e, por isso, mordeu, com fúria, a mão estadual; uma semana depois, o mesmo Ricardo Salgado, declara-se perdidamente apaixonado pelo Estado e declama-lhe uma serenata, enquanto o Estado escuta, suspirando, do peitoril da janela.
Para aferir a legitimidade vitoriosa da intervenção do Estado neste negócio, iremos recorrer à imprensa:
Segundo o Jornal de Negócios, “Para a “The Economist”, a Portugal Telecom parece ser a “vencedora óbvia”. “Zeinal Bava, o seu CEO com visão para os mercados, será ainda mais aclamado pelos accionistas por extrair cada cêntimo e mais algum dos espanhóis. A Telefónica pagou 14% acima da capitalização de mercado da PT antes do lançamento da oferta de compra da posição da PT na Vivo”, refere a revista num artigo intitulado “Brazil calling”.”
Ainda segundo o mesmo diário, a Ongoing, accionista privado da PT vê “com bons olhos que a empresa a manutenção da PT no Brasil – agora através da Oi – manifestando “a sua satisfação face à solução encontrada para resolver a parceria que a PT mantinha com a Telefónica na operadora brasileira de comunicações Vivo, permitindo à PT iniciar um novo caminho, com maior independência, estabilidade e com recursos para se afirmar como uma operadora com dimensão e com um reforço de condições para estar presente nos mercados de maior crescimento”.
Por fim, este negócio revelou-se de tal maneira desastroso para a PT que o Millenium investment banking elevou o preço-alvo da Portugal Telecom de 8, 60 para 11,10 euros, uma melhoria de 30%. Numa nota de research, o Millenium atribui uma recomendação de compra às acções da PT, devido ao potencial de subida dos títulos.
Os próprios espanhóis ficaram contentes. Segundo o El Economista, César Alierta, CEO da operadora, fez vergar José Sócrates. O motivo? É simples: 7.500 milhões de euros = 7.150 milhões de euros. Peanuts, portanto. Euclides estremece no seu túmulo.


Quanto à escolha da Oi como parceira da PT no Brasil, apresenta vantagens e desvantagens. A desvantagem é que apesar de se apresentar como líder no fixo, é apenas o quarto operador móvel – e todos sabemos que o crescimento da rede fixa é nulo, enquanto que no que toca à rede móvel, o Brasil continua a ser um mercado a explorar. Nesse aspecto, a Vivo era líder no mercado móvel, um mercado com muito maior potencial de crescimento do que a rede fixa, onde as possibilidades de expansão são residuais e onde os custos de manutenção da rede podem ser avultados – especialmente no caso do Brasil, país onde as tecnologias de informação e comunicação (TIC) são ainda antiquadas, obrigando a uma modernização da rede. A PT pode, contudo, aproveitar outro sector de enorme potencial – a banda larga. O Brasil continua a ser um país arcaico no que ao acesso à Internet diz respeito. Neste sentido, a PT através da Oi pode assumir uma importante posição no mercado, sobretudo pela política do Governo Brasileiro que confere grande importância à banda larga. O facto da Oi ser uma empresa brasileira pode constituir uma vantagem junto do Governo brasileiro no sentido de promover uma parceria estreita entre a PT, através da Oi, e o Governo para permitir o acesso generalizado da população à Internet, usufruindo de uma ligação estreita com Brasília em relação aos concorrentes. Além do mais, apesar do acordo prever a compra de 22,38% da Oi por parte da PT, a empresa portuguesa, segundo noticia esta edição de sábado do Expresso, a PT poderá “vetar os assuntos que vierem a ser discutidos pelos accionistas que se sentam na Telemar Participações, empresa que detém a Tele Norte Leste Participações, que gere a operação da Oi, a PT irá também presidir aos comités de engenharia e redes, tecnologia e inovação e oferta de serviços, que irão ser constituídos”. Estes comités são os grandes responsáveis pelo desenho da estratégia da empresa, pelo que a PT, apesar de não deter os destinos da Oi, influencia, decisivamente, o controlo da empresa, sobretudo em áreas fundamentais do negócio das telecomunicações. É um facto que aproveita tanto à PT, como aos accionistas brasileiros – que se servem do know-how da operadora portuguesa, com provas sólidas no mercado português e uma parceria de sucesso, agora desfeita, no caso do Brasil, de forma a valorizar os activos da Oi e a torná-la uma empresa cada vez mais robusta. Outra vantagem passa pela abertura de novos horizontes: na Vivo, o acesso ao mercado da América Latina estava vedado à PT por parte da Telefónica em função do acordo estabelecido entre as duas operadoras. Agora, com o rompimento do acordo, a Oi pode ser uma porta para a expansão da PT para o mercado da América Latina e para a África. Este é também um desejo do Governo Brasileiro – pelo que a convergência de interesses só será benéfica para todas as partes.
Assim se consegue a convergência do interesse de todas as partes interessadas no negócio – a Telefónica que garante a compra da Vivo; a PT que garante um importante encaixe financeiro, superior àquele que seria, inicialmente, esperado; os accionistas que poderão receber mais dividendos extraordinários graças à intervenção do Estado; e Portugal que consegue manter uma empresa estratégica para o País com capacidade de acção no mercado global, numa área de enorme importância nos dias que correm – as telecomunicações.
Pelos vistos, ao contrário do que pretendia sugerir o nosso Lord a intervenção do Estado na defesa dos interesses de Portugal, não é não só nefasta ao próprio interesse público, como, inclusive, ao próprio interesse privado – uma tareia aplicada nos doutrinários do laissez-faire.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Acabou-se a Fiesta!


Antes do temática a abordar, refira-se que a revista Focus na edição de 28/07/10 traz uma nova sondagem para as eleições legislativas - o PSD de Pedro Passos Coelho recolhe a preferência de 41% dos inquiridos, contra 31,7% do PS. Seguem-se o BE (6,5%), o PCP (6,3%) e o CDS (3,6%). Nada disto altera o que foi dito mas gostamos de informar!
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Segundo noticiado pela imprensa estrangeira (leia aqui) o Parlamento Regional da Catalunha deliberou no sentido de proibir as touradas na Catalunha. Joan Puigcercós, um dos deputados que viabilizou a proposta (pertencente à ERC) justificou o facto afirmando que "el veto trae un progreso moral". (Se o Dr. Carlos pode escrever em estrangeiro eu também posso!).


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Que o leitor se não engane – este opinante não gosta de touradas: não consegue ver uma sem adormecer nem acha piada ao confronto bárbaro entre animais e homens. Tudo aquilo parece um espectáculo deprimente, próprio de uma sociedade abrutalhada. E as roupas senhores, as roupas, os vestidos… Enfim – numa palavra, asco!
No entanto, somos frontalmente contra a proibição legal das touradas, sejam de morte ou não. Passo a explicar:

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O direito prescreve normas de conduta, diminuindo as liberdades individuais de forma a permitir a vivência em sociedade e a realização de cada um como pessoa. Neste sentido, o direito não deve procurar regular todas as vertentes da vida mas apenas aquelas onde a sua presença é necessária.
E aqui não é necessária porque as touradas não perigam a vivência social nem a sua proibição é essencial para o tráfego jurídico – o que aqui se passa, é nas palavras anteriormente transcritas de Joan Puigcercós, um progresso moral. Ora e é aqui que o caldo se entorna!
O direito não deve estar ao serviço da moral – são duas ordens normativas distintas com fins próprios e regras de natureza diferente (refira-se que o incumprimento de uma norma jurídica terá como consequência directa uma sanção enquanto que o incumprimento de uma norma moral terá como consequência um juízo de censura por parte da comunidade).

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O direito não deve pois prescrever postulados morais – não quer isto dizer que deva ser imoral mas antes amoral. E isto até para a defesa daquelas liberdades individuais que servem de base ao sentido do direito – pois um direito que se preste a uma moral, prestar-se-á à moral dominante. E a consciência moral da sociedade muda com o tempo: da mesma forma que se proíbem as touradas por predicados morais abre-se um precedente que um dia se proíba o ócio (numa moral mais proletária) ou a homossexualidade (numa moral mais católica - radical).
Há pois que ter muito cuidado com a forma como se legisla – o direito tem como desiderato único a regulação da vivência social e cabe aos cidadãos a função de primeira linha de defesa das suas próprias liberdades – a proibição da tourada por argumentos de progresso moral abre a porta a proibição ou obrigatoriedade de qualquer coisa por argumentos morais.
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O legislador não é o pai da pátria que nos oriente e guie à imagem de um déspota iluminado – o legislador legisla e ponto. A moral não pode, nem deve, ser ditada pelos políticos – antes é resultado de uma lenta assimilação de valores pela consciência comunitária que, pela importância que lhes reconhece, os dota daquela dignidade.

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Cremos que um dia as touradas cairão em desuso até devido ao normal progresso das mentalidades - e assim o esperámos. No entanto não gostaríamos que tal desuso tivesse na base uma proibição do legislador, verdadeiro diktat para a comunidade, sancionado o certo e o errado, o bom e o mau, na sua própria perspectiva é claro, que lembre-se pode não ser a sua!

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E com este post, que esperamos ter servido para uma discussão mais séria acerca das touradas (que normalmente se resume a berros como “Tortura!” ou “Tradição!”), vamos de vacances porque também merecemos. Vamos “pirar-nos da piolheira” e só voltamos ao fofo assento aveludado que aqui temos guardado no dia 7 de Setembro, se assim Deus Nosso Senhor quiser.
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Ao leitor deixámos um aviso – este blog vai ficar temporariamente sem a nossa supervisão pelo que o conteúdo que será aqui apresentado poderá chocar os leitores menos marxistas. Pensando nestes nossos amigos aconselhamos que vão lendo o que por aqui for escrito, mas com cuidado…

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Boas férias para todos! Vou-me embora que não posso com este calor!

quarta-feira, 28 de julho de 2010

A Reformulação Financeira nos EUA

No dia 16 de Julho, o Congresso norte-americano aprovou “a mais ambiciosa renovação de regulação financeira em gerações”, segundo o Washington Post. Esta extraordinária vitória de Barack Obama continua ofuscada, no entanto, pela crise que se vive no Golfo do México, provocada pelo derrame de petróleo da BP, e pelo arranque lento da economia norte-americana no que à política de emprego diz respeito. Os americanos continuam preocupados, sobretudo, pelos problemas da economia real – o emprego. E a verdade é que apesar da recuperação económica dos Estados e o crescimento do seu PIB, os efeitos não se fazem ainda sentir na criação de mais emprego, não obstante a administração optar por uma política de estímulos à economia para potenciar o seu crescimento. Os americanos julgam, portanto, que as prioridades da Administração estão invertidas – as ambiciosas reformas do sistema de saúde e do sistema financeiro são secundarizadas pelos problemas reais que os americanos enfrentam no dia-a-dia e os republicanos tentam capitalizar o descontentamento popular para as eleições de Novembro.

A reforma do sistema financeiro estabelece um Departamento na Reserva Federal de forma a proteger os mutuários nos abusos em torno de hipotecas, créditos ou outro tipo de empréstimos. A legislação confere ainda novos poderes à Administração no que toca à nacionalização de companhias financeiras e cria um conselho de reguladores para velar por ameaças ao sistema financeiro. Outro aspecto crucial da legislação passa pelas novas regras aplicadas a derivados financeiros de alto risco que foram responsáveis pelo descontrolo dos investimentos dos bancos. Estes derivados serão objecto de um maior controlo por parte do Governo. Um atestado claro de incompetência às malfadadas agências de rating, que avaliaram displicentemente este tipo de produtos? Pelos vistos, não são apenas os Governos Europeus que criticam a actuação das agências.
Segundo Obama, o objectivo da legislação é “protect consumers and lay the foundation for a stronger and safer financial system, one that is innovative, creative, competitive, and far less prone to panic and collapse." A ideia de que o indivíduo procurando a sua situação óptima conduz a uma situação social óptima continua a ser a melhor ideia – a liberdade de iniciativa privada continua a ser a base do sistema capitalista. Mas o sistema capitalista não pode ser o mesmo do período pré-crise. O período pós-crise tem que marcar um novo capitalismo – um capitalismo regulado pelo olhar atento do Estado, conferindo uma ampla esfera de autonomia e iniciativa aos privados, mas sob um olhar atento das entidades estaduais, com uma regulação discreta, mas eficaz de forma a evitar um descontrolo dos mercados. A sustentabilidade e o longo prazo têm de fazer parte dos objectivos das empresas – tem de haver um maior controlo da actuação dos gestores de forma a evitar decisões benéficas no curto prazo para o bónus do gestor, mas letais para a empresa no longo prazo e para toda a estabilidade do sistema financeiro. Importa promover um maior envolvimento e controlo por parte de todos os stakeholders na gestão da empresa, promovendo critérios de transparência e confiança.

Do lado dos republicanos, os argumentos são os habituais – a ameaça à competitividade da economia americana pela intromissão abusiva do Estado na acção privada. Os Republicanos são um partido antiquado – não é à toa que lhes chamam GOP, o Grand Old Party. A crise financeira e económica mundial, mas iniciada nos EUA e que, rapidamente, se alastrou pelo mundo não teve culpados e, por isso, não extraem qualquer tipo de lição dela: o melhor é manter as coisas tal qual como estão: instabilidade, desconfiança, incerteza, volatilidade, insegurança. São termos essenciais para o sucesso e para o prosperar dos negócios nos manuais dos conservadores americanos. Os Republicanos parecem mais apostados na ilusão de que se vivem tempos venturosos, de uma economia alimentada pelo crédito fácil, de instrumentos financeiros de alto risco sujeitos a avaliações parciais pelas agências de rating sem qualquer tipo de intervenção reguladora do Estado.

E na Europa? Apesar dos fundamentos da crise estarem ligados ao sistema financeiro norte-americano, a Europa não deve esquecer a reformulação do seu espaço financeiro nos mesmos moldes – maior regulação. A turbulência dos tempos que vêm varrendo a Europa nos últimos tempos não deve constituir um obstáculo para a revisão do sistema financeiro – se ela é premente, então ela deve ser iniciada; não de forma apressada, no entanto. A Europa deve também ela preparar uma reforma ponderada de forma a dotar o seu sistema financeiro de maior estabilidade, ressalvando, contudo, a iniciativa privada.
Um dos problemas poderá passar pela liderança política da direita na Europa – é assim na Comissão Europeia com Durão Barroso; é assim no Parlamento Europeu com o predomínio do PPE; é assim na Alemanha com Angela Merkel e a CDU; é assim na França com Nicolas Sarkozy e o UMP; e é agora assim no Reino Unido com David Cameron e o Partido Conservador. Não estará a direita mais refém dos interesses financeiros? Senão, pois então que o prove.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Ainda não chega mas estamos no bom caminho


Eis-nos quase chegados a Agosto e às férias políticas. As declarações tradicionais de um Dr. João Jardim – este ano sozinho - na festa do Chão da Lagoa, marcaram já o início da silly season que se vai instalar no próximo mês: o vácuo político.





Como em qualquer fim ou início impõe-se reflexões e balanços, sendo que a este propósito para este propósito surgiu no passado fim-de-semana uma interessante sondagem cujos dados importa analisar – até porque é a primeira após a apresentação do projecto de revisão constitucional do PSD.


Segundo a sondagem realizada pela Intercampus para a TVI, se as eleições legislativas se realizassem agora o PSD ganharia com 39,2% seguido de um PS com 34,4%. As restantes forças políticas ficariam ordenadas pela seguinte ordem: PCP (9,5%), BE (9%) e CDS-PP (5,9%) de volta ao último lugar.)
Daqui resultam logo duas conclusões: o PSD ganha as eleições (com quase mais 5% dos votos) mas a direita não tem a maioria absoluta (teria 45,1%). Atendendo a que uma coligação BE-PCP-PS é coisa que estará muito longe de acontecer resta-nos o cenário de um governo minoritário de coligação PSD-CDS.
Atendendo às propostas que têm vindo a ser apresentadas e discutidas pelo PSD, governo minoritário é coisa que não serve – não se conseguirá liberalizar o país com o apoio da esquerda. Para o programa de Passos Coelho ser aplicado e produzir resultados é absolutamente necessária uma sólida maioria de direita na Assembleia: só assim poderão estar garantidas as condições de estabilidade que possam sustentar uma importante reforma do Estado e da Sociedade – que poderá ser a reforma mais importante do Portugal do pós revolução.


Obviamente que os números agora avançados se inserem num constante de crescimento por parte do PSD, motivo pelo qual acreditamos que uma maioria absoluta da direita será bem possível nas próximas legislativas. É necessário ter em atenção que a apresentação do projecto de revisão da Lei Fundamental poderá ter hostilizado alguns eleitores – mas aqui só há elogios à direcção do PSD. Temos – o que já não se via há muito tempo em Portugal – uma oposição construtiva, em que se discutem ideias e não caracteres. Mas mais: o PSD está a ser honesto, dando ao eleitorado os dados para uma decisão consciente: se o PSD ganhar toda a gente sabe o que aí virá.


Um outro dado interessante que resulta desta sondagem é este: os portugueses sentem-se mais próximos do PSD que do PS (29% contra 27,8%). Ora isto contraria necessariamente as afirmações que alguma esquerda tem vindo a promover, colando o PSD a uma espécie de direita ultra-liberal, importada dos Estados Unidos e sem qualquer implementação em Portugal. Pois bem, parece que não – o sentimento do povo não é esse.
E também podemos ver que o PSD não está a cair para a direita – ao levar mais de um terço dos votos torna-se necessário reformular o espectro político – não é o PSD que está a derivar para os confins da direita, são muitas excelências pardas que, mesmo vendo a falência de um modelo velho de 30 anos, se mantém coladas à esquerda – e cada vez mais aos confins da esquerda. PS e PSD estão no centro, diga o que se disser pois juntos têm mais de 70% dos votos. Os que por aqui não andam é que estão nas “bordas”.


Este resultado prova igualmente que o eleitorado não é tão imbecil como as vezes é julgado – nota-se aqui que as pessoas aderem a ideias construtivas, a alternativas conscientes e a debates civilizados. Os discursos catastróficos e do “bota-abaixismo” que inundava o PSD ainda há bem pouco tempo deram no que deram. Será condição essencial para a vitória da direita que o debate se mantenha assim – o PSD tem que se manter unido na sua diversidade e dialogante com o eleitorado. Não há políticas detentoras da verdade, há propostas apresentadas ao povo.
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Ah e verdade – o Prof. Cavaco também parece que será reeleito à primeira com 59,4% - desta vez mais à larga. Parece que a estratégia da esquerda de dividir para ganhar não está a resultar… O Dr. Alegre mal passa dos 25% (menos de metade).

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Bem sabemos que sondagens são sondagens. Mas sempre é um cenário animador para irmos de férias – pelo menos alguns de nós! Ainda não chega mas estamos no bom caminho!

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Nuns on the run

Ao que parece nem toda a gente gosta de entrar nessa fase harmoniosa da vida que é a reforma. Os portugueses queixam-se de peito cheio que "Aiii porque andamos a vida toda a trabalhar e o Sócras cada vez nos põe a trabalhar mais e já não há descanso e trabalha-se a vida toda e coiso...", mas as freiras francesas trabalhariam até à morte se assim as deixassem. Pelo menos é essa a opinião de Marie-Daniel e Saint-Denis que, após saberem que estavam dispensadas das funções de docência que as ocuparam durante 46 anos, decidiram revoltar-se contra o sistema e fugir por esse mundo fora de arrastadeira em punho na esperança de evitar uma vida amorfa e monótona numa qualquer casa de retiro, barricando-se...numa casa de caridade há já duas semanas. Os parentes mais próximos acusam o convento de Roquebrune-Cap-Martin de atentar contra a existência das pobres senhoras ao querer alterar-lhes substancialmente a rotina e hábitos que até aí levavam.
Cumpre-me sublinhar que, as ditas senhoras, têm entre os 80 e os 86 anos, portanto estão cheias de espírito dentro delas, prontas a enfrentar novos desafios profissionais ou de qualquer outro nível, é gente desta que o nosso País precisa! Já uma outra amiga destas revolucionárias de bengala, Maurice-Marie, de 89 anos, não fosse ter partido a anca (provavelmente a imitar a coreografia da Waka Waka da Shakira) ter-se-ia unido ao propósito e seria mais uma a correr o risco de enfrentar o Todo-Poderoso tribunal religioso com o qual, a madre superiora do convento supra mencionado e ao qual todas as protagonistas da aventura pertencem, está já a ameaçar as fugitivas.
Amigo Sarkozy, seja lá que ar for esse que se respira nos claustros dos conventos franceses, investigue-se. Estou em crer que temos a resposta para o tão aguardado elixir da juventude, ou pelo menos o da vitalidade, nesses ninhos de espiritualidade. O amigo Sócrates aguarda com ansiedade essa água benta que banha o género feminino do seu povo de força laboral.


domingo, 25 de julho de 2010

Dos Burros

Vou recontar uma história que li algures e que vos vai certamente despertar aquela sensação de déjà vu.

Foi pedido a um financeiro que procurasse explicar a crise de uma forma simples para que toda a gente entendesse. E ele contou o seguinte:
"Um senhor foi a uma aldeia e ofereceu aos habitantes 100 euros por cada burro que eles possuíssem. Muitos venderam os seus burros. No dia seguinte, voltou e ofereceu 150 euros por cada burro. Houve mais gente a vender os seus burros. Voltou de novo e ofereceu 300 euros por cada animal. A venda foi total e não restaram mais burros na povoação.
No dia seguinte, o negociante de burros voltou à aldeia e, desta vez, ofereceu 500 euros por cada animal, dando a entender que dava o prazo de uma semana para que lhe conseguissem arranjar os burros. Todavia, desta vez já não havia burros para vender.
Então, a seguir, mandou secretamente àquela aldeia alguém que dizia vender burros por 400 euros. Os camponeses vislumbraram a possibilidade de um óptimo negócio. Assim, quem tinha dinheiro comprou, quem não tinha pediu emprestado para comprar, todos na perspectiva de ganhar, na semana seguinte, 100 euros em cada burro.
Com seria de esperar, quer o negociante de burros, quer o enviado secreto, nunca mais voltaram a aparecer.
O resultado ficou patente: a povoação cheia de burros, muitos habitantes endividados e outros sem as suas poupanças.
E depois?
Os que tinham pedido dinheiro emprestado, não conseguiram pagar o empréstimo. Os prestamistas (aqueles que emprestaram o dinheiro) foram queixar-se à Junta de Freguesia, dizendo que se não cobravam, ficariam eles próprios arruinados, deixando de poder, por conseguinte, emprestar dinheiro, o que conduziria à ruína da população.
Para que os prestamistas não se arruinassem, o Presidente da Junta deu-lhes um subsídio, em vez de o dar ao povo. Como os prestamistas não perdoam dívidas, o povo ficou cada vez mais endividado.
O Presidente da Junta, com o seu acto, delapidou o dinheiro da Junta, o que conduziu, por sua vez, ao endividamento da Câmara. Esta foi pedir ajuda a outras Câmaras, mas estas não foram na cantiga, porque achavam, e com razão, que uma Câmara falida nunca vai devolver os empréstimos realizados.
Conclusão da história: os prestamistas com o seu problema resolvido; imensas pessoas a quem os prestamistas continuaram a cobrar os empréstimos com juros cada vez mais altos, apoderando-se dos burros em caso de incumprimento dos pagamentos; muita gente sem dinheiro e sem burro; a Câmara igualmente falida.
Como é que se há-de resolver tão grave crise? Naturalmente despedindo funcionários e diminuindo o salário daqueles que ficaram..."


É um facto mais do que notório que Portugal atravessa uma crise económica das mais graves da história económico-financeira portuguesa. Portugal já conta com mais de 600.000 desempregados, o número de declarações de insolvência de sociedades e de pessoas singulares (até mesmo de casais, note-se!) bate novos recordes todos os meses, a tributação aumenta de tal modo que até os próprios ditos bens de primeira necessidade conheceram um aumento da sua taxação em sede de IVA (já agora, que alguém faça o obséquio de me elucidar: como é que se pode taxar as fraldas para bebés descartáveis a 21% e a coca-cola a 6%? Como? Não acreditam? Então apurem e logo verão a veracidade com que falo!) e os apoios sociais vão sofrendo cortes cada vez mais drásticos a ponto de passarem a inexistir (o que é feito do tão apregoado cheque-bebé, bandeira do actual Governo? E dos incentivos à formação dos jovens portugueses que já no próximo ano lectivo vão ver as suas bolsas de estudo a diminuirem consideravelmente ou até mesmo a serem eliminadas?).

Atravessámos a década de 90 inundados daquela felicidade efémera, típica de quem tem sempre dinheiro no bolso prontinho a ser gasto em casas, automóveis ou viagens de luxo. A vida sorria a todos aqueles que julgavam ser legítimos proprietários de meio-mundo e que até o eram, não fosse o ínfimo pormenor de o dinheiro que possuíam ter sido emprestado por uma qualquer instituição bancária e ser dinheiro ficcionado, dado que teriam que o pagar, mais tarde, elevado ao triplo, em virtude dos juros. E assim foi crescendo a pilha de empréstimos, graças à sua facilidade de obtenção. Até um dia. O dia em que o sujeito se viu submerso nela, encontrando-se sem dinheiro, sem bens próprios (dadas as reiteradas situações de incumprimento das suas obrigações mutuárias que conduziram, por seu turno, a vendas executivas dos seus bens) e com um sem-fim de dívidas para pagar, nem ele próprio sabe bem como.

Eis-nos chegados ao clímax da crise, crise essa que não é, de todo, passageira. Estamos numa verdadeira crise estrutural, da qual será impossível sair sem alterações profundas.Esta crise é determinada por modificações de grande amplitude no domínio da concorrência e em matéria de factores de competitividade e com incidências dramáticas em muitas áreas de actividade, forçadas a reestruturações profundas. Julgo que as saídas são poucas se mantivermos o actual quadro de actuação económica. Temos de reinvestir na produção e nas pequenas e médias empresas portuguesas, elas que são o motor de arranque de toda e qualquer economia. Temos de criar um clima de confiança de modo a que o consumo e investimento privados aumentem exponencialmente. E temos, sobretudo, de parar de tentar, a todo o custo, aumentar a receita estadual ao invés de diminuir a despesa pública. O Estado parece aquele chefe de família tirano que, enquanto a sua pobre mulher passa todos os santos dias a trabalhar para o sustento da casa e dos seus filhos, passa os dias na tasca a beber uns copitos e, mal chega ao lar, exige que todo o dinheiro lhe seja entregue, alegando precisar dele para governar a casa, quando, de governo, só conhece o da tasca. Basta de chefes tiranos e vejamos que estamos a esquecer-nos daquela que deveria constituir a primeira lei da economia: "para colher, é preciso semear!".


A vida está má, está... Até para os marqueses!

sábado, 24 de julho de 2010

À Consideração constitucional da Direita - e do Dr. Henrique Monteiro

Ainda a propósito do debate da revisão constitucional, gostaríamos de nos pronunciar sobre a imbecilidade que vem invadindo os argumentos de alguma direita. Cara direita, quando nós não conhecemos profundamente um certo assunto que requer alguns conhecimentos mais técnicos, arriscamo-nos a passar por idiotas quando nos pronunciamos sobre eles. É o caso que vem sucedendo a V. Ex.ª, no domínio da argumentação sobre a gratuitidade do ensino e da saúde. Estimada direita, queira V. Ex.ª notar a pesarosa humilhação a que a vou submeter, ao receber uma doutrinação de um opinador independente, mas associado aos valores da esquerda moderada. Assim sendo, cara direita temos a comunicar-lhe o seguinte:

Uma das classificações de preceitos constitucionais diz respeito à distinção entre normas constitucionais preceptivas e normas constitucionais programáticas. As normas constitucionais preceptivas são de eficácia incondicionada ou não dependente de condições institucionais ou de facto. As normas preceptivas são, por isso, características do Estado Liberal e dizem respeito à natureza do Estado que lhes está subjacente. As normas preceptivas estão, assim, ligadas aos Direitos, Liberdades e Garantias. Classificação distinta, cara direita, - e atentai nisto – são as normas programáticas, aquelas, que dirigidas a certos fins e a transformações não só da ordem jurídica mas também das estruturas sociais ou da realidade constitucional, implicam uma concretização incindível dessa realidade. As normas programáticas são, por isso, características do Estado social e implicam condições económicas e sociais a criar pelo poder político – ou seja, necessitam da concretização de determinadas políticas governativas. Estimada direita, a gratuidade tendencial do serviço nacional de saúde e a gratuidade tendencial do sistema de ensino estão definidas nos artigos 64.º, n.º 2, alínea a) da CRP e no art. 74.º, n.º 2, alínea a) da CRP, respectivamente. Tanto o art. 64.º, como o art. 74.º estão incorporados no Título III da Constituição que diz o seguinte: “Direitos e deveres económicos, sociais e culturais”. Ora, as normas programáticas dependem de factores económicos e sociais – que no que toca a Portugal não são lá muito famosos. O que queremos dizer, estimada direito, é que o art. 64.º e o art. 74.º estão dependentes das condições económicas e sociais do nosso País – por isso, enquanto que na saúde se pagam taxas moderadoras, no ensino se pagam propinas. Assim se fixa a gratuidade tendencial do sistema que está, no dependente, de condições económicas e sociais. É por isso que comunicamos a V. Ex.ª, a direita que afirma “ah! isso da gratuidade da saúde e do ensino é muito bonito mas são tretas…” – isso é simplesmente estúpido do ponto de vista constitucional. Neste contexto, cara direita, iremos prosseguir o nosso esforço de doutrinação de V. Ex.ª.

Como nota o Prof. Jorge Miranda no seu Manual de Direito Constitucional, Tomo II:
“Nas constituições liberais do século XIX, as normas substantivas eram quase todas normas orgânicas e as normas de fundo circunscreviam-se aos direitos, liberdades e garantias. Dominavam, portanto, as normas preceptivas.
Nas Constituições com intenções sociais, de diversas inspirações, dos séculos XX e XXI as normas de fundo, bem como as normas de garantia, dilatam-se muitíssimo e passam a prever direitos sociais e a organização económica. Deparam-se então, em largo número, normas programáticas”.
O que o PSD propõe, portanto, é um regresso ao século XIX: Ora, crendo nós que estamos no século XXI, e querendo o PSD regressar a uma constituição de base do século XIX, nós arriscaríamos – com grande prudência, no entanto – apelidar este processo de regressão. Porque, no nosso entender, uma vez que nos encontramos no século XXI, regressar ao século XIX seria um retrocesso. Porque dezanove é menor do que vinte e um. Estamos, porém, dispostos a ouvir opiniões que nos digam o contrário: que passar do século XXI para o século XIX é um avanço.

Esta crónica é especialmente dedicada a Sua Excelência, o Dr. Henrique Monteiro, director do Expresso, que esta semana, num debate da SIC-Notícias sobre a revisão constitucional, invocou o argumento acima indicado da gratuitidade da saúde e do ensino. Além do mais, Sua Excelência, na sua coluna de opinião no seu Expresso, vem culpar a Constituição pela insustentabilidade do Estado Social.
“Acresce que o Estado Social, que tanta gente se apressa a defender acriticamente, em toda a sua extensão, tem em si um problema: não é sustentável a prazo. Ouçam os economistas, todos eles, de Silva Lopes a Ernâni Lopes: sem cortes nas prestações sociais o país não aguenta.”
Tem razão, V. Ex.ª. Esclareça-me apenas uma coisa, meu caro Henrique Monteiro. Esse tal de Silva Lopes, é o mesmo economista que concedeu uma entrevista ao Suplemento de Economia do Expresso no dia 10 de Julho de 2010, que afirmou:
- Era preciso que olhássemos mais para o apoio aos desempregados, nomeadamente para os de longa duração. Há muita gente que se queixa de estar a fazer sacrifícios. Claro que estão. Mas quem está a fazer sacrifícios insuportáveis são os desempregados. E os desempregados de longa duração nem quero pensar. Nós, portugueses, se temos algum sentido de solidariedade social não devíamos dormir descansados enquanto tivermos este problema do desemprego de longa duração a aumentar.
Mais uma vez prudentemente, Dr. Henrique Monteiro, nós arriscaríamos dizer que leríamos nas palavras do citado economista “era preciso que olhássemos mais para o apoio aos desempregados” um apelo às prestações sociais. Prudentemente, sublinhamos mais uma vez.
Quando questionado o mesmo indivíduo sobre o maior potencial que o país não está a aproveitar, o suposto economista respondeu desta forma:
- É a população. O sistema de educação em Portugal é uma desgraça completa. É uma das maiores ameaças que temos ao futuro português.
Não observamos, Dr. Henrique Monteiro, referências à insustentabilidade do Estado Social. Observamos sim referências a uma gestão ineficiente do Estado Social. Se sua excelência acha, porém, que a solução do problema não passa por promover a competência do Estado na gestão do dinheiro público, mas sim por pôr término ao Estado Social, então não cite economistas que partilham da sua opinião, mas crie a sua própria opinião e fundamente-a com base em argumentos seus.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

"Regressões" p'ra frente!


O mastro gigante de Paredes (que foi falado aqui) não vai chegar a exisitir! Muito nos contenta este facto. Regista-se no entanto que tal se deve à ausência de empresas interessadas em executar tal projecto e não a um novo juízo do município ou da comissão para o centenário da(s) (três) república(s).
Mas ao menos não vai andar por ai um mamarracho daqueles.

Sim, sabemos que o cartaz se refere à Constituição de 1933, mas é tão giro...




O segundo ponto deste post serve para dar ao leitor uma outra prespectiva da análise da revisão consitucional que está a ser pensada no PSD.
Antes de mais deixamos aqui um link que permitirá ao leitor, se o quiser, conhecer a proposta. É leitura jurídica e como tal pouco agradável. Mas ali fica à sua consideração.
Posto isto mas o que tem causado tal polémica?


Ora vamos lá, ver as alterações, en passant:


Antes de mais temos o preâmbulo. Ora isso nem vale a pena analisar porque não tem força jurídica. Estar e não estar vai dar ao mesmo! (Por nós pode não estar)
Até ao artigo 31.º as alterações propostas servem para melhorar o texto constitucional em nada alterando o seu sentido… Também não será isto a levantar problemas. As alterações aos artigos 31.º, 32.º, 34.º e 35.º só merecem aplausos pois contém princípios garantísticos que a todos aproveitam.
Chegados ao artigo 36.º somos deparados com um primeiro quid. Fala-se de um eventual sector público da comunicação social – isto representa mais liberdade porque permite ao legislador ordinário decidir se existe ou não, consoante as circunstâncias. Não será com certeza isto que incomodará.
Das razões atendíveis no artigo 53.º nada temos a dizer porque nada importam, conforme já foi dito. Já do artigo 56.º será retirada as referências aos planos, esse fóssil dos tempos do PREC e a que já não corresponde a realidade. As restantes alterações no âmbito do direito do trabalho simplesmente mostram uma opção pela iniciativa privada.
Quanto ao ensino e a saúde públicos não se quer acabar com eles ao contrário do que é falsamente dito por muitos comentadores. Se o leitor vir apenas se elimina a tendencial gratuidade dos mesmos. Ora isto mais não é do que se passa actualmente: desde as taxas moderadoras às propinas, a realidade é a que se tem e não o que está escrito num texto caduco.
Depois há uma série de artigos que desaparecem – trata-se do 82.º, 87.º, 88.º, 89.º, 90.º, 91.º, 93.º, 94.º, 95.º, 96.º, 97.º, 98.º, 99.º, 100.º e 101.º. Ora se o amigo leitor pegar numa constituição verificará que todos aqueles se reportam aos Planos e ao Sistema Financiero bem como às reformas agrárias e industriais previstas por alguma esquerda nos tempos do PREC. Leia aquelas normas por gentileza. Estão ultrapassadas, caducas, mortas! Carne morta causa gangrena e há que amputar!
Depois o que há digno de nota é o estender do mandato presidencial para seis anos (não temos posição quanto a isto) e a obrigatoriedade de o presidente ouvir o Conselho de Estado quando quiser demitir o governo (nada de mais). A possibilidade de demissão do PM ou da AR não nos parece descabida – mas também não será isto que fará ruir o nosso Estado. Até nem o consideramos como uma questão essencial.
Mas não somos a favor de tudo – a alteração proposta no artigo 272.º merece a nossa censura: consagrar constitucionalmente a possibilidade de seguranças privados revistarem cidadãos parece claramente excessivo e poderá limitar o legislador ordinário desnecessariamente. Não há razão para isso ficar na Lei Fundamental.
Outra crítica apontamos aos limites materiais de revisão – se faz sentido suprimir a protecção conferida aos planos económicos e à organização dos meios de produção, mais sentido faria suprimir a obrigatoriedade da forma republicana de governo.
Lamento ainda que não se tenha eliminado ou reformulado o artigo 1.º, o 6.º, o 46.º n.º 4, e o 57.º
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Conclui-se pois que se quer expurgar a carga marxista da nossa constituição. Mas isso é mau? Porquê? Acaso temos um Estado com aquela inspiração? Não, não temos. E mesmo que tivéssemos não era justo a uma geração condicionar a seguinte dessa forma, como a geração de abril nos condicionou a nós. O que temos até aqui é uma Constuição que surgiu logo a seguir a uma mudança de regime. Ora essa Constituição formal já não está de acordo com a material, isto é, com a consciência jurídica da comunidade. Esta alteração permitirá aproximar a Constituição dos portugueses…

E as garantias dos trabalhadores vivem na legislação ordinária... Não em constituições!

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Da nossa parte leva um Nihil Obstat, Imprimitur. – mas ao imprimirem não ponham o 288.º b), ok? Agradecido.

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Nota: se o PS inviabilizar uma revisão recusando-se a discutir terá de acarretar com as culpas quando o Estado Social falir… Voltaremos a este pensamento num post futuro.

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By the way, fica aqui o link para a Constituição actual para ir vendo de que artigos se fala.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Regressão Constitucional

Estimado leitor,
Eles saíram do armário!...Aí está o verdadeiro PSD – o PSD mais ultraliberal de todos os tempos. A sua missão? Só uma – destruir o Estado Social. Fim do ensino público, fim do Sistema Nacional de Saúde e maior liberalização nos despedimentos. O PSD pretende a erradicação total do conteúdo socialista da Constituição. Esse conteúdo não é compatível com aquilo que ditam os livros de Hayek e de Friedman. Impulsionados pela ascensão de David Cameron ao poder no Reino Unido, o PSD julga capaz de realizar semelhante percurso a curto prazo. O segredo? Alargar a esfera de poder do Presidente da República, conferindo-lhe a possibilidade de demitir o Governo, mesmo quando não esteja em causa o regular funcionamento das instituições, esperar que Cavaco seja reeleito e então das duas uma – ou Cavaco demita brevemente o Governo fazendo uso das suas novas faculdades à primeira oportunidade lógica que tenha ou o próprio PSD assumindo a iniciativa, quebrando a iniciativa governamental, força uma crise política e eleições antecipadas.

Sobre o conteúdo das propostas atentatórias ao Estado Social não nos iremos alongar. Apenas sobre a liberalização proposta nos despedimentos, uma vez que já tivemos ocasião de manifestar o nosso apoio a uma maior liberalização do Código do Trabalho, iremos proferir algumas palavras., sublinhando a nossa discórdia quanto à proposta do PSD.

O Professor Calvão da Silva, um dos responsáveis pela redacção das propostas constitucionais do PSD, para justificar a alteração do artigo 53.º da Constituição – a substituição da expressão “justa causa” por “razão atendível” – fala num melhor ajustamento semântico, esclarecendo que, na sua modesta opinião, as duas expressões têm um significado equivalente. Ora, se as expressões têm significado equivalente queria V. Ex.ª explicar porque as altera. Por semântica, V. Ex.ª? Se as duas expressões têm equivalente significado interpretativo não há necessidade de alterá-las. A isso se chama, V. Ex.ª, agenda oculta ou incoerência.
Apesar de defendermos uma maior liberalização do mercado de trabalho de forma a torná-lo mais atractivo face à realidade económica de deslocalização de produções em direcção a países com baixo custo laboral, não cremos que esta seja a melhor medida de inverter a situação. Importa estabelecer alguma flexibilidade no mercado de trabalho, não a inexistência de regras e a selvajaria.


As propostas de Passos Coelho relativamente ao seu esquema constitucional de divisão de poderes foram criticadas pelos constitucionalistas Vital Moreira, Isabel Moreira e Tiago Duarte em declarações ao “Público”, apontando contradições nas propostas.
Ainda ao jornal “Público, no sábado, Passos Coelho concedeu uma entrevista onde apontava algumas das suas ideias. Sobre a possibilidade do Presidente da República demitir o Governo, eis o que Passos defende:

“Actualmente o Presidente da República pode dissolver o Parlamento ouvindo apenas o Conselho de Estado. É um poder arbitrário que tem, com o qual nós concordamos. Não se deve mexer nele. Mas o Presidente não tem o poder de demitir o Governo, a não ser que esteja em causa o regular funcionamento das instituições. Há aqui qualquer coisa que não está equilibrada depois destas revisões todas. O Presidente tem um poder absolutamente arbitrário para dissolver o Parlamento, mas não tem o poder de demitir o Governo. O que significa que, algumas vezes, pode acontecer que o Presidente, não tendo o poder de demitir o Governo, recorra à dissolução do Parlamento para obter o mesmo efeito. Isso não devia ser necessário, o Presidente devia ter também o poder de demitir o Governo. O Governo devia depender da confiança do Parlamento e do Presidente da República”.

À Assembleia da República compete a função de fiscalizar a acção governativa; ao Presidente da República compete atentar ao regular funcionamento das instituições democráticas, incluindo o Governo e a Assembleia da República, havendo a possibilidade de dissolução ou demissão, caso aquele não esteja assegurado. Eliminar a justificação para estes actos é tornar o sistema arbitrário. Se por algum motivo estiver em causa a acção do Governo em causa, a Assembleia da República tem o poder de apresentar uma moção de censura ao Governo, não se vislumbrando aqui qualquer tipo de omissão ou desequilíbrio operado pelas revisões constitucionais.
Passos Coelho introduz mudanças estruturais no sistema. O Governo passa a ser duplamente responsável – perante o Parlamento e perante o Presidente da República. Existe já a possibilidade do Governo cair no nosso sistema constitucional, caso a Assembleia da República faça uso, ao abrigo do art. 163.º, al. e) da CRP, do instrumento da moção de censura. Este instrumento reforça o papel de fiscalização da Assembleia da República sobre o Governo, como a instituição “representativa de todos os cidadãos portugueses”, de acordo com o art. 147.º da CRP. Imiscuir o Presidente da República, que deve ser um elemento suprapartidário no nosso sistema, ao qual compete o poder moderador, e introduzi-lo directamente na arena do combate político-partidário é modificar toda a balança de pesos do sistema constitucional. Há uma clara deslocação e bipartição da esfera de controlo da acção governativa entre a Assembleia da República e o Presidente da República, quando deveria ser apenas aquela a fiscalizara a acção governativa. Quererá Passos Coelho que o Presidente da República tenha a possibilidade de demitir o Governo quando não esteja em causa o regular funcionamento das instituições? Que razão terá o Presidente da República para fazer tal? A nosso ver, apenas o interesse partidário, introduzindo assim uma lógica de instabilidade no sistema que apenas o prejudica. O sistema constitucional português não necessita que lhe introduzam variantes adicionais no sistema – precisa sim de introduzir variáveis que assegurem uma maior estabilidade, sobretudo em cenários de maioria relativa que são muito comuns nas eleições portuguesas.

A possibilidade de introdução da moção de censura construtiva não é nova – ela está já prevista na Constituição de Bona da Alemanha de 1949. Passos Coelho introduz, porém, especificidades na sua moção de censura: os partidos que apresentarem a moção de censura e derrubarem o Governo têm a possibilidade de se furtarem a eleições e apresentarem um Governo alternativo, o qual o Presidente da República tem que, obrigatoriamente, empossar. Ora, nós manifestamos as nossas reservas quanto à possibilidade de haver um Governo que não seja legitimado pelo voto dos cidadãos que compõem o Estado.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Defensor ao Ataque


O leitor que siga este Opinador já saberá com certeza que para estes lados a república faz pouco ou nenhum sentido. Mas o que não se esperava era ver tal premissa tão evidentemente provada em ano de centenário.




O senhor da fotografia com o número 2 e o fato de treino catita chama-se Defensor Moura e foi para além de deputado, presidente da câmara municipal de Viana do Castelo pelo PS. Esse mesmo senhor decidiu há bem pouco tempo avançar com a sua candidatura a presidente, conforme o veiculado pela imprensa. Diríamos nós que o senhor decidiu correr para Belém.
E porquê? Porquê, se aquele senhor é de esquerda e já existem duas ou três candidaturas na esquerda (Alegre, Nobre e talvez Jerónimo?)? Sendo que uma delas é apoiada pelo seu partido… Apoiada mais ou menos, vá.


A menos que seja uma corrida de estafetas em que se vão revezando parece que com tantos candidatos a esquerda ficará atolada na sua própria diversidade.
O raciocínio seguido pelo candidato aparentemente é este, que se apresenta em forma de silogismo:

1. A esquerda quer eleger um candidato de esquerda;
2. Para o eleger e preciso que tenha mais votos que o candidato de direita;
3. Logo apresentam-se vários candidatos na esquerda para dividirem os votos entre si e não conquistarem nenhuns à direita.


Percebeu? Nem nós… E quem souber que use a caixa de comentários para nos indicar a luz… Pois então o Sr. Dr. Defensor Moura quer derrotar o Prof. Cavaco roubando votos ao eleitorado do Dr. Alegre e do Dr. Nobre…
Ah, mas garante o candidato que com o seu contributo vai haver segunda volta? Como? Também ficamos sem o perceber… Julgará ele que reduzirá a abstenção fazendo votar todo esse povo em si, ou estará convicto que vai captar votantes à direita, sendo ele de esquerda?
Mais uma vez se compreende um dos principais problemas da esquerda tradicional portuguesa: nunca se consegue unir para derrotar o “monstro” da direita. E não o consegue fazer porque o inimigo natural da esquerda é a própria esquerda: quer dizer cada corrente julga-se ortodoxa e as outras hereges – veja-se o caso do marxismo-leninismo e do trotskismo ou do socialismo democrático.


Ao Sr. Dr. Defensor Moura deixamos uma questão: porque acha que tem perfil para presidente? Não é papel do chefe de Estado unir os portugueses? Se sim, porquê separá-los nas eleições? (este argumento, interpretado mais extensivamente também pode ser aplicado à forma electiva da designação do Chefe de Estado… Mas propaganda monárquica ficará para outras núpcias se não o Dr. Carlos aborrece-se).


Antes de terminar – lembra-se o leitor das discussões sobre as fatias douradas e a apologia que alguns – até neste blog – lhe fizeram? Sim? Então leia istoBring it on!

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Festival dos Pequeninos

Por estes dias muito se fala dos Festivais de Verão, evento capaz de mover multidões sedentas de diversão e música de todos os cantos do país. Reúnem-se em grupos e seguem em marcha, quase sempre lenta, cambaleando e tropeçando uns nos outros, num rito capaz de fazer inveja a muitos pinguins imperadores na época alta da sua marcha pelo árctico, percorrendo metros e metros de filas intermináveis. Acotovelam-se e empurram-se na procura incessante de alimento e álcool disputando recursos aparentemente infindáveis. E no meio desta amálgama de seres-humanos onde tudo vale para conseguir o melhor lugar no seio da multidão quem se lixa, como sempre, aliás, é o pequeno e, desta vez entendido no sentido literal da palavra.
Para quem, como eu, não alcança a meta do metro e setenta de altura, decerto compreenderá o que se sofre nesta espécie de concentrações em que se pretende que a atenção esteja focada num ponto relativamente acima do nível do chão. E ali estamos nós, votados ao esquecimento quando toda a gente rejubila com aquilo que apenas ouvimos e nos vamos apercebendo à medida que pequenas e breves brechas nos abrem caminho visual para os ecrãs mais ou menos gigantes que os senhores da organização destes festins já fazem a gentileza de instalar dos lados dos palcos.
E haverá coisa mais insuportável quando, ao nosso redor, todos aqueles matulões que, não sendo muito altos já nos fazem espécie, começam a rir e a comentar:
- Ahahah!! Altamente!!....o gajo é mesmo doido!
E nós, pequenos, mas ainda assim relevantes seres começamos aos pulinhos e a empinar-mo-nos na ponta dos pés soltando inaudíveis:
- O quê? O que é que ele fez??
E ninguém nos ouve...
A par disto e, se apreciarmos música mais propícia a esse rito tribal que actualmente é conhecido por mosh, passamos outro mau bocado que é o inevitável e abalável encontrão de força bruta que indivíduos a pulsar de emoção e testosterona decidem pregar em quem está à sua volta indiscriminadamente. Com isto somos projectados sem pedir a ninguém contra um outro alguém que, muito provavelmente, nem estava interessado em alinhar na respectiva dança.
No fim de tudo isto, moídos de tanto contacto físico, com dores nas costas de passar horas em pé e em constante sobressalto à procura do melhor ângulo para vislumbrar qualquer coisinha lá à frente no palco e nos protegermos do mosh, regressamos ao ritual de saída, sofrendo um pouco mais de encontrões e safanões na ânsia de chegar ao fim da linha para sair do recinto.
E isto, senhoras e senhores, é o Festival dos Pequeninos.

domingo, 18 de julho de 2010

João Pedro Melo Ferreira

Há certas coisas que não podem cair no esquecimento. Uma delas é este nome.


Trata-se do advogado que, a 28 de Setembro de 2009, faleceu, após ter sido alvejado na cabeça pelo ex-cônjuge de uma sua cliente. Todavia, este nome não era só de um advogado. Este era o nome de um pai, de um marido, de um amigo, de um colega que partiu sem motivo e absurdamente.

No passado dia 5 de Julho, no Juízo de Instância Criminal de Estarreja - Comarca do Baixo Vouga, decorreu a última sessão de julgamento de Manuel Pimenta, presumível homicida de Melo Ferreira. E é sobretudo acerca dos surpreendentes argumentos alegados pela defesa que nos propomos debruçar hoje. Mas antes, recordemos sumariamente os factos.

A 28 de Setembro de 2009, segunda-feira, pouco antes do meio-dia, Manuel Pimenta dirigiu-se ao escritório de Melo Ferreira, sito em Estarreja, para entregar uns documentos referentes à sua ex-mulher. O casal encontrava-se num processo judicial de partilha do património comum, subsequente ao divórcio, estimando-se que Pimenta deveria cerca de € 100.000, a título de tornas, à ex-mulher. Foi este facto que Melo Ferreira lhe terá relembrado naquela trágica manhã de segunda-feira, circunstância essa que desencadeou uma troca de palavras mais acesa entre os dois e que culminou no falecimento do advogado.

Nenhum motivo é fundamento para atentar contra a vida do ser humano, portanto, não podemos deixar incólume o agente que o faça nem deixar de apelidar tal acto como uma horrenda barbaridade.

Mas vejamos, então, qual a defesa sustentada por Pimenta. Este alega, vejam só, nada mais, nada menos que legítima defesa. Embora admitindo que poderá ter havido um excesso de legítima defesa e, por isso, requerer a justeza da aplicação de uma pena reduzida, o que é facto é que Manuel Pimenta desconstrói a tese de homicídio qualificado (art. 132º do Código Penal, n.º 1 - Se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, o agente é punido com pena de prisão de 12 a 25 anos; 2 - É susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, a circunstância do agente: l) Praticar o facto contra advogado, no exercício das suas funções ou por causa delas), sustentada pela acusação e pelo Ministério Público. E fá-lo, incredulamente, somente na última sessão de julgamento.

O alegado homicida relatou que o advogado lhe pedira € 100.000 para terminar o processo com a sua ex-mulher e que, perante a recusa sistemática deste em entregar a quantia, Melo Ferreira, ter-se-á exaltado, indo à sua pasta e retirando um objecto que Pimenta identificara como se tratando de uma arma. Mas a história, contada pela primeira pessoa do arguido, não fica aqui. Este ainda chega a referir que foi no decurso do confronto físico entre os dois que foram disparados dois tiros: um para a janela e outro que terá atingido o advogado acidentalmente (?). E ainda garante ter fugido e levado a arma consigo, com medo que alguém lhe desse um tiro, pasme-se. Confrontado pelo tribunal colectivo com as declarações prestadas perante o Juiz de Instrução Criminal, que lhe decretou prisão preventiva, Pimenta asseverou que só assumira a culpa do homicídio por medo de ser agredido pelos agentes da Polícia Judiciária, como já acontecera por diversas vezes noutras situações conhecidas do grande público.

Por mais que a defesa tente narrar uma história que seja passível de redundar numa condenação em pena de prisão, no mínimo legal abstractamente aplicável, o bonus pater familias (homem médio, racional, consciencioso) logo verifica que muitas lacunas se erguem perante tamanha (des)construção dos factos. E muitas questões são deixadas sem resposta: se Melo Ferreira era descrito, entre os seus colegas de profissão e pelos familiares mais próximos, como sendo uma pessoa muito pacífica, de grande rectidão e pacatez e com padrões de comportamento da mais elevada das éticas, como é que, por causa de € 100.000 devidos a uma sua cliente, teria sofrido uma súbita alteração dos seus traços de personalidade mais vincados? Como é susceptível de ser provado o relatado por Pimenta na sua defesa se só ele e o advogado se encontravam no escritório do segundo? Como é que alguém que alega mentir por ter medo dos males eventualmente causados pelos agentes da PJ, não demonstra o mesmo receio ao atirar desalmadamente contra um ser humano, pai de dois jovens, pessoa respeitada e acarinhada por todos que com ele privavam? Como?

Sendo eu uma jovem no mundo da advocacia e tendo vivido um pouco de perto, dadas as minhas circunstâncias pessoais e profissionais, toda esta história, posso dizer-vos que ainda hoje se sente a tristeza entre os colegas, bem como o medo face à crescente insegurança sentida no mundo jurídico. O advogado não tem direito a protecção policial nem, e falando na grande maioria dos casos, recursos financeiros para poder ter um segurança pessoal, encontrando-se somente protegido de Pimentas pela porta do seu escritório. E é no actual clima de insegurança e de receio que muitas vozes se levantam, questionando onde é que reside o outrora devido respeito por tão digna profissão. Quando é que as pessoas vão finalmente entender que o advogado é apenas o representante dos legítimos interesses do cliente e que não é (ou, pelo menos, não deve ser) movido por circunstâncias pessoais na defesa do seu cliente? Quando é que o advogado vai poder voltar a sentir-se minimamente seguro no seu local de trabalho?

Quando, em sede de alegações finais, o advogado pede justiça, nem sempre se lembra que a justiça, a temporal, tem os olhos vendados e que isso se reflecte, por vezes, em muitas das sentenças e acórdãos proferidos pelos nossos tribunais. Mas nunca nos esqueçamos que a divina, pelo contrário, essa tem sempre os olhos bem abertos. Sempre.

O Ministério Público pediu uma pena de prisão de 18 anos para Manuel Pimenta. A leitura da sentença está agendada para a próxima sexta-feira, dia 23 de Julho, pelas 14h.

Na sala da Concelhia da Ordem dos Advogados de Estarreja,foi colocada uma placa em homenagem a Melo Ferreira com a seguinte inscrição: Ao advogado justo e forte, não o abalam as paixões dos malevolentes nem o rosto do minaz tirano, nem o aterram as insídias dos violentos (da obra O Perfeito Advogado, de Jerónimo da Silva Araújo). Que assim seja. Mas o vazio, esse, permanece.

sábado, 17 de julho de 2010

Governo de direito vs. Governo de facto

Uma distinção – governo de direito e governo de facto. O governo de direito pertence ao PS; o governo de facto pertence ao PSD. O Partido Socialista é encarregado da gestão corrente do País; mas o PSD gere os dossiês que marcam a governação. É verdade que o Partido Socialista é o partido de governo, mas necessita do PSD para exercer a acção governativa fruto do quadro parlamentar de maioria relativa em que se encontra. Em função deste mesmo quadro tem sido o PSD a marcar a agenda e os timings de decisão – aconteceu isso nas negociações para o Orçamento de 2010 (que também envolveram o CDS), nas negociações para o Programa de Estabilidade e Crescimento ou, mais recentemente, a propósito das SCUT. Com o apoio explícito ou tácito – abstenção – do PSD, a verdade é que o PSD tem concordado com as políticas do Governo ou manifestado o seu apoio a elas. O PSD é também responsável pelas medidas de austeridade e o Partido Socialista tem falhado nesta tarefa de co-responsabilização do PSD nas medidas mais austeras que são impostas, ao deixar essa tarefa aos partidos da oposição – CDS; BE e PCP.
Se o apoio do PSD se revela indispensável, o PS não tem sabido tirar o devido partido desta espécie de coligação de austeridade – necessária às finanças públicas do País, sublinhemos. O PSD, apesar de participar activamente nas negociações das medidas e impor, inclusive, condições para a sua aprovação, rapidamente se distancia delas, empurrando-as, subtilmente, para o governo de direito. Afinal de contas, é o Partido Socialista que está a governar e a responsabilização cai, em primeiro lugar, sobre o governo do PS. Na verdade, porém, tem sido o PSD a governar – nas matérias mais relevantes de governação, o PSD vai impondo as suas condições para a aprovação de medidas. Foi o caso do Programa de Estabilidade e Crescimento em que impuseram – e bem – a necessidade de maiores cortes na despesa para a sua aprovação. Mas nesse mesmo Pacto de Estabilidade e Crescimento, foram fixados aumentos de impostos com o consentimento do PSD. O aumento de impostos foi atribuído à responsabilidade do PS, enquanto que os indispensáveis cortes na despesa foram atribuídos à intervenção salvadora do PSD. Para agravar esta situação, o Primeiro-Ministro, quando chamado a comentar o corte nos salários dos políticos atribui essa mesma responsabilidade ao PSD, afirmando que tal medida tem um impacto de peanuts na contabilidade geral do Orçamento. Apesar de tal ser verdade, o Primeiro-Ministro negligencia o facto de o exemplo em relação a medidas austeras ter de vir da cúpula que governa o País de modo a atenuar o impacto social das medidas. Ora, ao responsabilizar o PSD por esta boa medida, adivinhe V. Ex.ª quem cairá nas boas graças do povo? Não será, com certeza, quem aumenta os impostos, apesar do PSD ter acordado no mesmo sentido.
O mesmo se tem passado com as SCUT. As SCUT tem sido um desastre para o Governo em termos de imagem porque demonstra, nitidamente, a ideia de desnorte e desorientação que varre o Governo. É a face mais visível da política em cima do joelho que, normalmente, nunca traz bons resultados O Ministro das Obras Públicas deveria ser proibido de falar sobre o tema até que estivesse pronto um plano detalhado, concreto, integrado, correlativo e com sentido sobre as SCUT, negociado com calma e paciência com o PSD. A manifesta pressa em colocar portagens sobre as SCUT tem sido fatal para o bom desenrolar do processo – a pressa é inimiga da perfeição o que faz com que, até agora, nunca se tenha chegado a um acordo concreto porque não existe tempo suficiente para negociações. E, mais uma vez, neste caso, o Governo deixa a acção governativa a cargo do PSD. A 9 de Julho, no Parlamento, o PSD impediu que a oposição revogasse o Decreto-Lei que estabelecia as portagens em três SCUT. E, agora, segundo as notícias mais recentes, deverá ser o PS a votar favoravelmente a uma proposta do PSD sobre o tema. Ainda há dúvidas sobre quem decide as matérias de governação do País?

António Costa avançou com o cenário do Governo carecer de uma reformulação. Na nossa opinião, o problema reside, principalmente, no facto do PS ainda não se ter habituado ao cenário de maioria relativa. O PSD que elegeu um novo Presidente depois das legislativas, rapidamente, acertou o passo no novo quadro parlamentar; o PS continua sem o fazer. Será isso devido à acção de alguns Ministros? Em particular um se destaque: o Ministro das Obras Públicas. António Mendonça tem sido a ovelha negra da governação – muitos dos desnortes do Governo têm tido origem nas suas mãos: a política de obras públicas ou as SCUT. Nem o negócio PT-Telefonica lhe parece conferir novo ânimo neste aspecto, pelo que a sua substituição se revela indispensável. Noticia hoje o “Público” que Dulce Pássaro, ministra do Ambiente, também estará na calha. Não achamos, contudo, necessária uma profunda reformulação do Governo. Mas o problema essencial não está na acção dos Ministros – continua a ser o desconforto do PS com o cenário de maioria relativa e uma certa incapacidade de o gerir da melhor forma. As eleições estão marcadas para o próximo ano – uma extensa reformulação ministerial provocaria perdas de tempo inevitáveis pelo tempo necessário ao conhecimento pormenorizado dos dossiês: tempo esse que o Governo não dispõe.

Ao PS pede-se sobretudo que saiba gerir melhor o quadro parlamentar em que se encontra há já quase um ano e que se adapte melhor ao novo PSD.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Abuso Sexual de Animais no Fetichismo

Basta olharmos à nossa volta para percebermos que os humanos são os terráqueos mais destrutivos da Terra, considerando que tudo o que existe na Terra é para ser utilizado por si e como lhe apetecer. Isto vê-se na poluição ambiental mundial, nas touradas, na indústria das peles/carnes/lacticínios, etc. A exploração dos animais enquanto objectos sexuais é apenas mais uma das muitas manifestações de abuso do homem sobre o planeta (e nem sequer se penaliza, embora seja equiparável à pedofilia, por exemplo).

Como exemplos deste tipo de abusos, existem filmes pornográficos onde os animais (ex: cavalos) têm sexo explícito com humanos e os “crush vídeos”. Eu não consigo visualizar estas crueldades para descrevê-las mas, de acordo com um dos sites que visa parar este tipo de abuso - http://stopcrush.org/ - “Crush videos, among other “fetish videos,” feature small live animals, such as kittens, puppies, mice and bunnies, being slowly tortured in the most horrific ways imaginable; including being burnt alive, cut with pruning sheers, nailed to the floor, skinned alive, beaten, stabbed, and having their limbs broken. All of these videos share a common theme: the animals are incrementally crushed by a woman in high heels. Most people view these materials for “sexual gratification.”

No entanto, o abuso não ocorre só no mundo da pornografia. No mundo real e “doméstico” também acontece (há inclusive mulheres que já foram parar às urgências por não conseguirem retirar o seu cão de dentro de si). E, no caso dos animais domésticos, não nos podemos esquecer de que o animal não tem os mesmos recursos que um humano para deixar a casa onde vive. Os animais domésticos estão resgistados como estando na posse de um dono, não têm capacidade para ligar a linhas de apoio para animais abusados e não conseguem contar aos outros que estão a ser abusados. Mesmo que o animal abusado conseguisse fugir o mais provável é que retornasse ao dono (pois tem um chip de localização). Estabelecendo analogias podemos considerar os casos em que os patrões têm sexo com os trabalhadores mais frágeis financeiramente, os terapeutas (ex: psiquiatra, psicólogo, médico) têm sexo com os pacientes mais vulneráveis ou mentalmente incapazes, pedófilos que violam crianças, etc. Em todas estas situações há um desequilíbrio de poder onde, por vezes, a pessoa num nível considerado hierarquicamente superior utiliza o seu poder de forma abusiva e persuasiva sobre os que se encontram em situação de maior fragilidade.

Os animais, ainda que sejam muito superiores aos humanos em diversas capacidades (ex: olfacto, audição e, por vezes, afectividade), não são capazes de dar um consentimento informado e de estar numa relação amorosa/sexual com um humano; do mesmo modo que as crianças que são exploradas por pedófilos também não são capazes de o consentir informadamente, pois as suas capacidades para raciocinar sobre questões éticas ainda não foram alcançadas, ainda se encontram em desenvolvimento.

Os seres humanos têm a capacidade de pensar profundamente sobre as suas acções. E, se utilizarem essa capacidade tipicamente humana, facilmente se percebe que o facto de um animal ter sexo com outro da sua espécie não pode ser colocado ao mesmo nível que um humano a ter sexo com um animal. Isto porque, quando um animal estabelece relações sexuais com outro animal da sua espécie, o mais provável é que consiga perceber os seus sinais, sendo menos comum a ocorrência de uma situação onde há uma vantagem injusta baseada no poder. O facto é que não existem evidências de que um animal possa dizer não eficientemente e ser compreendido (tal como acontece com muitas crianças, alvo de predadores sexuais), o que constitui mais um motivo para não estabelecer relações com animais: quando falamos de seres em posição de maior fragilidade (sejam crianças, animais, empregados, deficientes, etc), o mais acertado é prevenir; na existência de incertezas relativas às consequências físicas e emocionais do mais frágil, a única opção válida é não ter relações sexuais com ele, prevenindo toda e qualquer possível mágoa (física e/ou psicológica) ao outro ser. Um consentimento desinformado, resultante de um processo de manipulação, persuasão e subjugação pelo poder e abuso da confiança pré-estabelecida não é, e nunca será, um consentimento justo (na minha opinião, o facto de um consentimento ser dado no seio de uma situação frágil e injusta nem sequer pode ser considerado consentimento).

Alguns actores e produtores de pornografia com animais dizem que os animais consentem e retiram prazer destes actos. Na minha opinião, isto é completamente ridículo, porque apenas porque uma criança ou animal violado tem um orgasmo não é razão para dizer que é do seu interesse ter relações. Não interessa se a criança diz que sim ou se o cavalo ejacula, o que interessa é que não têm capacidade para fazê-lo de forma devidamente informada. Além disso, correr o risco de magoar outro ser senciente sem se basear em evidências, mas apenas nas suas crenças irreais é extremamente irresponsável e imaturo; pois todas as decisões devem ser feitas de forma informada (e nunca manipulando, através do abuso de poder e abuso de confiança).

O que é verdadeiramente importante, no fundo, é que ninguém deveria levar a cabo uma acção sem considerar o sofrimento que isso poderá ter para outra criatura.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Um Conto Político



Nota: esta história baseia-se em factos verídicos. Quais? Pois, estes.

Era uma vez um jantar, numa casa a linha do Estoril, para o qual foram convidados dois senhores, importantes na sua terra que andavam desavindos.
Sentaram-se à mesa e enquanto era servido o couvert o senhor José – o mais importante dos dois – tomou a iniciativa e abordou o senhor Paulo – que apesar de menos importante andava naquela vida havia mais anos – nos seguintes termos, tentando esquecer velhas feridas:

“Oh Senhor Paulo, o meu negócio precisava de alguém como V. Exa. É que é bem-falante e até tem algum peso junto dos accionistas... Olhe lá que se quiser vir trabalhar até lhe arranjo um cargo jeitoso… Manda-se o Luís embora que ele já lá nem quer estar… Era o melhor para a empresa. Ficava estável.”

Em face de tão inaudito convite, o senhor Paulo até se ia entalando com as tostinhas… Esforçou um sorriso, coçou a cabeça e respondeu, segundo sabemos, desta forma:

“Oh Senhor José… Quanto me honraria! Gostaria imenso de trabalhar com V. Exa.… Mas devo admitir que não vejo com bons olhos entrar nos seus quadros… É que os accionistas que eu represento não iam nessa… Que me diz antes a umas colaborações pontuais? Passo-lhe uns recibos verdes e ninguém tem que saber.”

Ora o senhor José que não gosta de nada que venha de fora da sua empresa julgou aquela atitude bastante impertinente e não respondeu… Instalou-se então o silêncio que só foi desfeito pelo anfitrião quando já estavam a ser servidos os panados e o arroz de feijão.

"Meus amigos… Vamos lá a pensar na empresa que está pelas ruas da amargura. Este ano até pode nem haver dinheiro para os subsídios de Natal. Ó Senhor José era assim tão importante que o Senhor Paulo assinasse contrato? Não dá a recibos verdes? Ó Senhor Paulo, não pode fazer uma forcinha nisso… Olhe que ali o Senhor José ainda lhe arranja uns subsídios para as/os (H)hortas…”

Meio irritado mas já disposto a ceder o Senhor José volta a investir:

Pronto, pronto… Assina só contrato depois da aprovação do relatório de contas, pode ser? Assim não aborrece os seus accionistas. Mas olhe que sem contrato é que não… É que sem contrato não seguro a gerência.

O Senhor Paulo volta a coçar a cabeça e pede uns momentos para pensar enquanto se serve de outro panado… Entretanto, sem ninguém notar ia mandando umas mensagens por debaixo da mesa a uma outra empresa que andava a escolher o CEO. Tendo recebido informações dos seus contactos que diziam que “a Manela fritou os dois. Aposta é no Pedro” o Senhor Paulo hesitou… Hesitou e continuou a hesitar até chegar a altura do pudim.
Foi com o pudim e com o café que o Senhor Paulo teve uma epifania (talvez nas borras deste último; não o sabemos ao certo)… A concorrência ia decerto eleger o Pedro como CEO para lançar uma OPA à empresa do Senhor José que coitadinha tão mal andava. E se o vizualizou melhor o pensou:
Apostando no vencedor, posso não ser já da direcção… Mas pelo menos fico cá no mundo dos negócios mais tempo e quem sabe se o Pedro não me convida?

E foi com esta astúcia de velha raposa que o Senhor Paulo disse ao Senhor José que lamentava mas não ia dar… Tinha outros planos e não queria ir para aquela direcção...

"Olhe vou mandar os accionistas para outro lado… Não é nada pessoal mas o seu rating é muito baixo. Para arriscar prefiro os mercados emergentes!"

Ouvindo isto o Senhor José nem acabou o pudim e saiu porta fora. Já o Senhor Paulo aproximou-se mais do Senhor Pedro e parece que agora até já pensam numa joint venture!
O Senhor José é que já está a ver que os accionistas lhe vão tirar a gerência… Vai para o desemprego.
E agora, para estes dias de calor e praia deixamos um conselho ao Senhor José… Se for a banhos não se esqueça dos óculos de sol. Porquê? Ora porque pode encontrar o Paulo e o Pedro à beira mar, a falar da sua futura ex-empresa e assim não o vêem a chorar. Deixamos aqui o conselho cantado:


quarta-feira, 14 de julho de 2010

Dívida e Crescimento

A agência de notação Moody’s reviu em baixa o rating de Portugal de Aa2 para A1. Os motivos invocados são a elevada dívida pública aliada a um fraco potencial de crescimento da economia.

A dívida pública portuguesa continua em crescimento. Em 2009, fixou-se em 77% do PIB; em 2010 estima-se que aumentará para 85% do PIB. Apenas será atenuada com o ciclo de privatizações que o Governo espera realizar quando a conjuntura económica o permitir. Ora, este ciclo de privatizações – que incluirá empresas como a REN, os CTT, a EDP ou a Galp -, apesar de útil no curto prazo para fazer face ao aperto financeiro, revela-se desastroso no médio/longo prazo, pois o Estado concede a privados autênticos monopólios nacionais, para além de se tratarem sectores estratégicos da economia, que no caso dos CTT correm o risco de que os privados se abstenham de desenvolver uma actividade onde a lógica de mercado não se justifique – pensamos sobretudo no Interior do País. Na Alemanha, a privatização dos correios revelou-se desastrosa. O Governo, para fazer face à elevada dívida pública, à dificuldade de financiamento nos mercados internacionais, procura incentivar a poupança dos portugueses – algo que, nitidamente, é uma das causas da actual situação económica. Para isso, lançam os títulos de dívida pública a 10 anos. Em seguida, aprovam uma alteração ao Código de IRS de forma a obrigar os bancos a comunicar os juros de depósitos à ordem ou a prazo, os rendimentos de títulos de dívida dos seus clientes ao Estado. Esta comunicação não tem por desígnio fins tributários, mas fins voyeuristas. Para um Estado que tinha algum pudor em relação ao sigilo bancário, passamos para um Estado devasso que procura esmiuçar cada cêntimo do contribuinte, procurando escarafunchar alguma réstia de receita. Após a alteração das regras dos Certificados de Aforro a meio do jogo que lesaram a poupança dos portugueses, este constitui mais um golpe no incentivo à poupança.


O fraco crescimento da economia foi confirmado no dia de ontem pelas mais recentes previsões do Banco de Portugal (BdP) em relação à economia portuguesa. Segundo o Jornal de Negócios, “o Banco de Portugal aponta para um crescimento do PIB de 0,9% este ano, mais do que os 0,4% projectados na primavera. Em contrapartida prevê um crescimento marginal de 0,2% em 2011, menos que os 0,8% que antecipava anteriormente”.
São as primeiras previsões que reflectem o segundo Programa de Estabilidade e Crescimento que fixou o agravamento de impostos, ao nível do IRS, IRC e IVA. Neste sentido, as previsões em nada surpreendem, pois este segundo programa veio aniquilar o dinamismo que animara o primeiro trimestre do ano de 2010, com um crescimento de 1,1% do PIB, sobretudo devido à vivacidade do consumo privado e das exportações. Ora, o Governo ao colocar a ênfase na subida do IRS e do IRC prejudica, inevitavelmente, estas duas variáveis – o rendimento disponível para o consumo e a competitividade das empresas –, encontrando, portanto, reflexo no crescimento do PIB. Se a redução do défice é necessária e indispensável, a sua redução com o comprometimento do crescimento económico já não é desejável. A opção parece lógica – deve haver uma política de contenção do défice e da dívida pública aliada a uma política de estímulo ao crescimento económico: uma não deve anular a outra. Ambas as situações são insustentáveis: por um lado, o Estado não pode viver, eternamente, à custa de crédito e de dívida pública; por outro lado, o Estado não pode resistir na estagnação, sem crescimento económico. E, assim, voltamos ao tema gasto das reformas estruturais – tema velho, mas sempre actual. Mais uma vez, a Moody’s nas palavras do seu vice-presidente, realçou as dificuldades estruturais da economia portuguesa: “We remain concerned about the economy’s medium-term growth potential”. As reformas levadas a cabo na última legislatura ainda não encontraram reflexo no crescimento económico. A consolidação orçamental portuguesa ataca o problema pela da receita e pelo lado da despesa; mas a despesa ataca não é estrutural, é conjuntural. Obtém-se uma poupança nunca antes vista com o congelamento do salário dos funcionários públicos até 2013, mas ele não permanecerá sempre congelado. Nessa altura, os problemas portugueses regressam. O Estado continua sem se repensar e é necessário um debate sério em torno da presença do Estado na economia – na definição onde a sua presença se revela indispensável e, portanto, se deve manter, eliminando-se tudo o resto onde a sua presença se revelar acessória e melhor prosseguida pelas mãos dos privados. Nenhuma empresa prospera sem ter uma visão quanto ao seu futuro e sem saber as actividades centrais para o seu negócio e que por ela devem, então, ser desempenhadas.

A recente reunião do G-20 pareceu dar vitória à política de austeridade sobre a política de estímulos. Mas, como diz Paul Krugman, é necessário conjugar as duas políticas. A Alemanha, recentemente, ao adoptar uma política de cortes de 80 mil milhões de euros no seu orçamento, inviabiliza o esforço que está a ser feito nos países do Sul. Apesar da dívida pública alemã ser elevada (73% do PIB em 2009), o seu défice público é ridículo (3,3% do PIB em 2009). A adopção desta política brutal de austeridade de forma a servir de exemplo condena os esforços dos países com défices públicos mais elevados a um crescimento nulo nos próximos anos – e, por arrastamento, a Europa. As políticas de austeridade convêm a alguns países, mas não a outros. Esses países devem proceder aos necessários reajustamentos orçamentais, sem condenar a União Europeia a um período de longa e dolorosa estagnação económica. Para isso, é necessário encontrar a combinação certa entre política de austeridade em relação aos países divergentes das metas do Pacto de Estabilidade e Crescimento, enquanto que os restantes devem proceder a programas de redução da dívida pública, consonantes com políticas expansionistas. E este tem sido o problema da União Europeia que continua governada pelos interesses dos países com maior poder económico, que impõe políticas adaptadas ao seu interesse pessoal e não ao interesse da União.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Ai Jesus que não sei o que fazer!

Está a chegar o verão a este nosso hemisfério… E com a chegada do verão tendem também a chegar os momentos de ócio. E sabemos que o leitor tem muitos momentos de ócio porque está a ler este blog, pensado e feito para os membros menos produtivos da sociedade.
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Ora, atendendo a que este vosso amigo em Agosto não vai postar nada n’ Opinador, vamos ter a liberdade de fazer uma sugestão para preencher esses momentos de ócio, já que não queremos que os nossos leitores se metam nas drogas.
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Antes de cumprir tal desiderato uma pequena advertência – não é boa política falar de um livro antes de o ler… Pode sempre correr mal. No entanto, como no caso em concreto se trata de uma tetralogia, vamos arriscar já que só nos falta o último. E se este for tão bom como os anteriores decerto não haverá problema.

Falamos das Terras de Corza, uma obra de ficção épica (rótulo nosso), da autoria de Madalena Santos. Não optamos por designá-la como obra de fantasia pois, apesar de a história se desenrolar num local ficcionado, a realidade lá presente não difere desta da nossa dimensão. Não vemos dragões, nem feiticeiros, nem monstros e afins, apenas pessoas que interagem, lutando cada um pelos seus interesses e convicções.
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A obra é composta por 4 volumes (sendo que já existem 3 editados e o último sai este mês) todos interligados: retratam os mesmos espaços em épocas históricas diferentes; mas são independentes entre si já que as histórias e protagonistas diferem, o que permite uma leitura em qualquer ordem.

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A primeira das obras (por ordem de edição que é a que até ao momento aconselhamos) chama-se “ O Décimo Terceiro Poder” e passa-se num clima de idade média, repleto de pancadaria da velha – e com uma heroína de nome complicado. É um livro de bastante acção e de revoltas inesperadas que decerto prenderá o leitor, nesta que consideramos a melhor obra das três primeiras.

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A obra seguinte tem por título “A Coroa de Sangue” e já retrata um ambiente de absolutismo esclarecido. Tem personagens mais densas e uma história bem mais palaciana – e se ler esta obra depois da primeira apreciará certas linhas de continuidade. Mas se não for o caso, não se preocupe pois perceberá tudo na perfeição.

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A última obra publicada tem por título “As Tribos do Sul” e aborda um choque civilizacional no dealbar da industrialização. Este será o livro com menos batalhas dos três, onde predominam os conflitos interiores das personagens – entre as suas raízes, lealdades e convicções.

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Sairá este mês aquela que será a última obra desta tetralogia – que a nível cronológico é a primeira, já que se reporta à formação do território onde se passam as outras histórias. Tem por título ”Os Doze Reinos”, e estará nas livrarias no final deste mês. Como o leitor compreenderá ainda não pudemos ler este livro pelo que nada mais lhe podemos dizer.

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Ora aqui tem uma forma de ocupar o seu verão – sim porque se lê este blog, repetimos, é sinal que tem muito tempo livre… E como vamos de férias em Agosto, entretenha-se com esta obra de ficção nacional da autoria de uma jovem escritora e lembre-se: say no to drugs.