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quarta-feira, 14 de julho de 2010

Dívida e Crescimento

A agência de notação Moody’s reviu em baixa o rating de Portugal de Aa2 para A1. Os motivos invocados são a elevada dívida pública aliada a um fraco potencial de crescimento da economia.

A dívida pública portuguesa continua em crescimento. Em 2009, fixou-se em 77% do PIB; em 2010 estima-se que aumentará para 85% do PIB. Apenas será atenuada com o ciclo de privatizações que o Governo espera realizar quando a conjuntura económica o permitir. Ora, este ciclo de privatizações – que incluirá empresas como a REN, os CTT, a EDP ou a Galp -, apesar de útil no curto prazo para fazer face ao aperto financeiro, revela-se desastroso no médio/longo prazo, pois o Estado concede a privados autênticos monopólios nacionais, para além de se tratarem sectores estratégicos da economia, que no caso dos CTT correm o risco de que os privados se abstenham de desenvolver uma actividade onde a lógica de mercado não se justifique – pensamos sobretudo no Interior do País. Na Alemanha, a privatização dos correios revelou-se desastrosa. O Governo, para fazer face à elevada dívida pública, à dificuldade de financiamento nos mercados internacionais, procura incentivar a poupança dos portugueses – algo que, nitidamente, é uma das causas da actual situação económica. Para isso, lançam os títulos de dívida pública a 10 anos. Em seguida, aprovam uma alteração ao Código de IRS de forma a obrigar os bancos a comunicar os juros de depósitos à ordem ou a prazo, os rendimentos de títulos de dívida dos seus clientes ao Estado. Esta comunicação não tem por desígnio fins tributários, mas fins voyeuristas. Para um Estado que tinha algum pudor em relação ao sigilo bancário, passamos para um Estado devasso que procura esmiuçar cada cêntimo do contribuinte, procurando escarafunchar alguma réstia de receita. Após a alteração das regras dos Certificados de Aforro a meio do jogo que lesaram a poupança dos portugueses, este constitui mais um golpe no incentivo à poupança.


O fraco crescimento da economia foi confirmado no dia de ontem pelas mais recentes previsões do Banco de Portugal (BdP) em relação à economia portuguesa. Segundo o Jornal de Negócios, “o Banco de Portugal aponta para um crescimento do PIB de 0,9% este ano, mais do que os 0,4% projectados na primavera. Em contrapartida prevê um crescimento marginal de 0,2% em 2011, menos que os 0,8% que antecipava anteriormente”.
São as primeiras previsões que reflectem o segundo Programa de Estabilidade e Crescimento que fixou o agravamento de impostos, ao nível do IRS, IRC e IVA. Neste sentido, as previsões em nada surpreendem, pois este segundo programa veio aniquilar o dinamismo que animara o primeiro trimestre do ano de 2010, com um crescimento de 1,1% do PIB, sobretudo devido à vivacidade do consumo privado e das exportações. Ora, o Governo ao colocar a ênfase na subida do IRS e do IRC prejudica, inevitavelmente, estas duas variáveis – o rendimento disponível para o consumo e a competitividade das empresas –, encontrando, portanto, reflexo no crescimento do PIB. Se a redução do défice é necessária e indispensável, a sua redução com o comprometimento do crescimento económico já não é desejável. A opção parece lógica – deve haver uma política de contenção do défice e da dívida pública aliada a uma política de estímulo ao crescimento económico: uma não deve anular a outra. Ambas as situações são insustentáveis: por um lado, o Estado não pode viver, eternamente, à custa de crédito e de dívida pública; por outro lado, o Estado não pode resistir na estagnação, sem crescimento económico. E, assim, voltamos ao tema gasto das reformas estruturais – tema velho, mas sempre actual. Mais uma vez, a Moody’s nas palavras do seu vice-presidente, realçou as dificuldades estruturais da economia portuguesa: “We remain concerned about the economy’s medium-term growth potential”. As reformas levadas a cabo na última legislatura ainda não encontraram reflexo no crescimento económico. A consolidação orçamental portuguesa ataca o problema pela da receita e pelo lado da despesa; mas a despesa ataca não é estrutural, é conjuntural. Obtém-se uma poupança nunca antes vista com o congelamento do salário dos funcionários públicos até 2013, mas ele não permanecerá sempre congelado. Nessa altura, os problemas portugueses regressam. O Estado continua sem se repensar e é necessário um debate sério em torno da presença do Estado na economia – na definição onde a sua presença se revela indispensável e, portanto, se deve manter, eliminando-se tudo o resto onde a sua presença se revelar acessória e melhor prosseguida pelas mãos dos privados. Nenhuma empresa prospera sem ter uma visão quanto ao seu futuro e sem saber as actividades centrais para o seu negócio e que por ela devem, então, ser desempenhadas.

A recente reunião do G-20 pareceu dar vitória à política de austeridade sobre a política de estímulos. Mas, como diz Paul Krugman, é necessário conjugar as duas políticas. A Alemanha, recentemente, ao adoptar uma política de cortes de 80 mil milhões de euros no seu orçamento, inviabiliza o esforço que está a ser feito nos países do Sul. Apesar da dívida pública alemã ser elevada (73% do PIB em 2009), o seu défice público é ridículo (3,3% do PIB em 2009). A adopção desta política brutal de austeridade de forma a servir de exemplo condena os esforços dos países com défices públicos mais elevados a um crescimento nulo nos próximos anos – e, por arrastamento, a Europa. As políticas de austeridade convêm a alguns países, mas não a outros. Esses países devem proceder aos necessários reajustamentos orçamentais, sem condenar a União Europeia a um período de longa e dolorosa estagnação económica. Para isso, é necessário encontrar a combinação certa entre política de austeridade em relação aos países divergentes das metas do Pacto de Estabilidade e Crescimento, enquanto que os restantes devem proceder a programas de redução da dívida pública, consonantes com políticas expansionistas. E este tem sido o problema da União Europeia que continua governada pelos interesses dos países com maior poder económico, que impõe políticas adaptadas ao seu interesse pessoal e não ao interesse da União.

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