A mais bela, a mais pura e a mais duradoura glória literária de prosa da blogosfera

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quarta-feira, 21 de julho de 2010

Regressão Constitucional

Estimado leitor,
Eles saíram do armário!...Aí está o verdadeiro PSD – o PSD mais ultraliberal de todos os tempos. A sua missão? Só uma – destruir o Estado Social. Fim do ensino público, fim do Sistema Nacional de Saúde e maior liberalização nos despedimentos. O PSD pretende a erradicação total do conteúdo socialista da Constituição. Esse conteúdo não é compatível com aquilo que ditam os livros de Hayek e de Friedman. Impulsionados pela ascensão de David Cameron ao poder no Reino Unido, o PSD julga capaz de realizar semelhante percurso a curto prazo. O segredo? Alargar a esfera de poder do Presidente da República, conferindo-lhe a possibilidade de demitir o Governo, mesmo quando não esteja em causa o regular funcionamento das instituições, esperar que Cavaco seja reeleito e então das duas uma – ou Cavaco demita brevemente o Governo fazendo uso das suas novas faculdades à primeira oportunidade lógica que tenha ou o próprio PSD assumindo a iniciativa, quebrando a iniciativa governamental, força uma crise política e eleições antecipadas.

Sobre o conteúdo das propostas atentatórias ao Estado Social não nos iremos alongar. Apenas sobre a liberalização proposta nos despedimentos, uma vez que já tivemos ocasião de manifestar o nosso apoio a uma maior liberalização do Código do Trabalho, iremos proferir algumas palavras., sublinhando a nossa discórdia quanto à proposta do PSD.

O Professor Calvão da Silva, um dos responsáveis pela redacção das propostas constitucionais do PSD, para justificar a alteração do artigo 53.º da Constituição – a substituição da expressão “justa causa” por “razão atendível” – fala num melhor ajustamento semântico, esclarecendo que, na sua modesta opinião, as duas expressões têm um significado equivalente. Ora, se as expressões têm significado equivalente queria V. Ex.ª explicar porque as altera. Por semântica, V. Ex.ª? Se as duas expressões têm equivalente significado interpretativo não há necessidade de alterá-las. A isso se chama, V. Ex.ª, agenda oculta ou incoerência.
Apesar de defendermos uma maior liberalização do mercado de trabalho de forma a torná-lo mais atractivo face à realidade económica de deslocalização de produções em direcção a países com baixo custo laboral, não cremos que esta seja a melhor medida de inverter a situação. Importa estabelecer alguma flexibilidade no mercado de trabalho, não a inexistência de regras e a selvajaria.


As propostas de Passos Coelho relativamente ao seu esquema constitucional de divisão de poderes foram criticadas pelos constitucionalistas Vital Moreira, Isabel Moreira e Tiago Duarte em declarações ao “Público”, apontando contradições nas propostas.
Ainda ao jornal “Público, no sábado, Passos Coelho concedeu uma entrevista onde apontava algumas das suas ideias. Sobre a possibilidade do Presidente da República demitir o Governo, eis o que Passos defende:

“Actualmente o Presidente da República pode dissolver o Parlamento ouvindo apenas o Conselho de Estado. É um poder arbitrário que tem, com o qual nós concordamos. Não se deve mexer nele. Mas o Presidente não tem o poder de demitir o Governo, a não ser que esteja em causa o regular funcionamento das instituições. Há aqui qualquer coisa que não está equilibrada depois destas revisões todas. O Presidente tem um poder absolutamente arbitrário para dissolver o Parlamento, mas não tem o poder de demitir o Governo. O que significa que, algumas vezes, pode acontecer que o Presidente, não tendo o poder de demitir o Governo, recorra à dissolução do Parlamento para obter o mesmo efeito. Isso não devia ser necessário, o Presidente devia ter também o poder de demitir o Governo. O Governo devia depender da confiança do Parlamento e do Presidente da República”.

À Assembleia da República compete a função de fiscalizar a acção governativa; ao Presidente da República compete atentar ao regular funcionamento das instituições democráticas, incluindo o Governo e a Assembleia da República, havendo a possibilidade de dissolução ou demissão, caso aquele não esteja assegurado. Eliminar a justificação para estes actos é tornar o sistema arbitrário. Se por algum motivo estiver em causa a acção do Governo em causa, a Assembleia da República tem o poder de apresentar uma moção de censura ao Governo, não se vislumbrando aqui qualquer tipo de omissão ou desequilíbrio operado pelas revisões constitucionais.
Passos Coelho introduz mudanças estruturais no sistema. O Governo passa a ser duplamente responsável – perante o Parlamento e perante o Presidente da República. Existe já a possibilidade do Governo cair no nosso sistema constitucional, caso a Assembleia da República faça uso, ao abrigo do art. 163.º, al. e) da CRP, do instrumento da moção de censura. Este instrumento reforça o papel de fiscalização da Assembleia da República sobre o Governo, como a instituição “representativa de todos os cidadãos portugueses”, de acordo com o art. 147.º da CRP. Imiscuir o Presidente da República, que deve ser um elemento suprapartidário no nosso sistema, ao qual compete o poder moderador, e introduzi-lo directamente na arena do combate político-partidário é modificar toda a balança de pesos do sistema constitucional. Há uma clara deslocação e bipartição da esfera de controlo da acção governativa entre a Assembleia da República e o Presidente da República, quando deveria ser apenas aquela a fiscalizara a acção governativa. Quererá Passos Coelho que o Presidente da República tenha a possibilidade de demitir o Governo quando não esteja em causa o regular funcionamento das instituições? Que razão terá o Presidente da República para fazer tal? A nosso ver, apenas o interesse partidário, introduzindo assim uma lógica de instabilidade no sistema que apenas o prejudica. O sistema constitucional português não necessita que lhe introduzam variantes adicionais no sistema – precisa sim de introduzir variáveis que assegurem uma maior estabilidade, sobretudo em cenários de maioria relativa que são muito comuns nas eleições portuguesas.

A possibilidade de introdução da moção de censura construtiva não é nova – ela está já prevista na Constituição de Bona da Alemanha de 1949. Passos Coelho introduz, porém, especificidades na sua moção de censura: os partidos que apresentarem a moção de censura e derrubarem o Governo têm a possibilidade de se furtarem a eleições e apresentarem um Governo alternativo, o qual o Presidente da República tem que, obrigatoriamente, empossar. Ora, nós manifestamos as nossas reservas quanto à possibilidade de haver um Governo que não seja legitimado pelo voto dos cidadãos que compõem o Estado.

1 comentário:

Nelson disse...

Olha o Sr. Dr. Carlos a alinhar junto ao Sr. Dr. João Jardim... Muito me agrada, muito me agrada
;)