A mais bela, a mais pura e a mais duradoura glória literária de prosa da blogosfera

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domingo, 27 de fevereiro de 2011

Uns enganam, outros são enganados...

- Boa noite! Tenho o prazer de estar a falar com o Sr. XXX?
- Sim, é o próprio.
- Pois deixe-me dar-lhe os meus parabéns. Estou a ligar-lhe, porque foi o premiado do concurso XXX e, portanto, esta noite tem de vir levantar o seu prémio no XXX, pelas 21 horas.
- Não estou a ver do que se trata. Nunca ninguém dá nada a ninguém, isto não me está a cheirar bem!...
- Por amor de Deus, então você não é o Sr. XXX, que mora em XXX? Você não preencheu um cartãozinho que colocou numa tômbola no shopping XXX? O prémio era uma estadia de uma semana num hotel de turismo rural. Lembra-se?
- Sim, realmente estou a recordar-me.
- Justamente! E foi o vencedor! Por isso é que lhe estou a ligar. Tem de vir levantar o seu prémio hoje à noite, senão ele caduca.
- Ok, eu vou então levantá-lo.
- Não se esqueça! Senão perde a sua estadia e é uma pena, já viu?

O Sr. desliga o telemóvel e diz à mulher, uma pobre sexagenária que, depois de comerem a tradicional sopa (porque o dinheiro não dá para mais), vão ter de ir até XXX levantar o prémio que tinha ganho quando participou num concurso. Ele recorda-se agora de terem ido a um shopping comprar uma prendinha para dar à neta, pelo Natal. Deram-lhe um cartão que ele imediatamente preencheu e colocou numa tômbola. Uma estadia de uma semana num hotel, era este o prémio. Prémio cujo vencedor era ele mesmo. Ele nem queria acreditar. Logo ele, pessoa a quem a sorte nunca tinha batido à porta. Logo ele que se vira subitamente e em conjunto com a sua esposa, operários na mesma fábrica, no desemprego desde há já longos meses. Velhos demais para trabalhar, novos demais para se reformarem, a atravessar grandes dificuldades, com uma filha ainda a estudar na faculdade, vê-se como tendo sido o premiado daquela estadia. Logo após a sopa, lá vão até XXX para levantar o referido prémio.

Mal lá chegam, vêem montada uma grande tenda para a qual os convidam a entrar. São surpreendidos por uma grande tela onde inúmeras imagens de hotéis, paisagens idílicas e afins passam ininterruptamente. Muitas pessoas conversam descontraidamente até serem interrompidas por uma funcionária que os encaminha para algures atrás de uma porta de madeira.

Passados alguns minutos, o Sr. vê uma daquelas funcionárias e pergunta-lhe onde é que pode levantar o prémio que tinha ganho, porquanto lhe tinham ligado para casa para tal. A funcionária logo os conduz para um gabinete onde uma nova funcionária os convida a sentar. Depois de lhes mostrar um catálogo no qual vêem diversos hotéis onde poderão usufruir da estadia ganha, o Sr. é convidado a subscrever um cartão que, nas palavras da funcionária, "lhe proporcionará inigualáveis vantagens e descontos sempre que quiser gozar umas feriazinhas". E logo se apressa a esclarecer que para poder ganhar a citada estadia (então já não a tinha ganho?!), tem de subscrever o tal cartão.

Persuadido por todo aquele ambiente, por tão grandes benefícios e pela necessidade de subscrição para receber a tão desejada estadia, o Sr. assina o contrato de subscrição do cartão. A funcionária entrega-lhe o cartão e o bilhete da estadia.

Quando o Sr. chega a casa, observa os papéis que lhe foram entregues, dos quais consta um documento com umas letrinhas pequenas onde se pode ler: "considerando-se devedor da quantia de € 5.900”. Alarmado com a possibilidade de ter sido enganado, não consegue dormir, ansiando pela manhã para poder ir até casa da sua vizinha, uma advogada-estagiária que conhece desde pequena, pedir ajuda para resolver a sua situação.

Pois bem, ou pois mal, o Sr. efectivamente foi burlado, porque o convenceram através de engenhosos artifícios, a assinar um contrato de subscrição de um cartão, cartão esse com o preço de € 5.900. Com a assinatura de tal contrato, o Sr. tinha-se confessado devedor de tal quantia. Vejam só!

Conto-vos esta história da vida real para vos alertar para o perigo de telefonemas que nos fazem, alegando precisarmos de nos dirigir a determinado lugar para levantarmos um qualquer prémio. Lembrem-se que ninguém dá nada a ninguém e que, sobretudo em tempos de crise como a que vivemos, é preciso ter olho vivo e pé ligeiro. De notar também que, se mesmo assim, caírem eventualmente no conto do vigário, têm sempre 14 dias, após a assinatura de qualquer contrato de compra/venda de bens de consumo, tal como este, para os resolver, sem necessidade de invocarem justa causa. Apesar desta protecção legal, muitos nem se apercebem do que acabaram de fazer e obviamente deixam passar o prazo de possibilidade de resolução imediata do contrato. Só quando começam a ser inundados de cartas para regularizarem as suas dívidas emergentes de tais contratos ou quando começam a ver os seus bens penhorados, dado que se confessaram devedores de certa quantia, é que se dão conta da embrulhada em que se colocaram.

Muitas outras histórias podia contar-vos, acreditem. Mas esta já é bastante para ilustrar o quotidiano de muitos portugueses. Uns enganam, outros são enganados!

A vida está má, está! Até para os marqueses!

sábado, 26 de fevereiro de 2011

A importância da Eleição regional de Hamburgo para Portugal

No domingo passado, os Democratas Cristãos da Sra. Angela Merkel sofreram uma pesada derrota na eleição regional de Hamburgo. O Sr. Olaf Scholz, candidato do SPD, venceu essa eleição com 48% dos votos; a CDU conseguiu apenas 22%.

A análise do resultado destas eleições é importante, desde logo, por um motivo: para saber se elas se tratam efectivamente apenas disso – uma mera eleição regional, ou se do resultado desta eleição poderão ser retiradas consequências políticas nacionais para a CDU da Sra. Merkel.

Dificilmente de uma eleição regional se podem retirar outro tipo de consequências, senão consequências locais. Cada eleição tem a sua especificidade e a eleição regional de Hamburgo não foge à regra. Esta ideia revela-se especialmente mais verdadeira quando analisamos os factores locais que originaram o resultado da CDU: a demissão abrupta em 2010 do Sr. Ole von Beust (da CDU) e a sucessão desastrosa do Sr. Christoph Ahlhaus (também ele da CDU), cuja credibilidade política foi arruinada por gaffes.
Estes dois factos, estritamente locais, explicam em grande parte o resultado da CDU. Não devem, portanto, ser extraídas consequências nacionais desta eleição regional.
Sucede, porém, que em 2011 a CDU enfrentará mais seis eleições regionais. A este facto devemos adicionar a renascimento do SPD, partido de centro-esquerda. O SPD teve nas legislativas de 2009 o pior resultado eleitoral desde a II Guerra Mundial: 23%. A ampla vitória conquistada na eleição de Hamburgo poderá conferir-lhe um ímpeto político importante que de regional poderá passar a nacional. E é neste ponto que poderão ser retiradas consequências na vida politica nacional da Alemanha. Conhecemos o intenso debate que por lá ocorre em torno da resposta à crise da zona euro e como os alemães são cépticos perante uma resposta preventiva e abrangente, o que faz com que os políticos estejam, também eles, cépticos. Ora, esta eleição regional de Hamburgo poderá ser mais um caso que a Sra. Merkel tenha em conta na hora de tomar decisões para a resolução da crise da zona euro – e sabemos como se aproximam Conselhos Europeus decisivos nessa matéria, especialmente para Portugal.

E por aqui se vê a situação miserável a que Portugal chegou: não os dados da execução orçamental avançados pelo Governo, a acção da Assembleia da República, ou as mensagens do Presidente da República: nenhum órgão de soberania de Portugal tem, neste momento, qualquer influência sobre o nosso futuro: é uma eleição regional de Hamburgo. Os juros da dívida pública espanhola estabilizaram; os portugueses continuam a subir para níveis históricos. Um juro superior a 7% para que um investidor empreste dinheiro a Portugal já não é só exigido no prazo de 10 anos. A margem de financiamento de Portugal encolhe. Aos olhos dos alemães, o efeito de contágio de Portugal a Espanha esfuma-se e assim se diminui a necessidade de uma resposta veemente da Zona Euro, nomeadamente na flexibilização do FEEF para que com ele seja possível comprar directamente dívida pública soberana dos países periféricos. E assim se eliminam as possibilidades de Portugal não recorrer ao FEEF: é que todas essas hipóteses se resumem a uma forte resposta europeia que tranquilize e acalme os mercados. E essa resposta não só tarda, como parece cada vez mais improvável.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Música Portuguesa

Recentemente, o Ministério da Cultura criou um fundo destinado à internacionalização da cultura. A internacionalização está na moda - para as nano, micro, pequenas, médias empresas e o mundo da cultura não foge à regra. Uma das funcionalidades do Fundo será o Portugal Music Export, um projecto que, claro está, pretende promover o desenvolvimento e exportação da música portuguesa. Assim, o Opinador, patriótico, vê-se no dever de moral de dar a sua contribuição ao sucesso deste projecto, propondo-se revelar neste singelo espaço aos seus leitores o brilho da música portuguesa. Eis, portanto, as nossas sugestões:

De Lord Nelson

Porque aqui também há maus humores, aqui fica talvez a música portuguesa mais triste. E triste em todos os sentidos possíveis.



De Madame Pompadour

Falar em música portuguesa é falar do indiscutível artista português e saudoso: Zé Cabra.E não há nada mais português do que falar de emigração em França. Por isso: Zé Cabra, aqui te homenageamos.



De Letícia, a Marquesa

Na era das redes sociais, os músicos portugueses estão atentos a todas elas, sendo estas redes verdadeiros motes inspiratórios para as suas inesquecíveis canções. Viva à música portuguesa! Viva!!!



De Carlos Jorge Mendes

Palavras para quê? Portugal no seu melhor...


quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Publicidade Institucional



Tradicionalmente divide-se o espectro político em direita e esquerda, de forma a facilitar a compreensão dos cidadãos em geral e também dos próprios agentes políticos em particular.
Nessa conhecida distinção, aqueles que possuem uma visão colectivista da economia e uma ideia mais dissoluta dos costumes alinham-se, tendencialmente, à esquerda, enquanto que os os que advogam a livre concorrência e são mais conservadores, alinhar-se-ão à direita.

O leitor que siga este nosso espaço já nos terá catalogado, certamente de direita. E não recusamos tal etiqueta.

Ora sendo de direita, muito feliz fiquei com esta notícia do Público, já que vem somar mais uma qualidade:

"Estudo revela que candidatos de direita são mais bonitos"

É pois com a certeza de sermos (na direita) mais inteligentes, mais capazes, mais dinâmicos e agora mais bonitos do que a esquerdice que por aí vegeta que desejamos um bom final de semana ao leitor!
P.S. - Lembra-se do nosso post de terça feira em que estranhavamos o facto de só regimes pró-Ocidentais estarem a cair? O Kadafi também acha... (aqui)

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Geração à Rasca

A imprensa nacional, cerceada da sua criatividade, pegou numa canção dos Deolinda e altivamente etiquetou os jovens deste País de «Geração à Rasca». A imprensa nacional, do alto do seu trono lança os seus perdigotos sobre os seres que considera inferiores. A música «Que parva que sou» que inicialmente servira como espelho da situação de milhares de jovens portugueses é ensebada pela imprensa.





E para que esta grave situação social seja discutida seriamente a nível nacional é necessário que um grupo de jovens músicos alinhe uns versos e uns acordes. Isto porque a imprensa portuguesa que, supostamente, deveria velar pela bem da coisa pública, informar os cidadãos do atrofiamento da vida nacional, foi incapaz de, por si, constatar que o elevado desemprego entre as camadas mais jovens da população é um grave drama social com consequências devastadoras para o futuro do País. Enquanto o tecido industrial, comercial e de serviços de Portugal não se modernizar e não se modernizar com o conhecimento doutoral das faculdades, o País jamais acompanhará o progresso das outras Nações. Portugal será o mesmo Portugal bafiento do Estado Novo enquanto as outras nações se preparam para as grandes lutas do século XXI.
E ao invés de discutir seriamente este problema, de investigar os seus efeitos sobre o desenvolvimento do País, a imprensa nacional lança o rótulo de «Geração à Rasca» com que abafa todo o ruído de uma discussão séria com o estrépito de uma capa espalhafatosa.
Não ouvimos, porém, os jornais, a imprensa com o mesmo ardor veemente etiquetar o restante País que range os joelhos por estas terras. Gosta a imprensa de etiquetas? O Opinador sugere, pois, uma. Conhece o jornal a ténia? A bicha-solitária? O parasita? Aquela coisa que vive à custa de outrem? Considere o jornal que o País é todo ele uma ténia: que os cidadãos são a dita ténia e que o Estado é o intestino delgado. Não será um epíteto merecedor de honras de capa? Porquê nos limitarmos à Geração à Rasca? Ousadia, imprensa!

Esta mesma Geração à Rasca, como é apelidada pela Imprensa, é composta por algumas pessoas que vão para outros Países, enriquece-los com o seu trabalho, já que neste não lhe concedem oportunidade para isso. E tudo isto devido a uma corja de políticos que sucessivamente desde o século XVI em que Portugal vem atravessando sucessivas crises, desdenham os males da pátria, diminuindo-os, repousando sobre os feitos imortais dos navegadores. Portugal é a única nação que desde o século XV tomou lugar num fofo cadeirão e ficou para a assistir ao Progresso da Civilização. Porque Portugal foi no século XV o maior expoente da Civilização, pode, desde então, descansadamente, tomar ares. E se uma crise entretanto se nos depara: - Portugueses, nada receiem! Portugal desenrasca-se de crises desde o século XVI! Se nos desenrascamos no passado porque não nos haveríamos de nos desenrascar no presente? E para além disso, fomos grandes no século XV! Na Índia, há quem ainda se dobre numa adoração sincera por Vasco da Gama! Em África, há gente que ainda sente uma comoção no peito quando se ouve falar dos «Lusíadas»! Repousem portugueses, repousem!

É pois este o País que quatro séculos de incúria deixaram à geração que agora nasce para o trabalho e vem o jornal, em toda a sua altivez, chamar essa Geração de «Geração à Rasca». Porque esses a quem ainda nem sequer foi concedida uma oportunidade de elevarem a competitividade do País são um dos grandes males da sociedade portuguesa.
Porque esses que estudaram, que melhoraram as suas competências, que se cultivaram (com o esforço e o suor de seus pais que isso lhes permitiram) com o fim de servirem o seu País e de o enobrecer com o seu conhecimento não têm sequer oportunidade porque quatro séculos de repouso sentenciaram a economia à estagnação. E porque assim se sentenciou a economia à estagnação, não há criação de emprego para os licenciados que anualmente findam a faculdade.
Assim, se vê a «Geração à Rasca» que o jornal aponta com o dedo, rindo: a geração mais bem preparada de sempre, os seus filhos mais fortes e mais inteligentes, porque os desprezam, partem.
Outros países – como a Alemanha, países mais submissos, mais servis, recebem orgulhosamente a mão-de-obra qualificada que a faz enriquecer, que a engrandece, que a industrializa.
E enquanto esses partem, os outros permanecem aqui, empobrecendo como empobrece o País, bocejando como boceja o País, entediando-se como se entedia o País.
É este o País que esta Geração herda, que não lhe oferece trabalho, que não lhe concede possibilidade de o enriquecer pelo seu esforço, pelo seu mérito, pelo seu valor, pelo seu estudo – e que herda ainda este título jocoso dos jornais.
Esta Geração não pretende nada exigir do Estado, excepto uma coisa: que o Estado seja sério: que nada nos ofereça, mas que nada nos retire. É isso que o Estado hoje faz: oferece a Educação e retira tudo o resto porque a sua acção, durante quatro séculos, foi nefasta porque não atendeu aos interesses da Pátria, mas aos interesses egoísticos de quem por lá se revezava. O que esta Geração pede ao Estado é que se reforme: que seriamente se reforme de modo a elevar-se às expectativas que esta Geração tem dele -que se reforme politicamente, administrativamente, socialmente, economicamente, financeiramente, moralmente. Ex nihilo nihil fit. Do nada, nada pode vir. E deste terreno árido em que se tornou Portugal nada floresce.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Al-voroço



Depois das revoltas tunisina e egípcia e da contestação no Iémen e Bahrein, chegou agora a hora da Líbia.
O regime de Kadafi enfrenta agora as maiores contestações da sua história, estando agora dependente do exército para garantir a sua sobrevivência.



Convenhamos que em política internacional os Estados, pelo menos os do nosso espaço, devem mover-se pelo interesse próprio e não por orientações morais dos titulares dos cargos públicos. O politicamente correcto tem invadido a agenda dos políticos ocidentais, desde os tempos da Palestina: mas não esqueçamos que o mandato que os cidadãos conferem aos políticos tem por base a ideia de assegurar o bem comum, o nosso bem comum, a nossa Commonwealth.

Não somos indiferentes ao sofrimento dos povos: no entanto, julgamos que as posições moralizadoras dos nossos representantes podem ser bastante contra-producentes. Da Líbia chega quase cerca de 15% do nosso (nosso, porque o compramos) petróleo, commodity que anda bastante encarecida (até devido à roubalheira da indexação dos preços ao índice Platts), e uma perturbação na extracção leva quase de imediato à escalada do preço dos combustíveis, como se pode ver aqui.

Tanto os governantes, como os opinion makers devem lembrar-se que o que se passa na Líbia vai afectar-nos directamente, pelo que devemos ser muito contidos na demonstração de qualquer apoio, quer aos manifestantes quer ao regime e sobretudo resistir à tentação de nos arvorarmos em defensores da moral e bons costumes.

Antes de terminar, apesar de o discurso que por aí anda falar em ventos democráticos e em revoluções do povo, gostaríamos de lançar as seguintes questões:
  1. Porque motivo estes revoltosos (em especial no caso líbio) esperam, antes de tentar derrubar o regime, do nihil obstat dos seus lideres religiosos?
  2. Já reparou o leitor que certas organizações terroristas andam demasiado silenciosas, e que os líderes derrubados (Ben-Ali e Mubarak) ou em queda (Ali Abdullah Saleh e agora Kadafi) são ou eram importantes aliados ocidentais? Não acha isto estranho? Todos aqueles líderes colaboravam com o “Grande Satã”: Ben Ali tinha cordiais relações com a U.E. e a internacional socialista, tendo tido um relevante papel na recepção e controlo de dirigentes do Hamas, na década de 80. Mubarak era um aliado crucial na estabilidade do mundo árabe, em especial nas relações com Israel. Ali Abdullah Saleh colaborava com os E.U.A. no combate aos radicais islâmicos (que controlam de facto, diga-se, uma parte do Iémen). Kadafi é um importante fornecedor de petróleo e gás natural, que muito tem amansado o discurso.

Não temos nenhuma informação priveligiada dos corredores diplomáticos… Apenas lançamos as questões, baseado nos indícios disponíveis nos media.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

A cara (da) justiça!

Todos aqueles que lidam ou já lidaram alguma vez com os tribunais estão conscientes que a justiça é cara.

O direito de acesso ao sistema jurisdicional é um direito constitucionalmente consagrado e os tribunais são um dos órgãos de soberania existentes, isto é, um dos órgãos necessários para que se assegure o tão afamado Estado de Direito Democrático. No entanto, como tantas coisas na vida, temos de pagar de todas as vezes que recorremos à justiça, estejamos na qualidade de autor/queixoso ou de réu/arguido.

Em 2009, entrou em vigor o Regulamento das Custas Processuais, um diploma que prevê que as custas processuais tenham obrigatoriamente de ser pagas ab initio, ou seja, para intentarmos uma qualquer acção declarativa, temos de começar logo por pagar um determinado montante sempre em função do valor da acção que pretendemos instaurar.

Pensemos num exemplo prático: um comerciante possui uma mercearia onde vende, como vulgarmente se diz, “fiado”. Ora um determinado cliente ficou a dever-lhe € 300. Um outro ficou a dever-lhe € 350. Outro € 450. O comerciante tem um passivo global, então, de € 1100. Como nenhum deles lhe paga, e apesar de interpelados por diversas vezes, o sr. resolve instaurar uma acção contra cada um dos devedores. Ora naturalmente que precisa de instaurar uma acção para cada um dos devedores. Portanto, atento o valor das quantias em débito, o comerciante precisa de despender, para poder instaurar cada uma das acções, € 102. Reparem só! É certo que eventualmente se o devedor vier ser condenado ao pagamento do montante em dívida, esta quantia poderá ser restituída (poderá, porque, por vezes, primeiro que esta quantia seja restituída, uma pessoa nasce, cresce e morre!). Vejam que para ser cobrada esta quantia global de € 1100, o pobre merceeiro terá que despender “à cabeça” € 306!

É verdade que sempre se pode pedir apoio judiciário, de modo a que se fique isento de custas e até eventualmente do pagamento de honorários a advogado. No entanto, Caríssimos, não se deixem enganar. Primeiro porque terão de fazer um exercício de resistência e de paciência ao terem de juntar mil e um documentos ao requerimento de apoio judiciário; depois porque terão de passar longos minutos nas filas da Segurança Social para entregar o referido requerimento; e finalmente porque o vão ver indeferido muito provavelmente. Nos dias que correm são tantos, mas tantos os pedidos que a Segurança Social recebe, que esta entidade só está a conceder apoio judiciário em casos mesmo extremos.

As custas processuais renderam em 2010 ao Estado cerca de 150 milhões de euros, segundo o Ministério das Finanças e da Justiça. Estes dados foram divulgados para justificar a necessidade de centralizar no Instituto das Tecnologias da Informação na Justiça (ITIJ) a aquisição e gestão dos contratos com os operadores de comunicação de dados. O sistema informático das custas processuais é utilizado por 15 mil utilizadores, ligados a 400 tribunais, e permite arrecadar a receita proveniente das custas processuais. Dada a necessidade de contenção e de redução dos custos inerentes à rede de comunicação da Justiça, os encargos de gestão desta rede foram atribuídos ao ITIJ, o que lhe permite arrecadar receitas e efectuar pagamentos. AO ITIJ foram atribuídos cerca de 1,3 milhões de euros, valor esse que será dividido por 3 anos, sendo que para o ano de 2011 o organismo está autorizado a gastar quase 529 mil euros e cerca de 400 mil euros nos 2 anos seguintes.

E para onde irão estes montantes? Muitos deles serão nitidamente reinvestidos no sector da Justiça. O Campus de Justiça de Lisboa, inaugurado em Julho de 2009, custa anualmente ao Ministério da Justiça mais de 10 milhões de euros em rendas e condomínio que as anteriores instalações, a maioria das quais arrendadas. Em 2009 estavam previstos para a alocação de edifícios 5,6 milhões de euros, tendo a despesa real obrigado a uma correcção no orçamento. No final do ano gastaram-se mais de 16,3 milhões de euros, a maioria dos quais atribuídos a despesas com rendas no Campus de Justiça. Todavia, têm surgido inúmeras queixas a propósito deste campus, porque há falta de salas de audiências adequadas às necessidades. No âmbito do processo Face Oculta, processo com 70 volumes e 600 apensos, foram requeridos móveis para colocar todos estes processos. No entanto, o pedido foi indeferido. Há tribunais um pouco por todo o país com condições terríveis, nos quais a chuva é companheira de muitos processos e onde não existem verbas que possam ser destinadas à compra de equipamentos de climatização.

A justiça está para ricos e não para pobres! Se o conhecido ex-casal do Euromilhões, cuja acção possui o valor de 15 milhões de euros, terá de pagar custas que poderão ascender a valores situados entre os 150 e os 500 mil euros, facilmente se depreende que muito dinheiro ainda poderá sobrar, após o pagamento daquelas. Agora no respeitante àquele merceeiro, que poderá não ter €306 para gastar de imediato a instaurar acções que decerto demorarão largos meses ou até mesmo anos nos tribunais, a história já se vislumbra outra: o mais provável é resignar-se e ver a quantia global de € 1100 perdida para todo o sempre.

Se o mundo das custas processuais continuar assim, asseguro-lhes que daqui a uns anos, teremos tribunais vazios, dado que só um número ínfimo de pessoas, leia-se, aquelas que possuem uma base económico-financeira tremendamente boa, é que a eles acorrerão.

A vida está má, está! Até para os marqueses!

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Os Acontecimentos pelo Mundo Árabe - o Irão, o Bahrein e a Líbia

Uma semana depois do Sr. Hosni Mubarak abandonar a Presidência do Egipto e transferir o poder para os militares, a revolta no mundo árabe continua. Novos focos de Revolução surgiam já quando a Revolução do Egipto dava os passos finais rumo ao triunfo, mas permaneciam secundarizadas pelo destaque dado à deposição do Sr. Mubarak.
Com efeito, o movimento democrático do mundo árabe sempre esteve presente, mas silenciado. Silenciado por regimes tirânicos e despóticos, cuja sobrevivência assentava nas suas guardas pretorianas e no desprezo do seu próprio povo entregue à ignorância, sem direito a educação. Hoje, o povo perdeu o medo e os jovens árabes, melhor formados, melhor educados, saem à rua para reivindicarem as suas aspirações.

Os protestos não se limitam ao Bahrein, à Líbia, ao Iémen, ao Irão – estendem-se a todo o mundo árabe. O derrube do regime de Mubarak foi uma vitória tremenda: um regime sólido, no poder há 30 anos, com aliados importantes e poderosos: porque não podem os outros países sonhar com um mesmo destino?

Os regimes autoritários aprenderam, no entanto, uma lição com a história tunisina e egípcia: imediatamente reprimem o movimento democrático que emerge pela força do Exército. Enquanto o Exército permanecer do lado do Poder e não das legítimas ambições do Povo, enquanto defender a sua rede de privilégios desprezando os direitos dos seus concidadãos, a revolução no mundo árabe poderá ser adiada, mas jamais eliminada.

Segunda-feira, a Revolução Verde de 2009 voltou a sair às ruas de Teerão. A dimensão dos protestos não foi clara: o regime de Ahmadinejad desvalorizou-os e a inexistência de imprensa estrangeira independente ou as graves limitações que lhe são impostas não permite retirar dados escrupulosos. Fala-se, porém, em cerca de 20 a 30 mil pessoas em diversas cidades do Irão. O regime através da Polícia impediu a liberdade de reunião dos cidadãos, controlando ruas e praças estratégicas de Teerão, limitando os transportes públicos, amedrontado pelos efeitos das revoluções tunisina e egípcia, e pelo Poder do Povo. No dia seguinte, no Parlamento iraniano, os deputados gritaram pela morte de Mousavi e de Karroubi. O uso de uma violenta repressão parece, porém, ter afastado os manifestantes da rua uma vez que entretanto não surgiram novos relatos de manifestações no Irão.

No Bahrein, um centro bancário internacional importante, a violenta repressão que o regime do Rei Hamad bin Isa al-Khalifa usou sobre os manifestantes chocou. Há relatos de que a Polícia tem executado pessoas a sangue-frio, quando algemadas; os médicos que auxiliam os feridos são espancados; a população repelida através de fogo real. Também no Bahrein o exército e a polícia, compostos por mercenários vindos da Síria, da Jordânia, do Iémen, do Sudão ou mesmo do Iraque, desempenharão um papel fundamental. Ao contrário do que aconteceu no Egipto e na Tunísia, o exército e a polícia não mostrarão condescendência com o movimento popular, mesmo apesar da existência de uma oposição forte e organizada. De resto, os movimentos populares no Bahrein são frequentes, embora tenham conhecido agora novo fôlego com os recentes acontecimentos no mundo árabe. A repressão, no entanto, não afastou o povo das ruas que continua a expressar as suas aspirações pela democracia, pela melhoria das suas condições de vida, pelos seus direitos.

Na Líbia, o Sr. Qaddafi também se apressou a esmagar os levantamentos populares. A capital Tripoli permanece, para já, segura nas mãos do Governo. Mas a segunda maior cidade do País, Benghazi, conheceu fortes manifestações.

Os resultados destas manifestações permanecem ainda incertos. Mas a lealdade do Exército aos regimes e o pronto e fácil recurso a uma violência brutal pressagiam que a deposição dos Regimes no Irão, no Bahrein e na Líbia irão acontecer, mas talvez não no imediato. Será necessário que o movimento popular se organize, se solidifique, amadureça e se alastre às forças mais leais ao Regime para que então possa triunfar.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Chegámos à melhor época do ano: bem-vindo, Carnaval!

Pois é, Caríssimos, chegámos à época em que todos podemos ser tudo aquilo que quisermos, basta apelarmos à imaginação e ao sentido criativo!

Com tradições ancestrais venezianas e com a loucura do quente Carnaval brasileiro, é um tempo onde a diversão, as brincadeiras e o humor imperam. Portugal não é excepção e de lés-a-lés "joga-se" ao Carnaval, como diriam os nossos avós.

Com um toque humorístico, como é o tom do Opinador às sextas, joguemos, então, ao Carnaval. Divirtam-se!!!!


Lord Nelson

O Carnaval é dia de festa, aprovada pela Santa Madre Igreja. Podeis ser um pouco festivaleiros, já que a Quaresma está à porta... Gozai, mas nada de sodomias, ok?
Para vos ajudar a entrar no espírito aqui ficam duas bonitas melodias.








M. Pompadour

Apesar da tradição brasileira ser mais consistente e reconhecida mundialmente, também nós lançamos as nossas cartadas com imenso empenho e destreza. O afamado Carnaval de Ovar remonta a tempos idos, ao que parece, mas naquela altura as mulheres deviam realmente ter um toque de beleza que actualmente custa mais a encontrar...






Carlos Jorge Mendes

Estimado leitor: Carnaval não é igual a desfile de travestis. Por favor, poupe-se a embaraços. Para que evite cair na tentação, aqui ficam os motivos:



Letícia, a Marquesa

Nós, portugueses, podemos não ser tantos, mas como estamos habituados a "joguinhos" durante todo o ano, somos muito mais divertidos, alegres (se bem que a alegria pode ter diversas fontes) e dedicados (ai tantos saltos que se dá!) a jogar ao Carnaval que os nossos irmãos brasucas. Se não acreditam, comparem os vídeos infra e retirem as vossas próprias conclusões...

Divirtam-se!!!!



quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

A imobilidade do Parlamento Português

Toda a animação política parlamentar, toda a vida política deste mês do País se resume a um tema – o anúncio da moção de censura que o Bloco de Esquerda irá apresentar em Março. O País atravessa um período de instabilidade económica, de incerteza financeira, de agitação social e agora o Sr. Francisco Louçã pretende introduzir aquilo que faltava: uma crise política. Ou melhor: pretendia. Isto porque o dedo censurador do Bloco não se dirigia apenas ao PS, mas também ao PSD. Não é necessário conhecer da substância do documento que o Bloco prepara para saber que ele enferma de um radicalismo demagógico claro de atacar o PS e pelo caminho enviar umas farpas ao PSD. Naturalmente que o PSD não pode votar favoravelmente um documento onde ele próprio é criticado. Assim sendo, sem o voto favorável do PSD porquê apresentar uma moção de censura? Por nada mais que este motivo fútil: calculismo político: pelo adiantamento ao PCP na corrida pelo voto dos descontentes da esquerda radical. Com efeito, depois das Presidenciais, o PCP e o BE envolveram-se numa troca de acusações: o BE criticando o PCP por avançar com uma candidatura própria e recusar integrar uma frente alargada de esquerda; o PCP criticando o BE por ter apoiado o candidato apoiado pelo PS, partido do Governo. Rompido o ciclo das Presidenciais, imediatamente o BE volta às origens do sectarismo político, demarcando o espaço que o separa do PS – e assim surge a moção de censura.

Assim, durante um mês inteiro passa a Assembleia da República cuspindo palavras vãs, discursos inúteis, agendando um debate sem consequências – para depois retomar novamente o debate público. Com efeito: porque durante este mês toda esta discussão não será mais que um lavar de roupa suja.
Como senão houvesse questões de política interna e externa para discutir – como senão houvesse neste momento um grande debate na Europa em torno da crise do euro, como senão houvesse necessidade de reformar o País politicamente, administrativamente, economicamente, financeiramente, socialmente, como senão houvesse uma revolução eclodindo no Mundo Árabe com consequências geopolíticas de grande importância. Não! Qual é pois a opinião do Parlamento português sobre estas matérias? Pois…não tem! Porque se entretém discutindo o acessório, porque os deputados da Assembleia da República portuguesa detém-se a discutirem durante um mês uma crise política fictícia.
E assim se passa um mês inútil no Parlamento português discutindo uma crise inexistente que irá findar da mesma maneira como começou: com espalhafato, mas sem substância. Que desoladora imobilidade reina no Parlamento quando os juros da díida pública voltaram a atingir novos máximos após o anúncio de que a economia portuguesa contraiu 0,3% no último trimestre do ano passado. Cresceu 1,4% no ano de 2010, diz o Primeiro-ministro, acima das previsões do próprio Governo. Verdade, Sr. Primeiro-ministro. Mas 2010 já lá vai: agora estamos em 2011 – e o último trimestre de 2010 pode bem ser um espelho do que acontecerá este ano já com as medidas de austeridade a serem verdadeiramente aplicadas. E é sobretudo um claro indício de que as previsões do Governo de crescimento de 0,2% do PIB em 2011 são irrealistas, colocando dúvidas sobre se os objectivos de redução do défice serão efectivamente alcançados e, consequentemente, colocando pressão sobre Portugal para um eventual bail-out.
Nem o anúncio antecipado do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de que a receita pública aumentou 15% em Janeiro nos vale. O Sr. Sérgio Vasques veio orgulhosamente escarrapachar nos jornais:
- Excelências: foi uma missão difícil, mas conseguimos! Depois de aumentar o IVA em dois pontos percentuais, depois de eliminarmos parte das deduções fiscais, de limitarmos os benefícios fiscais, de aumentarmos o IRS – informo V. Exas. que a receita fiscal subiu! 15%! Que proeza!
(Vozes: Muito bem! Muito bem!)
O Sr. Secretário de Estado, continuava: Ah! como sou bom! Como sou grande! Como sou inteligente! Aumentar a receita pública em 15%!

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Dinheiros públicos para os privados



No Portugal da nossa cabeça, que é como quem diz ideal, o ensino básico e secundário seria assegurado por privados, funcionando a ajuda estatal às famílias mais desfavorecidas com o sistema do cheque ensino. Também haveria lugar à escola pública, mas apenas naqueles locais que, por falta de população ou por qualquer outro motivo, o ensino não pudesse ser assegurado por privados em situação de concorrência efectiva.


Defendemos esta posição pois estamos convencidos que os privados são mais eficientes na gestão dos recursos que possuem pois actuam no mercado orientados por interesses egoísticos, oferecendo mais e melhor, a menores custos, tentando desta forma eliminar os seus concorrentes. Já o sector público é tendencialmente mais relaxado nessa gestão, sacrificando a eficiência, satisfazendo menos necessidades mas gastando os mesmos ou mais recursos (o que se prova pelos €3.500 que cada aluno do básico custa por ano, segundo diz a actual ministra da educação).
Mas há mais – a co-existência destes dois regimes (público e privado) no mesmo espaço – serve para diferenciar as crianças, perpetuando as tais diferenças de classe, permitindo àquelas com mais rendimentos uma formação de elite, e relegando as outras, para as escolas públicas – olhe o leitor para os rankings anuais e percebe bem o que estamos a dizer.


No entanto, o legislador quer, e lá temos que vergar, a existência de ambos os regimes. Pelos motivos expostos, consideramos tal como má política. Mas a política actual não é má… é péssima: pois o Estado não só tem escolas públicas como financia as escolas privadas, onde existem alternativas públicas (e por vezes de qualidade, como é o caso da cidade de Coimbra): isto é, desperdiça recursos duplamente.


Os pais e alunos dos colégios privados que se andam a manifestar por deixarem de poder por a sua boca na tetinha do subsídio (se bem que não vai haver um corte, mas antes uma diminuição do subsídio) deviam pensar no que reivindicam, pois o que resulta desta política é um duplo ónus sobre as finanças públicas, pago pelos impostos de todos nós, os deles inclusive.
Note-se bem que falamos em ensino básico e secundário. A universidade pública nunca, mas nunca, pode estar em causa – isto não é a América!


Vamos antes exigir a adopção do cheque ensino para as famílias, pois este é o sistema que efectivamente permite mobilidade social, com base no mérito. A situação actual só serve para prolongar desigualdades. E permite também uma maior liberdade na escolha das escolas e, pela dinamização da procura, uma gestão eficiente dos recursos do lado da oferta.


E para não dizerem que sou má pessoa, aqui fica este vídeo para o leitor mais às esquerdas ver... Veja isto antes do deitar, e dê três lambidelas ao seu busto de Marx - verá que dorme uma noite descansada!



segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Porque para toda a ocasião há um santo

Hoje é o dia escolhido para a consagração dos namorados, do amor e das lamechices todas que envolvem os casais apaixonados no geral (sendo o termo lamechices usado em sentido neutro). Tal data não poderia de maneira alguma passar sem que eu fizesse meia-dúzia de reparos extremamente pertinentes, espero eu, quanto ao que domina as movimentações do dia de hoje.

Honestamente, nunca gostei muito desta celebração a S. Valentim. Mesmo quando a vida me é favorável a celebrá-lo, não nutro especial apreço por 24 horas de Ode ao amor quando, mais do que isso, tudo se torna num dia de consumismo exacerbado para algumas pessoas cuja capacidade criativa de surpreender pesa muito mais do que o simples acto de abrir os cordões à bolsa. Enquanto mulher, apelando ao meu lado mais romântico, gosto da ideia de poder ser mais do que uma vulgar data de troca de prendas mas, infelizmente, não passa mesmo disso.

Já uma vez exprimi o meu profundo desalento por perceber que, cada vez mais, se prefere o fácil, os clichés, a algo verdadeiramente puro e pessoal. Porque isso implicaria sempre mais trabalho e dedicação do que o prático recurso ao que já está feito e ao que são consideradas apostas ganhas logo à partida. Mas, claro, quem opta por dar mais de si do que simples euros e brindar a relação com o que de mais intenso e original tem para oferecer e algum dia pensou ser capaz, não espera pelo dia dos namorados para provar para si mesmo ter capacidade de perpetuar um sentimento tão temperamental como o amor. É por isso que as rosas, os chocolates, os perfumes e sei lá que mais têm uma procura tão elevada nestes dias, na maior parte das vezes já trazem escritas ou subentendidas as mensagens que, por serem tão viscerais, nos custam a reproduzir verbalmente evitando-se, assim, ter de se confessar abertamente nos olhos da outra pessoa o que guardamos cuidadosamente em nós.

Soarei muito lamechas, sentimental ou emocional, mas a verdade é que todos acreditamos a certa altura da nossa existência termos um propósito mais alto do que, simplesmente, viver a vida. Quando nos deixamos levar e damos o mais elementar de nós a outro cremos que é aí que reside o fundamento de tudo isto. Mas é preciso muito mais do que meras frases feitas e prendas universalmente românticas…

Um dia percebemos que é preciso crescer muito, cometer loucuras e perder a razão várias vezes, entender o que fazemos e o porquê de o fazermos, aceitar as falhas dos outros e ter paciência mais do que muita para nos esforçarmos num exercício básico de auto-avaliação. Não sou mais sábia que ninguém, nem muito experiente, mas se pudesse ter de escolher o ingrediente base para o amor diria que é a paciência. Portanto, neste dia abençoado por S. Valentim, sugiro que nos superemos e tentemos não cair na tentação do mais oco de sentido, mas mais fácil de aceder. Ah! E pelo amor do que vos é mais importante na vida, não se beijem ruidosamente nos transportes públicos.

E esta é a minha sugestão musical.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Pescarias

A história passa-se numa pequena povoação algures. Uma família tinha uma casa de campo nos arredores da cidade onde vivia e sempre que podia ia para lá passar o fim-de-semana.

O pai e o filho de 10 anos gostavam muito de ir à pesca, num lago próximo da casa. Certo dia, 24 horas antes de abrir a época da pesca, muito cedo, foram para a margem do lago.

O pequeno, mal chegou, preparou a cana e o isco e lançou à água o anzol. Poucos minutos depois sentiu um esticão e, radiante, disse ao pai:

- Deve ser um grande peixe!

Assim aconteceu e o próprio pai confessava nunca ter visto, naquele lago, um peixe tão grande e tão bonito.

- Temos de o devolver à água, porque estamos a fazer uma pescaria ilegal. A época só abre às 0 horas da manhã.

- Mas pai – disse o pequeno – nunca mais na vida vou apanhar um peixe assim…

- Talvez seja verdade, mas temos de o devolver ao lago.

- Mas, pai, não está aqui ninguém para ver…

Então o pai disse-lhe:

- Filho, pelo facto de ninguém ver, uma acção ilícita não deixa de o ser. A Ética é uma questão de CERTO ou ERRADO. Ficar com o peixe é errado, mesmo que ninguém veja; o certo é fazer o que está certo, mesmo que também ninguém veja. A Ética não é uma questão de espectáculo.

O pequeno resignado deitou o peixe à água e este, abanando com força as barbatanas, afastou-se rapidamente.

Passaram-se anos. O pequeno cresceu e fez-se homem. Continuou a gostar de pescar, mas, de facto, nunca mais apanhou um peixe semelhante àquele a que tinha acabado por renunciar.

A lição, essa, ficou e serviu-lhe de guia para as decisões na vida – o que conta é a Ética das decisões, mesmo sem espectadores. Porque há sempre algo que fica em paz: a consciência.


Porque existe por aí muito “boa” gente que bem precisa de ler esta história!...

A vida está má, está! Até para os marqueses!

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Ao Sr. José Eduardo Moniz (II)

Na quarta-feira, comentando a crónica do Sr. José Eduardo Moniz «País de luz e sombra» apenas tivemos ocasião de nos pronunciarmos sobre o exórdio literário de sua excelência, sem, no entanto, penetrar nas ideias que o Sr. apresenta para o País.

Vejamos, pois, agora como V. Ex.ª começa a análise da realidade do País. Começa V. Ex.ª por apontar rumos estratégicos, caminhos por trilhar, ou caminhos ainda insuficientemente percorridos: e aponta o sol, a praia e o mar. E o que diz mais V. Ex.ª para desenvolver esta sua ideia? Eis o que V. Ex.ª diz:

«A indústria do Turismo cresceu desordenada e quase sem regras, convertendo zonas de Portugal outrora lindas em regiões de onde apetece fugir perante a avalanche de cimento armado…»

Ora pensávamos nós que quando V. Ex.ª refere a combinação de sol, praia e mar obviamente que nós fomos levados a pensar que V. Ex.ª se referia ao Turismo. Erroneamente, V. Exª! Erroneamente! É que V. Ex.ª desanca no turismo forte e feio! E pior, Excelência! V. Ex.ª desanca nos turistas! Chama-os de «hordas bárbaras». A coerência do seu raciocínio resume-se desta forma: V. Ex.ª sugere que Portugal aproveite de uma forma mais ordenada o seu potencial turístico, reunido nesses três elementos: sol, praia e mar. Potencial turístico esse que - julgamos nós, se V. Ex.ª nos permitir a ousadia - deve ser convertido em rendimento através dos turistas. No entanto, V. Ex.ª apelida essa fonte de rendimento de «hordas bárbaras». Portanto, o Sr. José Eduardo Moniz afirma que Portugal desperdiça recursos, mas o elemento que permite potenciar e retirar fruto desses recursos, são uns arruaceiros e uns bandalhos.

Vejamos o que mais diz V. Ex.ª.

«Fosse este um povo menos acomodado e a violência que tem abalado tantos países poderia vir a ocorrer aqui também, traduzindo de modo dramático a intensidade do que ainda está para acontecer».

Mais uma vez estranhamos a posição manifestada por V. Ex.ª. Com efeito, o Sr. José Eduardo Moniz considera o povo português um povo manso, um povo mole, um povo macio. V. Ex.ª sugere então que o povo português tome o exemplo de Aníbal e rume a Lisboa, com os seus tachos e panelas, para violentar com o fim de se tornar mais robusto, mais rijo, mais vigoroso. V. Ex.ª decerto não ignorará a diferente natureza das convulsões sociais que ocorrem na Europa, designadamente na Grécia e na Irlanda, da revolução que se estabelece na Tunísia ou no Egipto. Num caso, são democracias profundamente consolidadas, Estados pluralistas e respeitadores dos direitos solidamente estabelecidos dos seus cidadãos. Sucede, porém, que os direitos económicos, sociais e culturais dos seus cidadãos não são imutáveis. (E isso V. Ex.ª decerto reconhece uma vez que você faz parte daquele tipo de cronistas encartados que muito aprecia em falar no mal dos «direitos adquiridos»). E não sendo imutáveis, eles devem ter em conta a realidade económico-financeira do País e a capacidade limitada do Estado. Daí ser necessário um processo de revisão desses direitos, como no caso da segurança social, de forma a ter presente a adequação do sistema às circunstâncias: e as circunstâncias são: o número de nascimentos diminuiu e a esperança média de vida aumentou. Conjugando estes dois factos, as despesas de segurança social aumentaram desmesuradamente. No respeito pelo núcleo essencial pelo direito das pessoas, mudanças nesses mesmos direitos são inevitáveis. V. Ex.ª, no entanto, opta pelo caminho da demagogia e afirma que o problema do País reside na sua mansidão. Como se resolve o excesso de mansidão? Fazendo do povo homem! Ensinando-lhe a arte da violência! Acha V. Ex.ª que isto faz sentido? São os tachos e as panelas que fazem progredir o País ou são as ideias que são produzidas? Quer V. Ex.ª que Portugal se torne uma Grécia em permanente convulsão social? É esse o modelo que V. Ex.ª pretende?

Se sabemos como o debate político na Assembleia da República é pobre, preso, por vezes, a uma ideologia de cartilha cega que descarta os interesses do País para colocar, em primeiro lugar, os interesses do partido, o colunista quer-se livre de preocupações partidárias e de jogos políticos. A disciplina partidária não lhe serve de desculpa para abafar a sua voz na elevação do debate público. Colunistas, porém, como o Sr. José Eduardo Moniz de nada servem para essa elevação. De resto, o que faz V. Ex.ª com utilidade? Todas as semanas comenta polidamente as audiências televisivas.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Artista de 6ª categoria

Pois é almas sedentas de coisas, hoje é sexta-feira, ainda por cima à noite, todos estão à espera de soltar a franga ou, quiçá, descansar no aconchego do lar a assistir a programas lúdico-recreativos na televisão. E como eu sou uma pessoa atenta à programação dos nossos generalistas e sei que, o que agora o povo gosta é de shows com artistas, réplicas ou quase-artistas, achei por bem, com a ajuda dos meus fantásticos colegas brindar-vos com um pouco de arte. Porque também temos a nossa função lectiva, aqui fica o que para cada um de nós se pode considerar os verdadeiros artistas do mundo.

Leticia, a Marquesa

Existem diversos artistas espalhados por todo o Mundo e muitos deles - pasme-se! - encontram-se no nosso país. Fiquei indubitavelmente receosa com as eventuais opiniões aveludadas dos nossos Caríssimos Leitores se aqui elegesse como "artista do Mundo" o nosso Primeiro-Ministro (artista das bacoradas) ou então o nosso estimado Tavares (artista da reprovação em Processo Civil). Assim sendo, decidi eleger este senhor capaz de realizar impressionantes obras de arte em qualquer ponto do planeta. Confesso que desconheço o seu nome, mas qualquer que ele seja, este sim é um verdadeiro artista do Mundo! Regozijem-se!


M. Pompadour

Em curtas palavras digo: os verdadeiros artistas são aqueles que mexem com o que de mais harmonioso existe em todo o mundo, a música.


Carlos Jorge Mendes

Artistas? E artistas do mundo? A primeira coisa que nos salta ao pensamento é: pintores, escultores, escritores, actores, músicos. Coisa vulgar, banal. Com maior ou menor talento, qualquer pessoa se torna um artista. Mas um conjunto de pessoas redefeniram o conceito de arte. Não a arte da música, da Literatura, da escultura ou da pintura: a arte da estupidez. E para isso também é preciso talento, mas sobretudo uma outra coisa que falta a muitos artistas: coragem. Aqui ficam algumas das melhores cenas de poesia em movimento do Jackass.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Ao Sr. José Eduardo Moniz (I)

À terça-feira, temos por hábito ler o «Diário Económico». O leitor perguntar-se-á:
- Sim. E o que raio tenho eu a ver com isso?
Calma, estimado leitor – já lá iremos. À terça-feira, o Sr. José Eduardo Moniz é um dos colunistas com lugar marcado nas páginas do «Diário Económico». Acompanhamos atentamente as suas colunas nesses dias: não pela limpidez das ideias que são apresentadas, não pela eloquência dos argumentos que são invocados, não pela articulação do seu discurso, mas pelo enorme chorrilho de factos que nessas páginas são espalmadas e as poucas conclusões erradas que sua excelência retira dos factos, aborrecidamente, narrados.

A coluna de opinião representa uma das formas pelas quais se pode medir o nível do debate público do País: se ele é elevado, se ele é medíocre. Com efeito, que melhor instrumento do que essa meia página contendo um conjunto de impressões, de ideias, de teorias, de sistemas, de conhecimentos através do qual se intervém na vida política, na vida económica, na vida social, nos costumes, na religião, na moral?
É um dever do jornalista fazer conhecer o estado das coisas públicas, demonstrar ao povo os acontecimentos políticos, os factos que influenciam a governação do seu País, informar dos actos que atentam contra o superior interesse da Nação.
O colunista, no entanto, tem uma função diferente do jornalista: mas igual na importância. O colunista não deve informar isentamente: deve fazê-lo apaixonadamente em nome das causas em que acredita.

E que tipo de colunista é José Eduardo Moniz? Nós apresentamos os factos, o leitor retire as suas ideias.

Sua Excelência, o Sr. José Eduardo Moniz, nutre um especial interesse pela Literatura. Por isso, nas suas colunas, antes de passar à análise dos factos do País, inicia sempre o seu discurso por um pequeno exórdio literário. Eis o que sua excelência diz:

«Os rostos abrem-se quando o sol os banha. Em Cascais, a luz brilhante afagava a areia das praias, doirando a água que namorados de mãos dadas iam cortando em passadas curtas, lentas e dengosas, à beira-mar.»

Aqui paramos por momentos a nossa leitura. O amigo leitor desconhece que nós, no nosso trabalho de aperfeiçoamento da forma, avidamente buscamos as palavras cujo efeito nos parece mais deslumbrante. E aqui, ao lermos o exórdio literário do Sr. José Eduardo Moniz uma palavra ressoava-nos continuamente no ouvido e cujo significado desconhecíamos: dengosas, dengosas, dengosas...Um som melodioso para descrever dois amantes, caminhando, lado a lado, mãos presas, pés descalços sobre a areia da praia, sob o sol tépido de Fevereiro…Corremos a ir buscar o dicionário! Mas quê?! Os nossos olhos não o poderiam verdadeiramente crer! Esfregamo-los e relemos cuidadosamente! Mas não: os nossos olhos não nos apresentavam uma falaz realidade. Dengoso é um adjectivo que verdadeiramente significa manhoso, astuto, efeminado, adamado…

Oh diabo! – pensamos nós. O que queria o Sr. José Eduardo Moniz dizer com passadas curtas, lentas e sobretudo dengosas? Dois cenários esboçamos no ar. Primeiro cenário, primeiro significado da palavra dengoso - astuto: o Sr. José Eduardo Moniz, ocultamente, fugidiamente, de binóculos, à distância, voyeur, espreitava os astutos namorados em pleno atentado ao pudor público nalgum recanto privado da praia. Reflectimos. Não, não o poderia ser. O Sr. José Eduardo Moniz afirmava que os namorados davam passadas; logo, o cenário um foi eliminado. Passamos ao cenário dois, segundo significado da palavra dengoso – efeminado: imaginamos então não o Sr. José Eduardo Moniz, mas dois gays, passeando na praia, de mãos dadas, sobre a areia da praia, sob o sol tépido de Fevereiro…E todo o idílio foi-se. O leitor não queira julgar malvadamente aquilo que dizemos: o que pretendo afirmar é que um «Romeu e Julieta» não é a mesma coisa que um «Romeu e José Maria». Uma coisa nos pareceu clara, no entanto: o Sr. José Eduardo Moniz não parece talhado para a descrição de cenas românticas.

Continuemos, pois, na análise do exórdio literário do Sr. José Eduardo Moniz. Continuando ainda a sua descrição literária de Cascais, sua excelência termina, concluindo da forma que em seguida se transcreve:

«É um belo País este. Pena assemelhar-se a um queijo suíço com tanto problema e frustração a escavarem buracos na confiança de quantos vivem aqui».

Ah! sublime comparação! Portugal: um queijo suíço! Ora aí está como se faz um exórdio literário: o sol banhando os rostos; a luz afagando a areia da praia, doirando a água; os enamorados passeando, de mão enlaçada; os cãezinhos pulando alegremente; os velhos recordando, nostalgicamente, outros tempos, perdidos nas brumas da memória – e Portugal, entre todo esse cenário deleitoso, um queijo suíço! Um cenário pitoresco, V. Ex.ª! É assim que V. Ex.ª inicia a análise dos factos do País, contrastando um belo dia de sol de Cascais com um queijo esburacado que pretende V. Ex.ª que seja a metáfora da imagem do País. Há subtileza, V. Ex.ª! Há subtileza nas suas palavras! Requinte!

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Problemas no Far-East

Depois da revolta popular na Tunísia e da revolta popular (?) no Egipto, voltemos agora a nossa atenção para o extremo oriente, mais concretamente para a fronteira sul da Tailândia, com o Cambodja.



Com efeito, esta fronteira não está plenamente definida, tendo havido disputas territoriais, aparentemente insignificantes (até devido à extensão em causa, cerca de 6 km) mas que criaram um conflito entre estes dois países, e que está a escalar tendo, segundo os jornais da Tailândia, já causado a morte a 64 soldados cambojanos, enquanto no Camboja jornais afirmam que há 30 vítimas mortais entre as forças tailandesas.

Apesar de ainda no dia 5 ser notícia por aqueles lados que se tinha alcançado o cessar-fogo, na manhã de ontem verificou-se novo tiroteio entre as forças de ambos os países, junto a um histórico templo hindu, que já foi danificado. Mais grave que isso será a situação de milhares de deslocados de ambos os lados que se viram forçados a abandonar as suas casas,
Estes países, em especial a Tailândia, são fundamentais para a estabilidade de uma área do globo, palco da parte quente da guerra-fria. A ofensiva tailandesa (o complexo em questão está há décadas sob soberania cambodjana, apesar de nunca reconhecida pela Tailândia) será em grande medida para consumo interno, de forma a obviar a tensão que ainda persiste, e que tinha eclodido em 2010, com militares na rua e governos a cair.
Não esqueçamos que muitos dos países do sudoeste asiático – Vietname, Laos, Cambodja (já para não falar da Birmânia) – não possuem democracias consolidadas, decorrência da influência política soviética e chinesa, pelo que um conflito pode por em perigo as frágeis instituições que se começavam a afirmar. Portugal que possui agora assento no Conselho de Segurança da ONU pode aproveitar a oportunidade para chamar a atenção da comunidade internacional para este conflito, reabilitando diplomaticamente a nossa influência de mais de cinco séculos naquela parte do globo.

Antes de terminar fica a nota que vai surgir um novo país em África – conforme já tínhamos previsto aqui, o resultado do referendo no Sudão do Sul foi claramente pela independência, o que, caso Cartum reconheça, dará origem ao mais novo Estado, pondo fim a um conflito de há décadas e abrindo uma janela de oportunidade para outras regiões martirizadas, como o Darfur.



Uma palavra final para o Dr. Carlos: no nosso último post imputamos-lhe uma opinião que ele não tinha relativamente à revolta egípcia. Pelo lapso, a gerência apresenta as suas desculpas.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Reflexão

As considerações sobre o destino e coincidências da vida assolam frequentemente os espíritos reprimidos da sociedade padronizada. Seguimo-nos tanto uns aos outros, os exemplos alheios, os modelos vistos e revistos, escolhidos a dedo pela influência da evolução dos tempos, que cremos ser melhor existir um espaço da nossa própria vida que não possamos controlar. Então acreditamos no destino, escrito, igualmente definido tal como a roupa que vestimos e as comidas saudáveis que evitamos, mas compondo uma parte de nós que nos há-de sempre surpreender.

Cedemos face aos mais básicos instintos de protecção e afeição e enrolamo-nos nos próprios pés por sentir sempre que nada acontece por acaso, que há sempre um motivo maior para errarmos ou fazermos as escolhas menos adequadas. Então crescemos e suportamos o peso da insuficiência do nosso carácter, das falhas humanas e geralmente compreensíveis, porque tudo se tolera, porque visões mais abertas do mundo fazem de nós pessoas fora do sistema, fora da regra e, aparentemente, mais aptas a amar e a ser amadas. Esperamos lidar sempre com essas pessoas, mais moles, mas visionárias.

Mas vem uma e outra hipótese de assumir as borradas que nos polvilham a história e parecemos sempre verdes demais para o fazer, repetimos na nossa cabeça “Hoje não… Ainda não estou preparado para o que aí vem, vou pensar melhor.” E passa-se um mês, um ano ou vários e nada se esquece, só o que é bom, essas memórias, as que nos fazem sentir os melhores do mundo, essas escolhem outros caminhos e desaparecem para dar lugar a outras nem sempre tão boas e vamos confiando que é destino.

Somos mais fracos, confusos e cobardes do que nos tentamos convencer. Mesmo quando agimos segundo a lógica do correcto, de acordo com a forma de dever ser que a ordem normal das coisas nos impõe, temos sempre uma ampla margem para fugir do ideal. E, quando estamos já confortáveis com os pequenos delitos que vamos registando no nosso cadastro, quando já lhes arranjámos uma caixa bonita que há-de estar sempre fechada e arrumada num cantinho qualquer do nosso sótão, o curso da vida espeta-nos duas lambadas bem fortes no meio da cara e desarruma tudo outra vez, só para termos de voltar a olhar para o que está dentro das malditas caixas e experimentar a sensação de darmos de frente com o que de pior já fomos.

Um dia qualquer, quando soubermos já o que no fundo crescemos com a arrumação periódica das caixas e o que aprendemos com a esfrega regular das manchas do nosso percurso, decidimos pegar nelas, expor para todos verem e rezar para que sejamos todos mais visionários do que um dia fomos porque, no fundo, faz parte do destino.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Um cantinho na Assembleia da República plantado...

Esta semana o actual Ministro dos Assuntos Parlamentares e dirigente nacional do PS, Jorge Lacão, teve uma ideia e decidiu expô-la publicamente. Até aqui, nada de anormal. Mas vejamos. A sua ideia traduziu-se numa alteração à lei eleitoral de modo a que o número de Deputados que temos na Assembleia da República fosse diminuído. E, surpreendentemente ou não, quase todos, exceptuando a bancada social-democrata, lhe caíram em cima, inclusivé os seus próprios pares partidários.

A Constituição da República Portuguesa, na sua versão originária de 1976, previa que a Assembleia da República, órgão de soberania de natureza, por excelência, legislativa, possuísse entre 245 e 250 Deputados. Todavia, o PSD, há pouco mais de uma década, forçou a redução do número de Deputados, tendo na revisão constitucional de 1997, o número descido para o mínimo de 180 e o máximo de 230 Deputados (de acordo com a redacção actual do art.º 148.º da Constituição da República Portuguesa).

Jorge Lacão tentou reabrir o debate da necessidade da diminuição do número de Deputados no nosso Parlamento, afirmando que em vez dos actuais 230 Deputados, deveríamos ter antes 180. Mas logo foi calado por membros do seu próprio partido que reforçaram que não tencionam apresentar nem viabilizar qualquer iniciativa que vise pôr em causa o número de Deputados existentes no Parlamento. Foi ainda referido que esta atitude de Lacão tinha sido manifestada a título meramente pessoal, não vinculando, por conseguinte, nem o Governo nem a bancada do PS.

Recorde-se que Lacão demonstrou esta necessidade de reformar o sistema eleitoral, de modo a que se operasse uma revitalização da credibilidade dos políticos. Aproveitando esta abertura de Lacão, Passos Coelho ergueu a sua voz na defesa de um sistema misto no qual os eleitores votariam em 2 boletins. Num, votar-se-ia em círculos mais pequenos, passando os eleitores a escolher os seus Deputados e a ordem pela qual seriam eleitos; num outro, o do círculo nacional, as direcções partidárias decidiriam a ordenação dos candidatos. Ademais, o próprio líder da bancada parlamentar do PSD, Miguel Macedo, escreveu na passada quinta-feira a Lacão e a Francisco Assis, líder parlamentar socialista, apelando a um entendimento para a redução do número de Deputados. Nesta carta, Macedo exorta os socialistas à subscrição dum projecto de lei conjunto entre PSD e PS que conduza a tal redução. Este acordo será necessário, dado que, para que o sistema eleitoral possa ser alterado, serão necessários 2/3 dos Deputados para a sua concretização.

Caríssimos, necessitamos de Deputados para que todos os portugueses possam estar representados em tão importante órgão como o é a Assembleia da República, não afirmo o contrário. Todavia, será que necessitaremos assim de tantos? É óbvio que não! Desde 2000 que estão na gaveta 3 estudos sobre um novo sistema eleitoral com círculos uninominais, mais um círculo nacional para balancear eventuais distorções. Todos estes estudos indicam como número indicado para nos representar na Assembleia da República 90 ou 95 Deputados. Mas atentemos a exemplos práticos também: se França possui cerca de 60 milhões de habitantes e tem cerca de 530 Deputados, na mesma proporção deveríamos ter 88 Deputados. Para além disso, a nossa própria Constituição indica-nos que os limites são 180 e 230 Deputados. Então porque é que temos justamente o máximo legalmente permitido de Deputados na nossa Assembleia da República? Se se previsse um limiar máximo de 6000 Deputados, nós logo decidíramos pelos 6000?

Caríssimos, quem paga as respectivas remunerações aos Deputados são todos os contribuintes e numa altura de contenção económico-financeira como a presente, e já que até se reduzem salários, porque é que não se pode também reduzir o número de Deputados? Só não vê quem não quer ver, e não é que é verdade?

A vida está má, está! Até para os marqueses!

sábado, 5 de fevereiro de 2011

A Governação Económica da Zona Euro

A Sra. Angela Merkel e o Sr. Sarkozy pretendem o reforço da coordenação da política económica da Zona Euro. Para isso, propõem o chamado «Pacto da Competitividade» pelo qual se estabelecerá um reforço da coordenação entre os governos da Zona Euro no domínio das políticas laborais, fiscais, de segurança social e de endividamento. O Pacto será discutido na reunião do Conselho Europeu, embora tenho sido antecipadamente apresentado ao Presidente da Comissão Europeia, o Sr. Barroso, no seu encontro com a Sra. Merkel em Meseberg, há cerca de duas semanas atrás.

Contextualizemos. É conhecido que o Sr. Barroso, autonomamente, partilhando por exemplo da opinião do Sr. Trichet, é favorável ao aumento e flexibilização do Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FEEF). Ora, a Sra. Merkel, segundo consta, irou-se quando o Sr. Barroso consultou apenas o seu crânio para escarrapachar nas páginas dos jornais europeus este facto. O rendezvous do Sr. Barroso e da Sra. Merkel em Meseberg serviu, pois, para os dois conversarem e dirimirem diferenças.

Mas este rendezvous serviu sobretudo para mais uma demonstração do poder da Alemanha. Numa altura em que o debate político europeu se centrava na necessidade de reforçar e flexibilizar o FEEF por iniciativa do Sr. Presidente da Comissão Europeia, o rumo foi invertido: o que se discute agora é sobretudo o Pacto, ou seja, a Alemanha retirou a iniciativa política das mãos da Comissão e colocou-a novamente nas mãos do Eixo Paris-Berlim, guiando a política da União segundo as suas conveniências. O Financial Times avança, é certo, que os líderes europeus estão prestes a vincular o seu compromisso no reforço e flexibilização do Fundo. Mas isto era uma inevitabilidade: e a introdução do debate do Pacto só pode ser considerada uma vitória de Berlim e mais uma derrota da Comissão. E este facto não passou ao lado do Sr. Barroso que saiu insatisfeito da reunião da Sra. Merkel, sentindo que as instituições europeias, nomeadamente ele, estão a ser marginalizadas neste processo. O Sr. Barroso, de resto, não se coibiu de criticar o método alemão, dizendo no Parlamento Europeu: “Ouvimos algumas com autoridade nesta matéria defender o aprofundamento da governação económica, mas ao mesmo tempo afirmando que isso só pode ser feito através do método intergovernamental”.

Mas será o Pacto da Competitividade benéfico para a Zona Euro? Antes de mais, caso a iniciativa se concretize – este será um passo histórico na integração europeia. Até agora, sempre se procurou um maior reforço da coordenação das políticas económicas dos Estados-Membros. Debalde. Este é, aliás, um dos calcanhares de Aquiles da construção europeia que sempre foi apontado por um dos seus mais eminentes actores, o Sr. Jacques Delors. Portanto, a ideia em si é louvável. Uma das causas que está na origem da presente crise de dívida pública soberana é a evidente diferença de estádios de desenvolvimento da Zona Euro: entre o centro e a periferia. E uma União política e uma União Monetária, não poderão subsistir sem uma maior União Económica.

Os termos, porém, da proposição franco-alemã não merecem a nossa concordância. Em primeiro lugar, esta proposta é uma reprovação tácita da política de austeridade que foi escolhida pela própria Alemanha: é a Alemanha castigando a própria Alemanha. Com efeito, desde Maio do ano passado, com o resgate europeu à Grécia, que a via europeia de resolução da crise do euro escolhida pela Alemanha fora a austeridade. Ora, o «Pacto da Competitividade» representa a via oposta daquela que fora escolhida e que muitas críticas mereceu na altura por não levar em suficiente conta a necessidade do reforço da coordenação e competitividade na Europa. A Alemanha faz, portanto, marcha-atrás no seu próprio plano.

Em segundo lugar, é um Pacto restrito à Zona Euro e não a toda a União Europeia. Ou seja, os países que não integram a União Monetária não serão abrangidos pela estratégia do Pacto. Se o objectivo do Pacto é evitar as divergências de políticas, de crescimento, de sustentabilidade, de endividamento na União Europeia, porquê aplicá-lo apenas à Zona Euro? Se até agora tivemos uma Zona Euro a crescer a duas velocidades diferentes, deveremos continuar a fazer essa distinção? Desta vez entre a Zona Euro e os restantes membros?

Em terceiro lugar, como foi reconhecido pelo Sr. Presidente da Comissão Europeia, as instituições europeias foram completamente desprezadas no tratamento desta matéria. Ao contrário da Iniciativa do «Semestre Europeu» que será controlado pela Comissão, este Pacto seria fiscalizado pelo Eurogrupo. Esta questão levanta problemas de legitimidade: a fiscalização ocorrer pela Comissão ou pelo Eurogrupo não é indiferente. A Comissão é escolhida pelos Estados-Membros, e ratificada pelo Parlamento Europeu, cujos deputados são escolhidos pelos europeus.

O Pacto é, de facto, positivo mas a Alemanha lança-o pelas razões erradas: por motivos calculistas e coactivos: respectivamente pelo seu calendário eleitoral e por ser a contrapartida indispensável ao reforço do FEEF.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Humores à 6a - Coelho

O tema destes humores de 6a é o coelho, em respeito pelo novo ano chinês. Passemos então aos contributos deste painel opinativo:


Por Carlos Jorge Mendes:

Bem conscientes da estratégia de Lord Nelson, escapulimo-nos furtivamente e não falamos do Pedro Passos. Falamos antes de um Coelho que emergiu bem mais alto desde 23 de Janeiro: o futuro presidente do Governo Regional da Madeira: o José Manuel. Isto sim é um Coelho! E matamos dois coelhos duma cajadada só: não falamos do Coelho do PSD e ainda por cima conseguimos atacar o PSD. Aqui fica então o que essa gente da Madeira fez ao nosso querido José Manuel.



Por Letícia, a Marquesa:

Dada a conjuntura actual, hoje não estamos para humores. Portanto, falemos de coisas sérias e abramos os olhos enquanto é tempo! Eis aqui o futuro próximo de Portugal, se Deus quiser! Basta de hipocrisia e cinismo. Vamos dar Passos até à retoma económico-financeira e até à estabilidade das famílias e das empresas portuguesas. Coelho, precisamos de ti!



Eu sei que Deus vai querer...

" Barómetro aponta para vitória clara do PSD nas legislativas

Se as eleições legislativas fossem hoje, o PSD ganhava com 46 por cento, 20 pontos à frente do PS, revela o Barómetro da Marktest para a TSF e Diário Económico", in TSF, 23/01/2011."

Por Madame de Pompadour:




"Há coelhos e coelhos...os do nosso querido País são extremamente aborrecidos frente ao coelho dos coelhos. Qual dos Coelhos portugueses tem uma Jessica como a de Roger? KO!"

E, finalmente, por Lord Nelson:

Aqui fica a prova que os coelhos, apesar de fofinhos, batem nas víboras que por aí rastejam...

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

O Ano do Coelho


O leitor menos atento às questões orientais talvez não saiba mas o calendário chinês entrou esta semana no ano do Coelho.

Segundo os chineses, o ano do Coelho será “auspicioso, cheio de felicidade e riqueza”. Deste signo diz-se ser o mais sortudo, já que simboliza a longevidade, graciosidade, boas maneiras, bondade, sensibilidade e beleza. Só coisas boas.
Em Portugal, pelo menos o ano não promete ser de riqueza… Mas esperamos que o ano seja cá também do Coelho! Mas para a coisa voltar ao caminho da riqueza vai ser preciso mutio mais que graciosidade, boas maneiras, bondade, sensibilidade. Será necessário que o Coelho que por cá andar comece urgentemente a cortar as gorduras que existem na nossa toca.

Permitimo-nos relembrar que no último Prós e Contras a Sra. Ministra da Educação referiu que um aluno do ensino básico e secundário custa ao erário público cerca de € 3.500 anuais. Ora tal gasto (e a qualidade do output resultante só demonstra como a escola pública é um autêntico sorvedouro de dinheiro, sendo igualmente responsável (no básico e secundário, reafirmamos) por desigualdade social: as famílias mais abonadas enviam os seus rebentos para colégios privados, alguns deles mesmo escolas de elite, restando às outras enviar os seus filhos para a pública porque não há dinheiro para mais (talvez também devido ao confisco (já não são impostos) existente por parte do Estado.

Convenhamos que podendo bem os privados desempenhar essa função, ter o Estado presente apenas serve para gastar dinheiro a rodos e continuar desigualdades. Porque não adoptar o sistema do cheque ensino? O PREC já lá vai, entramos no ano do Coelho, é hora… Não se esqueçam que o socialismo só dura enquanto durar o dinheiro dos outros!
Para não nos acusarem de sectarismo ideológico, fica aqui a comunicação dos Homens da Luta, dirigida aos leitores mais às esquerdas!

Uma última palavra para o que se passa no Egipto: ao contrário do que já foi afirmado neste espaço, (“o pensamento do povo árabe não se dirige ao radicalismo religioso, à corrupção, dirige-se sim à aspiração da liberdade, da dignidade do homem, da democracia”) as democracias europeias fazem muito bem em olhar com desconfiança o que se passa no mundo islâmico. Se olharmos para a história recente, a última autocracia que caiu por uma revolução popular foi no Irão, onde um Xã pró-Ocidental foi substituído por uma teocracia islâmica nada meiga.
No Egipto ainda não se sabe quem anda a orquestrar as manifestações. Sabe-se sim (até pelos recentes atentados contra igrejas coptas) que os movimentos mais radicais estão a ganhar força. Convém também não esquecer que a Tunísia foi na década de 80 do século passado destino de eleição para refugiados do Hamas, e que, no vácuo político que por lá se vive, podem eles (e os seus correligionários) assumir uma posição chave.

Cautelas e caldos de galinha… Não é líquido que estas revoluções sejam pela liberdade, pelo menos a liberdade entendida à Ocidente.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Revolução no Egipto (II)

Acontecimentos extraordinários se desenrolam neste inicio de século. Inesperadamente, o mundo árabe é sacudido por um espontâneo movimento popular sedento de liberdade, cansado do jugo opressor dos seus ditadores. Da particularidade de todos estes acontecimentos, um em especial espanta-me: não são os grandes mestres intelectuais forjando a teoria, carpindo o sistema, polindo as argumentações. É um trabalho decerto grandioso esse por onde se erguem as bases intelectuais das revoluções – grandioso, mas frio o trabalho de dispor a argumentação na mais perfeita lógica: não é feito por entre a multidão que se agita revolucionariamente nas praças, por entre os seus gritos, por entre as suas ânsias, por entre os seus ideais, as suas aspirações: é feito solitariamente no office, rodeado de livros, no silêncio. Não é um sentimento que nasce instantaneamente, não é coração que imediatamente o pressagia: é o cérebro labutando duramente, continuamente, inflexivelmente. Mas tão grande ou maior ainda que este trabalho dos intelectuais é o trabalho do povo: aqueles pensam as revoluções; estes executam-nas. E poderá conceber-se empreendimento mais nobre, mais puro do que este? Não é o crânio que espremidamente raciocina, calcula, abstrai para encontrar a perfeição dos argumentos: - é antes o coração que a sente, que aspira: e o sentimento que lhe surge automaticamente, sem essas complexas lides do raciocínio é a aspiração da liberdade.



Não há aqui Washington ou Jefferson como na Guerra da Independência dos Estados Unidos. Não há Voltaire, Diderot ou Montesquieu, nutrindo e aquecendo o movimento intelectual da Revolução Francesa; não há Kelsen, Jellinek ou Preuss, arquitectando Weimar. Terão os Egípcios lido o «L’esprit des lois»? Terão os Egípcios lido o ensaio «On the Essence and Value of Democracy»? Decerto, não. E, no entanto, ei-los, aspirando à democracia, à liberdade. Os egípcios apontam apenas para os simples tunisinos que lhes demonstraram o poder do povo, unido em torno dum ideal. E que papel tem o Ocidente nisto? Até agora um papel discreto, tímido, envergonhado. A Política não se compadece com o calor das Revoluções; mas os egípcios apenas sentem a presença dos Estados Unidos pelo gás lacrimogéneo que lhes é arremessado pelas forças de segurança com a inscrição «Made in USA». Isto, porém, parece estar a mudar. Gostaria de acreditar que tal se deveria ao apoio a um espontâneo ao Povo que reivindica os seus direitos, e não pela inevitabilidade das circunstâncias nas quais parece que esta Revolução irá terminar e que obrigam a um posicionamento táctico. O Presidente Obama fala já abertamente na necessidade de uma transição pacífica – uma menção clara à saída do Sr. Mubarak de forma a que se inicie, desde já, a construção do futuro do Egipto. O Sr. John Kerry, Presidente da Comissão das Relações Externas do Senado dos EUA, num artigo no New York Times, exulta à saída do Sr. Mubarak. Mas e a Europa? Temos ouvido falar da posição da Europa? Da Sra. Catherine Ashton? Não é ela a Alta Representante da União para os Negócios Estrangeiros? A União não tem opinião sobre os acontecimentos do Egipto? Não tem ela opinião?

As Revoluções comportam, porém, os seus riscos: e esta não está isenta de perigos para o Ocidente. O Povo manifesta a sua vontade: mas, embora em pouco número – há movimentos radicais extremistas no Mundo árabe. E movimentos desejosos de capturar o poder. As regiões vizinhas, como a Líbia, por exemplo, procurando evitar que semelhantes revoluções ecludam no seu território, sentir-se-ão tentadas a fomentar a desestabilização da revolução. Por isso, o Ocidente tem um papel neste novo mundo árabe que emerge: protegê-lo.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

In Memoriam





“Há já uns poucos de dias que tinha a ideia de escrever para mim estas notas intimas, desde o dia 1 de Fevereiro de 1908, dia do horroroso atentado no qual perdi barbaramente assassinados o meu querido Pae e o meu querido Irmão. Isto que aqui escrevo é ao correr da pena mas vou dizer franca e claramente e também sem estilo tudo o que se passou. Talvez isto seja curioso para mim mesmo um dia se Deus me der vida e saúde. Isto é uma declaração que faço a mim mesmo. Como isto é uma historia intima do meu reinado vou inicia-la pelo horroroso e cruel atentado.

No dia 1 de Fevereiro regressavam Suas Magestades El-Rei D. Carlos I a Rainha a senhora D. Amélia e Sua Alteza o Principe Real de Villa Viçosa onde ainda tinha ficado. Eu tinha vindo mais cedo (uns dias antes) por causa dos meus estudos de preparação para a Escola Naval. Tinha ido passar dois a Villa Viçosa tinha regressado novamente a Lisboa.
(…)
Esperamos muito tempo; finalmente chegou o barco em que vinham os meus Paes e o meu Irmão. Abracei-os e viemos seguindo até a porta onde entramos para a carruagem os quatro. No fundo a minha adorada Mãe dando a esquerda ao meu pobre Pae. O meu chorado Irmão deante do meu Pae e eu deante da minha mãe. Sobretudo o que agora vou escrever é que me custa mais: ao pensar no momento horroroso que passei confundem-se-me as ideias. Que tarde e que noite mais atroz! Ninguem n'este mundo pode calcular, não, sonhar o que foi. Creio que só a minha pobre e adorada Mãe e Eu podemos saber bem o que isto é! vou agora contar o que se passou n'aquella historica Praça.

Sahimos da estação bastante devagar. Minha mãe vinha-me a contar como se tinha passado o descarrilamento na Casa-Branca quando se ouvio o primeiro tiro no Terreiro do Paço, mas que eu não ouvi: era sem duvida um signal: signal para começar aquella monstrosidade infame, porque pode-se dizer e digo que foi o signal para começar a batida. Foi a mesma coisa do que se faz n'uma batida às feras: sabe-se que tem de passar por caminho certo: quando entra n'esse caminho dá-se o signal e começa o fogo! Infames! Eu estava olhando para o lado da estatua de D. José e vi um homem de barba preta , com um grande "gabão". Vi esse homem abrir a capa e tirar uma carabina. Eu estava tão longe de pensar n'um horror d'estes que me disse para mim mesmo, sabendo o estado exaltação em que isto tudo estava "que má brincadeira". O homem sahiu do passeio e veio se pôr atraz da carruagem e começou a fazer fogo.
Quando vi o tal homem das barbas que tinha uma cara de meter medo, apontar sobre a carruagem percebi bem, infelizmente o que era. Meu Deus que horror. O que então se passou só Deus minha mãe e eu sabemos, porque mesmo o meu querido e chorado Irmão presenceou poucos segundos porque instantes depois também era varado pelas balas. Que saudades meu Deus! Dai-me a força Senhor para levar esta Cruz, bem pesada, ao Calvário! Só vós, Meu Deus sabeis o que tenho sofrido!
Logo depois do Buíça ter feito fogo (que eu não sei se acertou) começou uma perfeita fuzilada, como numa batida às feras! Aquele Terreiro do Paço estava deserto nenhuma providência! Isso é que me custa mais a perdoar ao João Franco. Se durante o seu ministério sobretudo na parte da ditadura cometeu erros isso para mim é menos. Tenho a certeza que a sua intenção era muito boa; os meios é que foram maus, péssimos, pois acabou da maneira mais atroz que jamais se poderia imaginar. Quando se lhe dizia que isto ia mal que havia anarquistas no nosso País ele não acreditou. O primeiro sintoma que eu me lembro de ter havido foi a explosão daquelas bombas na Rua de Santo António à Estrela. Recordo-me perfeitamente a impressão que me fez quando soube! Foi no Verão estávamos então na Pena. Quem me diria o que havia de acontecer 6 ou 8 meses depois! Mas voltando novamente ao pavoroso atentado.
(…)
Imediatamente depois do Buíça começar a fazer fogo saiu de debaixo da Arcada do Ministério um outro homem que desfechou uns poucos de tiros à queima-roupa sobre o meu Pai; uma das balas entrou pelas costas e outra pela nuca, que O matou instantaneamente. Que infames! para completarem a sua atroz malvadez e sua medonha covardia fizeram fogo pelas costas. Depois disto não me lembro quase do resto: foi tão rápido! Lembra-me perfeitamente de ver a minha adorada e heróica Mãe de pé na carruagem com um ramo de flores na mão gritando àqueles malvados animais, porque aqueles não são gente «infames, infames».

A confusão era enorme. Lembra-me também e isso nunca poderei esquecer, quando na esquina do Terreiro do Paço para a Rua do Arsenal, vi o meu Irmão em pé dentro da carruagem com uma pistola na mão. Só digo d'Ele o que o Cónego Aires Pacheco disse nas exéquias nos Jerónimos: «Morreu como um herói ao lado do seu Rei»! Não há para mim frase mais bela e que exprima melhor todo o sentimento que possa ter.

Meu Deus que horror! Quando penso nesta tremenda desgraça, ainda me parece um pesadelo!
Quando de repente já na Rua do Arsenal olhei para o meu queridíssimo Irmão vi-O caído para o lado direito com uma ferida enorme na face esquerda de onde o sangue jorrava como de uma fonte! Tirei um lenço da algibeira para ver se lhe estancava o sangue: mas que podia eu fazer? O lenço ficou logo como uma esponja.
(...)
No meio daquela enorme confusão estava-se em dúvida para onde devia ir a carruagem: pensou-se no hospital da Estrela, mas achou-se melhor o Arsenal. Eu também, já na Rua do Arsenal fui ferido num braço por uma bala. Faz o efeito de uma pancada e um pouco uma chicotada: foi na parte superior do braço direito.”


D. Manuel II, in “Notas absolutamente íntimas"

Porque há que nunca esquecer que a república, antes de nascer, já estava banhada em sangue!