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sábado, 5 de fevereiro de 2011

A Governação Económica da Zona Euro

A Sra. Angela Merkel e o Sr. Sarkozy pretendem o reforço da coordenação da política económica da Zona Euro. Para isso, propõem o chamado «Pacto da Competitividade» pelo qual se estabelecerá um reforço da coordenação entre os governos da Zona Euro no domínio das políticas laborais, fiscais, de segurança social e de endividamento. O Pacto será discutido na reunião do Conselho Europeu, embora tenho sido antecipadamente apresentado ao Presidente da Comissão Europeia, o Sr. Barroso, no seu encontro com a Sra. Merkel em Meseberg, há cerca de duas semanas atrás.

Contextualizemos. É conhecido que o Sr. Barroso, autonomamente, partilhando por exemplo da opinião do Sr. Trichet, é favorável ao aumento e flexibilização do Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FEEF). Ora, a Sra. Merkel, segundo consta, irou-se quando o Sr. Barroso consultou apenas o seu crânio para escarrapachar nas páginas dos jornais europeus este facto. O rendezvous do Sr. Barroso e da Sra. Merkel em Meseberg serviu, pois, para os dois conversarem e dirimirem diferenças.

Mas este rendezvous serviu sobretudo para mais uma demonstração do poder da Alemanha. Numa altura em que o debate político europeu se centrava na necessidade de reforçar e flexibilizar o FEEF por iniciativa do Sr. Presidente da Comissão Europeia, o rumo foi invertido: o que se discute agora é sobretudo o Pacto, ou seja, a Alemanha retirou a iniciativa política das mãos da Comissão e colocou-a novamente nas mãos do Eixo Paris-Berlim, guiando a política da União segundo as suas conveniências. O Financial Times avança, é certo, que os líderes europeus estão prestes a vincular o seu compromisso no reforço e flexibilização do Fundo. Mas isto era uma inevitabilidade: e a introdução do debate do Pacto só pode ser considerada uma vitória de Berlim e mais uma derrota da Comissão. E este facto não passou ao lado do Sr. Barroso que saiu insatisfeito da reunião da Sra. Merkel, sentindo que as instituições europeias, nomeadamente ele, estão a ser marginalizadas neste processo. O Sr. Barroso, de resto, não se coibiu de criticar o método alemão, dizendo no Parlamento Europeu: “Ouvimos algumas com autoridade nesta matéria defender o aprofundamento da governação económica, mas ao mesmo tempo afirmando que isso só pode ser feito através do método intergovernamental”.

Mas será o Pacto da Competitividade benéfico para a Zona Euro? Antes de mais, caso a iniciativa se concretize – este será um passo histórico na integração europeia. Até agora, sempre se procurou um maior reforço da coordenação das políticas económicas dos Estados-Membros. Debalde. Este é, aliás, um dos calcanhares de Aquiles da construção europeia que sempre foi apontado por um dos seus mais eminentes actores, o Sr. Jacques Delors. Portanto, a ideia em si é louvável. Uma das causas que está na origem da presente crise de dívida pública soberana é a evidente diferença de estádios de desenvolvimento da Zona Euro: entre o centro e a periferia. E uma União política e uma União Monetária, não poderão subsistir sem uma maior União Económica.

Os termos, porém, da proposição franco-alemã não merecem a nossa concordância. Em primeiro lugar, esta proposta é uma reprovação tácita da política de austeridade que foi escolhida pela própria Alemanha: é a Alemanha castigando a própria Alemanha. Com efeito, desde Maio do ano passado, com o resgate europeu à Grécia, que a via europeia de resolução da crise do euro escolhida pela Alemanha fora a austeridade. Ora, o «Pacto da Competitividade» representa a via oposta daquela que fora escolhida e que muitas críticas mereceu na altura por não levar em suficiente conta a necessidade do reforço da coordenação e competitividade na Europa. A Alemanha faz, portanto, marcha-atrás no seu próprio plano.

Em segundo lugar, é um Pacto restrito à Zona Euro e não a toda a União Europeia. Ou seja, os países que não integram a União Monetária não serão abrangidos pela estratégia do Pacto. Se o objectivo do Pacto é evitar as divergências de políticas, de crescimento, de sustentabilidade, de endividamento na União Europeia, porquê aplicá-lo apenas à Zona Euro? Se até agora tivemos uma Zona Euro a crescer a duas velocidades diferentes, deveremos continuar a fazer essa distinção? Desta vez entre a Zona Euro e os restantes membros?

Em terceiro lugar, como foi reconhecido pelo Sr. Presidente da Comissão Europeia, as instituições europeias foram completamente desprezadas no tratamento desta matéria. Ao contrário da Iniciativa do «Semestre Europeu» que será controlado pela Comissão, este Pacto seria fiscalizado pelo Eurogrupo. Esta questão levanta problemas de legitimidade: a fiscalização ocorrer pela Comissão ou pelo Eurogrupo não é indiferente. A Comissão é escolhida pelos Estados-Membros, e ratificada pelo Parlamento Europeu, cujos deputados são escolhidos pelos europeus.

O Pacto é, de facto, positivo mas a Alemanha lança-o pelas razões erradas: por motivos calculistas e coactivos: respectivamente pelo seu calendário eleitoral e por ser a contrapartida indispensável ao reforço do FEEF.

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