A mais bela, a mais pura e a mais duradoura glória literária de prosa da blogosfera

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domingo, 27 de fevereiro de 2011

Uns enganam, outros são enganados...

- Boa noite! Tenho o prazer de estar a falar com o Sr. XXX?
- Sim, é o próprio.
- Pois deixe-me dar-lhe os meus parabéns. Estou a ligar-lhe, porque foi o premiado do concurso XXX e, portanto, esta noite tem de vir levantar o seu prémio no XXX, pelas 21 horas.
- Não estou a ver do que se trata. Nunca ninguém dá nada a ninguém, isto não me está a cheirar bem!...
- Por amor de Deus, então você não é o Sr. XXX, que mora em XXX? Você não preencheu um cartãozinho que colocou numa tômbola no shopping XXX? O prémio era uma estadia de uma semana num hotel de turismo rural. Lembra-se?
- Sim, realmente estou a recordar-me.
- Justamente! E foi o vencedor! Por isso é que lhe estou a ligar. Tem de vir levantar o seu prémio hoje à noite, senão ele caduca.
- Ok, eu vou então levantá-lo.
- Não se esqueça! Senão perde a sua estadia e é uma pena, já viu?

O Sr. desliga o telemóvel e diz à mulher, uma pobre sexagenária que, depois de comerem a tradicional sopa (porque o dinheiro não dá para mais), vão ter de ir até XXX levantar o prémio que tinha ganho quando participou num concurso. Ele recorda-se agora de terem ido a um shopping comprar uma prendinha para dar à neta, pelo Natal. Deram-lhe um cartão que ele imediatamente preencheu e colocou numa tômbola. Uma estadia de uma semana num hotel, era este o prémio. Prémio cujo vencedor era ele mesmo. Ele nem queria acreditar. Logo ele, pessoa a quem a sorte nunca tinha batido à porta. Logo ele que se vira subitamente e em conjunto com a sua esposa, operários na mesma fábrica, no desemprego desde há já longos meses. Velhos demais para trabalhar, novos demais para se reformarem, a atravessar grandes dificuldades, com uma filha ainda a estudar na faculdade, vê-se como tendo sido o premiado daquela estadia. Logo após a sopa, lá vão até XXX para levantar o referido prémio.

Mal lá chegam, vêem montada uma grande tenda para a qual os convidam a entrar. São surpreendidos por uma grande tela onde inúmeras imagens de hotéis, paisagens idílicas e afins passam ininterruptamente. Muitas pessoas conversam descontraidamente até serem interrompidas por uma funcionária que os encaminha para algures atrás de uma porta de madeira.

Passados alguns minutos, o Sr. vê uma daquelas funcionárias e pergunta-lhe onde é que pode levantar o prémio que tinha ganho, porquanto lhe tinham ligado para casa para tal. A funcionária logo os conduz para um gabinete onde uma nova funcionária os convida a sentar. Depois de lhes mostrar um catálogo no qual vêem diversos hotéis onde poderão usufruir da estadia ganha, o Sr. é convidado a subscrever um cartão que, nas palavras da funcionária, "lhe proporcionará inigualáveis vantagens e descontos sempre que quiser gozar umas feriazinhas". E logo se apressa a esclarecer que para poder ganhar a citada estadia (então já não a tinha ganho?!), tem de subscrever o tal cartão.

Persuadido por todo aquele ambiente, por tão grandes benefícios e pela necessidade de subscrição para receber a tão desejada estadia, o Sr. assina o contrato de subscrição do cartão. A funcionária entrega-lhe o cartão e o bilhete da estadia.

Quando o Sr. chega a casa, observa os papéis que lhe foram entregues, dos quais consta um documento com umas letrinhas pequenas onde se pode ler: "considerando-se devedor da quantia de € 5.900”. Alarmado com a possibilidade de ter sido enganado, não consegue dormir, ansiando pela manhã para poder ir até casa da sua vizinha, uma advogada-estagiária que conhece desde pequena, pedir ajuda para resolver a sua situação.

Pois bem, ou pois mal, o Sr. efectivamente foi burlado, porque o convenceram através de engenhosos artifícios, a assinar um contrato de subscrição de um cartão, cartão esse com o preço de € 5.900. Com a assinatura de tal contrato, o Sr. tinha-se confessado devedor de tal quantia. Vejam só!

Conto-vos esta história da vida real para vos alertar para o perigo de telefonemas que nos fazem, alegando precisarmos de nos dirigir a determinado lugar para levantarmos um qualquer prémio. Lembrem-se que ninguém dá nada a ninguém e que, sobretudo em tempos de crise como a que vivemos, é preciso ter olho vivo e pé ligeiro. De notar também que, se mesmo assim, caírem eventualmente no conto do vigário, têm sempre 14 dias, após a assinatura de qualquer contrato de compra/venda de bens de consumo, tal como este, para os resolver, sem necessidade de invocarem justa causa. Apesar desta protecção legal, muitos nem se apercebem do que acabaram de fazer e obviamente deixam passar o prazo de possibilidade de resolução imediata do contrato. Só quando começam a ser inundados de cartas para regularizarem as suas dívidas emergentes de tais contratos ou quando começam a ver os seus bens penhorados, dado que se confessaram devedores de certa quantia, é que se dão conta da embrulhada em que se colocaram.

Muitas outras histórias podia contar-vos, acreditem. Mas esta já é bastante para ilustrar o quotidiano de muitos portugueses. Uns enganam, outros são enganados!

A vida está má, está! Até para os marqueses!

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