A mais bela, a mais pura e a mais duradoura glória literária de prosa da blogosfera

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quarta-feira, 31 de agosto de 2011

A Sua Excelência, o Sr. Ministro das Finanças

Reunido ontem em Conselho de Ministros, o Governo aprovou ontem a estratégia orçamental para os próximos anos. Hoje, o Ministro das Finanças apresenta em conferência de imprensa as grandes linhas orientadoras desse mesmo plano, aguardando-se que o Governo anuncie as suas propostas de redução da despesa.

As coisas chegaram a tal ponto que têm de ser os senhores favorecidos pela fortuna ou pelo seu trabalho a implorar que os tributem e que contribuam para os sacrifícios já que os Governos não têm coragem de o fazer. Pelo menos, assim o é nos Estados Unidos, na França ou na Alemanha. Em Portugal, o senhor detentor da maior fortuna em Portugal, considerou-se um simples assalariado. Vale-nos que, pelo menos, o Governo tenha a coragem de tributar os rendimentos mais elevados. O problema, porém, é que esses senhores são já pesadamente tributados em sede de IRS. Aquando do primeiro Programa de Estabilidade e Crescimento, o Sr. José Sócrates criou um oitavo escalão no IRS para quem auferisse um rendimento colectável médio do casal acima de 150.000 euros. Portanto, despido de preconceitos revolucionários, há que admitir que em sede de IRS, os mais favorecidos são já pesadamente tributados – actualmente 46,5%. Compreendo e admito, no entanto, que à luz dos sacrifícios que vêm sendo impostos que seja criado um imposto especial e extraordinário, ainda que simbólico uma vez que a sua importância prática em termos de receita é reduzida.

O que eu não compreendo é que o Governo anuncie um aumento no IRS e no IRC (como se prepara para fazer), e aquando da resolução de tributar o subsídio de natal, o Governo tenha deliberadamente excluído os dividendos e os juros dos depósitos. Em sua defesa, o Governo invocou que pretendia incentivar a poupança. Em minha defesa, eu replico ao Governo – e o trabalho não é para se incentivar? Ora, se sua excelência tributa extraordinariamente o trabalho, mas não tributa os juros de depósito porque pretende incentivar a poupança – então sua excelência, ao tributar o trabalho, por igualdade de razão, pretende incentivar o quê? A ociosidade?

A imprensa, adiantando-se ao Sr. Ministro das Finanças, vem já revelando algumas das medidas que o Governo pretende implementar. A imprensa de hoje noticia que o Governo pretende aumentar o IRS e o IRC e ainda reforçar o quadro das saídas no seio da Administração Pública.

Reforço das saídas na Administração Pública, Sr. Ministro? Então e uma agenda para o crescimento? Em que medida espera V. Ex.ª que o reforço das saídas na Administração Pública aumente a competitividade do País? Note V. Ex.ª: o anterior Governo já vinha reduzindo o quadro dos funcionários públicos – e a economia continuava estagnada. Não queremos dizer a V. Ex.ª que não deve reduzir o quadro de funcionários; o que lhe queremos dizer é que isso por si só não serve para resolver as debilidades da economia portuguesa. V. Ex.ª, através da redução do número de funcionários públicos, reduz os encargos com pessoal e, por conseguinte, reduz a despesa pública. Isto tem um efeito positivo sobre a redução do défice público. Mas qual é o impacto sobre o crescimento e a competitividade da economia? V. Ex.ª tem estado atento às notícias que circulam na imprensa mundial? O que mais preocupa hoje a economia mundial, é saber como pretendem as economias crescerem face à ameaça de uma double dip recession. É a inexistência de uma agenda para o crescimento que preocupa os mercados financeiros mundiais. Veja por exemplo as declarações da Sra. Lagarde que pede acção política imediata para que se evite que a economia mundial recaia numa nova recessão mundial (esqueçamos o facto de a Sra. Lagarde ter sido Ministra das Finanças da França durante grande parte do period da crise de dívida pública soberana, nada tendo feito, e que as suas palavras não sejam mais do que hipócritas e incoerentes). O que lhe pretendemos dizer, Excelência, é que o Senhor não tem nenhum plano coerente, lógico e uno que vise pôr a economia a crescer. Exemplo, excelência: a recente decisão de diminuir as indemnizações por despedimento. V. Ex.ª diminui as indemnizações por despedimento, mas aplica-o apenas aos novos contratos: os efeitos apenas serão sentidos daqui a dezenas de anos. Entretanto, as empresas que pretendam despedir os seus trabalhadores mais antigos do seu quadro e que são também os menos produtivos, não o fazem e se tiverem que reduzir o pessoal, despedem os trabalhadores abrangidos pela nova lei, ainda que sejam mais produtivos. De que forma se resolve o problema da competitividade da economia portuguesa? Não se resolve nos próximos anos; apenas se poderá aguardar por efeitos benéficos quando a esmagadora maioria dos contratos forem abrangidos pela nova lei. Até lá, a recompensa para os trabalhadores mais produtivos, permanence inexistente.

Por isso, rogamos a V. Ex.ª do nosso humilde canto: Excelência, não anuncie num mês aumentos de impostos, depois no mês seguinte, reduções da despesa, e no mês seguinte sabe-se lá bem o quê. V. Ex.ª feche-se no seu gabinete, tranque-o à chave, atire-a pela janela e desenhe um plano que permita reduzir o défice público, mas que respeite o crescimento e que promova uma agenda nesse sentido e que apresente esse plano concomitantemente.

domingo, 28 de agosto de 2011

Pobres dos ricos?

Com tamanha e tão profunda crise que estamos a vivenciar, os Governos estão a tomar medidas e mais medidas de forma a conseguirem aumentar a receita pública e diminuir a despesa pública.

Esta semana tomámos conhecimento de mais uma medida, desta feita tendo por objecto os rendimentos dos contribuintes "mais ricos".

Até aqui, muito bem. Afinal, os impostos sobre os rendimentos visam precisamente atenuar os fenómenos de desigualdade social e, em tempos de crise, "quem mais tem, mais deve contribuir para ajudar a fazer face à crise" e para que não sejam sempre os contribuintes com mais parcos rendimentos a ver os seus salários a ser mais tributados enquanto que os custos dos bens de consumo se elevam.

No entanto, não nos podemos esquecer que muitos rendimentos declarados não correspondem à realidade e que muitos portugueses afinal milionários não o são nas suas declarações de IRS. Posto isto de parte, somos de aplaudir esta medida que de corajosa tem pouco, atendendo ao facto de muitos milionários terem espontaneamente demonstrado que estão dispostos a ajudar a resolver (se é que é passível de resolução!) a crise, oferecendo-se para pagar mais impostos e requerendo que lhes sejam retiradas todas as isenções, deduções e benefícios fiscais que possuem. Isto mesmo aconteceu em França, tendo o Governo francês aprovado um imposto extraordinário para rendimentos acima dos 500 mil euros.

Espanha também se prepara para aumentar a pressão fiscal sobre os mais ricos, tendo a Ministra da Economia dado a entender que esta medida será decerto aprovada.

No nosso país, muitos são os milionários que rejeitam medidas similares às tomadas nos nossos congéneres europeus, escusando-se com o facto de "não serem ricos, mas meros assalariados", como é o caso de Américo Amorim, actualmente o homem mais rico de Portugal, e de Luís de Mello Champalimaud que considera que já no 25 de Abril existia a máxima de que "os ricos é que pagam a crise!" e que a solução deve passar antes por tornar mais eficaz e célere a justiça.

Julgamos ser mais defensável a tributação não apenas dos rendimentos, mas também dos patrimónios imobiliário e mobiliário que os contribuintes detêm. Porque há muitas manifestações de fortuna de indivíduos que apenas auferem no papelinho o salário mínimo nacional. Porque assim nunca mais conseguiremos ver a luz ao fundo do denso e longo túnel da crise.

A vida está má, está! Até para os marqueses!

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

A vitória das forças rebeldes na Líbia

A ocupação de Tripoli pelas forças rebeldes simboliza o fim do regime do Sr. Qadaffi. O curso da revolução é agora irreversível: alguns países que manifestaram a sua renitência às operações da NATO, apressam-se agora a intervir na Líbia sob pena de prejudicar os seus interesses económicos na região. É o caso da China e da Rússia que não obstante haverem aprovado no Conselho de Segurança da ONU a no flight zone, sempre assumiram uma postura de não ingerência nos assuntos internos de cada país. Também a Alemanha que não colaborou nas operações da NATO se mostra agora disposta a participar na reconstrução da Líbia.


O triunfo desta revolução sendo em primeiro linha um triunfo do povo líbio é também uma grande vitória do Sr. Sarkozy e do Sr. Cameron. Porque há que dizê-lo: a ambição democrática do povo líbio seria implacavelmente esmagada pelos mercenários do regime não fossem os ataques da NATO. Até à intervenção, o ímpeto do conflito parecia favorecer o regime do Sr. Qadaffi que marchava já sobre Benghasi. O Sr. Sarkozy e o Sr. Cameron foram os grandes impulsionadores da intervenção da NATO – não só em termos de operações no terreno, como em termos diplomáticos, garantindo o indispensável apoio do Conselho de Segurança, bem como da Liga Árabe. E agora com a aproximação do fim do conflito, Paris prepara já o futuro da Líbia, tendo o Sr. Sarkozy convocado uma conferência para se discutir uma contribuição financeira de emergência a favor do Conselho Nacional de Transição (CNT).
Foi pelo decisivo papel da NATO na revolução líbia que discordamos da posição de alguns analistas que vêem neste triunfo um novo alento para a Primavera Árabe, nomeadamente na Síria. Decerto que o triunfo do povo egípcio foi decisivo para o fomento do movimento democrático na Líbia. No entanto, na Síria as condições são diferentes: o exército permanece leal ao regime do Sr. Assad, reprimindo violentamente as manifestações democráticas do seu povo. E uma intervenção da NATO no território parece, para já, distante. Assim, abandonado à violenta repressão de um exército fiel ao regime, será difícil que a revolução triunfe.


Mas na Líbia há ainda muito trabalho a fazer. A revolução demoveu um tirano, não garantiu ainda a democracia. Esse é agora um trabalho para o qual muito terá que contribuir o CNT, composto, diga-se, por vários membros que duma ou outra forma estiveram ligados ao regime do Sr. Qadaffi. O seu presidente, o Sr. Mouspaha Abdeljalil, foi nomeado Ministro da Justiça em 2007. Mas sempre teve uma atitude crítica para com o regime, condenando as suas detenções arbitrárias e mantendo o seu espírito independente das ideias do regime. Também o Sr. Mahmoud Jibril, Presidente do Comité Executivo do CNT, e o rosto do CNT no encontro com o Sr. Sarlozy hoje, era Presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Económico da Líbia.

domingo, 21 de agosto de 2011

Breves notas confessionais

1 – Esta semana, pela 2.ª vez na minha vida, envolvei-me fisicamente num confronto com uma mulher. Eu que sou conhecida pela minha pacatez e calmaria. Não vou revelar o motivo, mas naqueles (longos?) instantes uma qualquer força maligna ter-se-á certamente apoderado de mim. A dor na alma é maior que a dor no corpo, todavia.

2 – O Sr. A. vem constantemente ao escritório saber se há novidades sobre o processo de indemnização em virtude de um acidente de trabalho que sofreu há 3 anos atrás. Ganhámos a indemnização, eles recorreram, pedindo efeito suspensivo e prestando uma caução elevadíssima. Ganhámos o recurso, eles voltaram a recorrer, com nova atribuição ao recurso de efeito suspensivo e mais uma caução de uns bons milhares de euros.
O Sr. A. vive com a sua mulher acamada e duas crianças. Ficou incapacitado para o trabalho, não tem outra fonte de rendimento. O Sr. A tem milhares de euros para receber de indemnização e aquelas espécimes humanas teimam em recorrer, requerendo a atribuição de efeito suspensivo, preferindo prestar cauções de quase 100 mil euros, em vez de pagar a indemnização àquele pobre coitado.
O Sr. A. não te que comer, não tem como pagar a renda, a luz, a água, o gás. O Sr. A. já foi à Paróquia, à Caritas e aos Vicentinos pedir ajuda, mas todos dizem que têm mais pedidos que ofertas e infelizmente não podem ajudar todas as almas.
Temos sido nós, seus advogados, a dar-lhe a mercearia para poderem comer e a interceder junto do senhorio para não serem despejados, todavia.

3 – O que se diz a uma amiga do coração que está já há mais de 2 anos a tentar encontrar emprego na sua área de formação e que não consegue, apesar do esforço constante e da busca incessante? De cada vez que alguém lhe pergunta como é que ela está, o que está a fazer, as lágrimas invadem os seus verdes olhos e aquele lindo rosto moreno contrai-se, esvaindo-se o meu coração sempre que a vejo assim. Maldita a época que habitamos em que o emprego é um bem raro e em que pessoas inteligentes não vingam, apenas as espertinhas, todavia.

4 – Apesar de todos os sacrifícios e de todos os cêntimos contados, eu e ele temos conseguido fazer com que ela fique bonita. E é nos dias que correm a nossa menina dos olhos. É tão bom vê-la a ficar à nossa medida que todos os dias acordo com um sorriso na alma só de pensar nela, enquanto os jornais que leio noticiam crises e desastres que me fazem temer o futuro e acordar todas as noites sobressaltada com a preocupação a ser senhora em mim, todavia.

5 – O dono do meu coração faz esta semana que vem anos. É um leitor fiel deste blog, mas não lhe vou dar publicamente os parabéns, antes da data, porque dizem que dá azar. Mas, amor, sabes que vamos fazer com que seja um dia fantástico, como todos os dias que são nossos. Porque juntos somos mais e melhores. Encantadamente tua.

A Marquesa

sábado, 20 de agosto de 2011

As Comunicações do Sr. Presidente da República e do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros

Esta semana foram divulgadas e por esse meio confirmados publica e oficialmente os receios relativos ao crescimento (ou ausência dele) da zona euro no 2.º trimestre. E com ela a confirmação mais cabal do caminho desastroso que a Europa decidiu tomar para enfrentar a sua crise de dívida pública soberana – a estagnação. Estagnação para todos – menos para Portugal e Grécia: esses estão em recessão. A quebra do produto em Portugal é 0,7%. O consumo privado recua para níveis históricos, bem como o investimento público; as insolvências prosperam; as exportações são o único meio pela qual a violenta recessão se vai suavizando. Entretanto, o Sr. Miguel Relvas comentando estes números, achou-os menos severos do que o previsto, e logo os atribui à acção benéfica do Governo do qual faz parte, esquecendo-se que comentava os números do PIB relativos ao 2.º trimestre relativos ao Governo…do Sr. Sócrates. Um pequeno lapso de sua excelência, tal como certamente será o convite que o Sr. Ministro dirigiu ao Sr. Mário Crespo o que, porventura, representará uma intromissão num assunto que não é da sua competência, para além do que sua excelência pretende privatizar a RTP.

Entretanto, e em outras notícias, e como sua excelência o Sr. Presidente da República, o Sr. Cavaco Silva, se encontra de férias, o modo escolhido para comunicar com os portugueses é o Facebook. Assim, e comentando o encontro entre a Sra. Merkel e o Sr. Sarkozy e as propostas que dele resultaram, o nosso Presidente da República considerou o seguinte acerca da constitucionalização de uma travão à dívida pública:

«Constitucionalizar uma variável endógena como o défice orçamental – isto é, uma variável não directamente controlada pelas autoridades – é teoricamente muito estranho. Reflecte uma enorme desconfiança dos decisores políticos em relação à sua própria capacidade de conduzir políticas orçamentais correctas».

Acerca das considerações de sua excelência, o Presidente da República, nós consideramos o seguinte: não, excelência, não – não é desconfiança dos decisores políticos em relação à sua capacidade de conduzir políticas orçamentais equilibradas e sustentáveis. O que se revela é antes desconfiança em relação à capacidade dos outros o fazer. A Sra. Merkel acredita que é capaz de seguir políticas orçamentais correctas; em consonância com o seu juízo, constitucionalizou um limite ao endividamento público. Porque a Sra. Merkel julga, no entanto, que outros não são capazes de o fazer de outro modo que não pela vinculação constitucional, a Sra. Merkel sugere que se constitucionalize este travão – porque desconfia da capacidade dos outros para se governar.
E depois, excelência, usar dois argumentos opostos e que se excluem mutuamente para defender a sua posição? Não pode, excelência, não pode…Senão vejamos: por um lado, V. Ex.ª, diz: não se pode constitucionalizar um travão à dívida pública por se tratar de uma variável sujeita a imponderabilidades. Por outro lado, V. Ex.ª diz: Então mas V. Exas. cujas políticas se correctas e adequadas facilmente controlam a dívida pública, pretendem constitucionalizar um travão à dívida pública demonstrado que desconfiam das vossas próprias capacidades? Em suma: primeiro, V. Ex.ª diz «Ah, nós não podemos constitucionalizar porque é uma variável endógena que não se pode controlar» e secundum, V. Ex.ª diz «Ah, nós não podemos constitucionalizar porque se as políticas públicas forem adequadas a dívida pública é perfeitamente controlável.» Não faz sentido, pois não, Excelência?
Mas sabe que mais, excelência? Esta proposta que mereceu a sua estranheza, mereceu a célere e plena aprovação do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, o Sr. Paulo Portas. Disse o Sr. Ministro que “Portugal sublinha o empenhamento demonstrado pela França e pela Alemanha na concretização das decisões tomadas na cimeira extraordinária do Eurogrupo, realizada a 21 de Julho, e acompanha com interesse as propostas saídas da cimeira franco-alemã de ontem” e ainda que “Portugal tem tido e mantém uma posição favorável a uma maior integração económica do espaço europeu” e considera que “o reforço da governação económica é coerente com a união monetária”, isto “no sentido de a dotar de maior estabilidade e coesão”, objectivos que classifica de “relevantes para um clima de crescimento e emprego”.
Em síntese, a posição do Sr. Paulo Portas resume-se da seguinte forma: sua excelência dobra submissamente a lombada, faz uma vénia, sorri, e saúda tudo o que lhe põem à frente. Mas deixe que, impertinentemente, lhe coloque uma questão: o que V. Ex.ª de extraordinário nas propostas apresentadas pela Sra. Merkel e pelo Sr. Sarkozy para que o Sr. as receba assim tão entusiasticamente, aos pulinhos? Note o seguinte: a Sra. Merkel e o Sr. Sarkozy reúnem-se, discutem ideias, tornam-nas públicas. Reacção dos mercados? Afundam-se. Veja V. Ex.ª: há aqui um padrão de acontecimentos lógico e coerente. O que o Sr. Ministro deveria fazer era: sim, nós pretendemos maior integração económica, mas a integração económica, implicando transferência de competências dos Estados soberanos para Bruxelas, deve ser acompanhada de uma maior responsabilização das instituições europeias, nomeadamente através da criação de uma agência de dívida pública europeia que concretize a solução eurobonds. É isso que tem feito o Sr. Tremonti que é o Ministro das Finanças da Itália; é isso que vem fazendo agora o Sr. Osborne que é o Ministro das Finanças da Inglaterra.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Eurobonds e Governação Económica da Zona Euro

Antes de começarmos a análise da realidade europeia, um esclarecimento: ao contrário do que vem sendo noticiado na imprensa, o Sr. Soros não defendeu o afastamento de Portugal e da Grécia da zona euro. Sucede simplesmente, porém, que questionado sobre a possibilidade de vários economistas alemães desejarem ver a Grécia pelas costas, o Sr. Soros afirmou que seria possível à zona euro sobreviver sem Portugal e sem Grécia. No entanto, e em momento algum, o Sr. Soros apontou essa possibilidade como a solução desejável para resolver a crise de dívida pública europeia. A imprensa, carente de notícias relevantes, aproveitou o ensejo para criar uma do nada.

Outro equívoco da imprensa prende-se com a interpretação da recusa liminar por parte do Ministro das Finanças alemão, o Sr. Schauble, acerca das eurobonds. Mais uma vez, e ao contrário do que afirma a imprensa, o Sr. Schauble não recusa liminarmente a solução eurobonds: o que o Sr. Schauble disse e é compreensível que o diga – é que os resgates não serão feitos a qualquer preço, ou seja, enquanto a Alemanha sair a ganhar da manutenção da União Europeia, a Alemanha continuará a financiar os resgates; não sendo assim, a zona euro implode e com ela o projecto europeu. Concretamente falando sobre as eurobonds, o Sr. Schauble disse que antes de haver uma emissão de títulos de dívida pública europeus é necessária maior coordenação e integração económicas porquanto, de outra forma, as políticas fiscais permaneceriam nacionais, enquanto os riscos seriam europeus. O que equivale a dizer – transferência de soberania para Bruxelas. Obviamente que enquanto as políticas fiscais permanecessem um domínio exclusivo dos Estados, a solução eurobonds seria demasiado arriscada para a Alemanha porque há países que têm uma certa tendência para o desgoverno.

Com o que não podemos concordar é aparentemente a maneira como a Alemanha e a França pretendem realizar a progressiva coordenação e governação económica. Assim, para a Sra. Merkel e o Sr. Sarkozy, as propostas não são trabalhadas conjuntamente com os restantes líderes da zona euro. São trabalhadas entre eles e apenas posteriormente apresentadas. Compreendemos que a solução das eurobonds é um passo difícil para a Alemanha e com custos elevados para a sua economia: no entanto, essa dificuldade e esses custos não dá o direito à Sra. Merkel de subverter um processo democrático como forma de controlar as decisões europeias ao gosto da Alemanha. Tal como a reforma da governação económica da zona euro, a Sra. Merkel pode também pensar na reforma democrática das instituições europeias. Quem manda afinal na União Europeia? O Sr. Barroso está visto que não: nem sequer teve direito a comparecer no encontro entre a Sra. Merkel e o Sr. Sarkozy. O Sr. Rompuy é um recepcionista. O Parlamento Europeu, eleito pelos cidadãos europeus, também não governa a Europa. A Europa é, na verdade, governada por França e Alemanha. Mas o poderio económico das duas potências não lhes dá o direito de impor decisões aos restantes países e esse é o risco que se corre com uma eventual integração económica e que é necessário evitar.

E vejam-se as propostas que foram apresentadas pela Sra. Merkel e pelo Sr. Sarkozy: nova governação económica? Mas não tinham já V. Exas. apresentado um modelo de governação económica há uns meses atrás, defendendo a necessidade de coordenação fiscal, de harmonização das idades de reforma, bem como dos aumentos salariais? Esta nova proposta não representa mais do que a admissão tácita do fracasso de todas as outras que V. Exas. têm vindo a apresentar. E tal como já sucedeu anteriormente, V. Exas. não discutem estas questões com os restantes líderes europeus: limitam-se a acertá-las entre V. Exas. Mais: a taxa Tobin? Nada de novo – há quanto se fala numa taxa sobre as transacções financeiras? Era evitável, suas excelências, porque escusavam já de levar uma nega pública da Holanda. Era escusado demonstrar publicamente os desacordos que existem no seio da União, trazendo ainda mais incerteza à situação.

domingo, 14 de agosto de 2011

O Estado quer fiado!

O Estado português deve quase 30 milhões de euros aos advogados portugueses.

Sim, Caríssimos, não falamos de milhares, mas de milhões.

E porque deve o Estado tal astronómica quantia? Por honorários relativos a serviços prestados pelos advogados no âmbito do apoio judiciário ou de escalas de prevenção.

Eu passo a explicar melhor. Aqueles que requerem apoio judiciário, podem pedir que lhes seja nomeado um advogado, vendo, assim, os encargos relativos aos honorários daquele advogado serem assumidos pelo Estado. Ademais, todos os dias está um advogado de escala em cada tribunal para assegurar, nos casos em que seja obrigatória, a assistência aos arguidos que têm de se apresentar naquele dia em tribunal e que não tenham constituído mandatário. E é pela retribuição de tais serviços que o Estado deve tamanha quantia, desde Janeiro do corrente ano.

Caríssimos, os advogados sempre foram correctos e rigorosos cumpridores do seu dever de colaborar com o acesso ao Direito, nomeadamente no que ao apoio judiciário diz respeito. Agora o mesmo não se pode dizer do Sr. Estado, quanto ao cumprimento da sua obrigação de pagar os citados serviços.

Para além disso, veja-se que são os advogados que têm de financiar, por sua conta, o gasóleo do carro que utilizam para se deslocarem para os tribunais nestas diligências, as resmas de papel para a elaboração das peças processuais, os tinteiros, os custos de fotocópias e certidões. Tudo sai dos seus bolsos e o reembolso destas despesas é uma incógnita temporal.

A actual Ministra da Justiça confirma o atraso nestes pagamentos, admitindo todavia que terá de ser feita urgentemente uma auditoria ao sistema do acesso ao Direito, porquanto existem variadas irregularidades. Decerto existirão, mas nada pode constituir desculpa para quase 1 ano de atraso.

É que nem os juros são pagos, embora a Ordem dos Advogados pondere seriamente instaurar mesmo uma acção judicial contra o Estado, reclamando não só as quantias em débito, como também os respectivos juros vencidos e vincendos até integral pagamento.

Sendo de relevar que sobretudo os advogados mais jovens (sobre)vivem graças a estes processos, como serão capazes de pagar as suas despesas fixas, como a água, luz, renda do escritório, Internet (sim, porque temos de enviar as peças para os tribunais via Citius, em certos casos de envio exclusivamente deste modo!), contribuições obrigatórias para o sistema de Segurança Social, IVA, sem que vejam os seus serviços serem pagos?

A vida está má, está! Até para os marqueses!

sábado, 13 de agosto de 2011

Impostos, impostos e mais impostos

Depois de dez horas reunidos em Conselho de Ministros, depois de espremido o crânio até ao máximo das suas capacidades, depois de em desespero haverem arrancado cabelos, em conferência de imprensa (sem direito a perguntas para facilitar o contraditório), o Sr. Ministro das Finanças anunciou as ideias que resultaram de onze cabeças rangendo durante dez horas: mais aumento de impostos. E para este anúncio de todo surpreendente e inédito na história da democracia portuguesa, o Governo nem teve que recorrer ao seu génio inventivo: bastou-lhe recorrer a uma cábula – ao memorando de entendimento com a troika. Lá, escarrapachado, o Governo viu umas quantas medidas para 2012 e decidiu-se: «E se as antecipássemos?» E assim foi. Isto demora, no meu entender, no máximo uns 5 minutos a fazer-se. O que o Governo fez nas restantes nove horas e cinquenta e cinco minutos desconhece-se. Mas aí está a famosa agenda liberal e uma chapada de luva branca do novo Governo a todos aqueles que temiam tremendas revoluções. Com efeito, um mês depois do Governo haver tomado posse, nada de novo neste pedaço de terra à beira-mar plantado: o Governo mente e aumenta os impostos. Ora, como sabemos, o Sr. Ministro das Finanças, sempre disse que para cobrir o desvio orçamental de cerca de dois mil milhões de euros que se verificava das contas públicas, o contributo da receita seria de um terço, e o da despesa de dois terços. Vejamos o que o Sr. Ministro anunciou: o IVA da electricidade e do gás passa de 6% para 23%. (Um pequeno aparte: 23% o tanas! 25% queres tu dizer meu malandro! Porque com a mais que provável redução do TSU, a taxa máxima do IVA sobre, logo espera-se novo aumento em breve. Um aumento de 19% em bens essenciais como a electricidade e o gás que afectam toda a população por igual. Bela noção de justiça social deste Governo que ainda há pouco tempo, aquando do anúncio da tributação extraordinário do subsidio de natal, deixou cuidadosamente de fora os dividendos! E o Sr. Presidente da República dizendo que é necessário que os sacrifícios sejam repartidos…). E que mais anunciou o Sr. Ministro? Congelamento das progressões nas carreiras dos regimes remuneratórios dos ministérios da Administração Interna e da Defesa. Além de tudo isto, o Governo pretende ainda incorporar o fundo de pensões dos bancários, medida com a qual pretende arrecadar 600 milhões de euros. Aqui façamos uma viagem no tempo: finais de 2010, descontrolo orçamental. O Sr. Sócrates incorpora numa operação de cosmética orçamental o fundo de pensões da PT para disfarçar o défice orçamental. O mesmo só não aconteceu com o dito fundo de pensões dos bancários porque já estávamos no final do ano e não havia tempo suficiente para que a operação fosse devidamente feita. O PSD indigna-se; em 2011, o PSD faz o mesmo. Portanto, eis a diferença do PSD-Oposição, para o PSD-Governo: PSD 2010: indignação; PSD 2011: resignação.
Contabilizando: 800 milhões da tributação do subsidio de natal + 600 milhões do fundo de pensões dos bancários + 100 milhões do aumento do IVA na electricidade e no gás = 1500 milhões


O que faz:

Receitas: 1500 milhões
Despesas: 0 milhões


1500 milhões de 2000 milhões de euros não corresponde exactamente a um terço de receita. Ora, das duas uma: o Sr. Ministro das Finanças é, de facto, Ministro das Finanças, mas não sabe fazer contas; ou sua excelência é simplesmente mentiroso.

Um dos motivos para a incorporação do fundo de pensões dos bancários prende-se com umas surpresas orçamentais vindas do BPN (nada de novo) e…da Madeira (também nada de novo). Questionado sobre o assunto, o Sr. Alberto João Jardim, reagiu com humor, afirmando que “para defender o povo madeirense” das “medidas financeiras político-partidárias do anterior Governo socialista que visavam parar a vida do arquipélago”, a sua alternativa “foi a de não se render, resistir, mesmo à custa do aumento da dívida pública”. Poderíamos criticar o Sr. Alberto João Jardim. Por outro lado, não o vamos fazer porque o compreendemos.

Numa situação de pressão, muitas vezes agimos por instinto e fazemos ou dizemos a primeira coisa que nos vem à cabeça porque não dispomos do tempo necessário e da ponderação para reflectir. Assim, colocado sob pressão, o Sr. Alberto João Jardim olha para si e qual é a coisa que em primeiro lugar vem à cabeça? O leitor veja e tire as suas próprias conclusões (pois tais parecem-me óbvias e porque pretendemos evitar complicações judiciais):




Se nada dissemos acerca do Sr. Alberto João Jardim, não nos calaremos acerca do Sr. Ministro das Finanças que quando foi confrontado com o regabofe orçamental da Madeira, singelamente respondeu que não é um assunto da sua competência. Compreendemos o embaraço do Sr. Ministro porque as responsabilidades governativas obstruem o exercício da expressão. Por outro lado, as difíceis e exigentes medidas que o Sr. vem colocando sob os portugueses também, com certeza, obstruem a consciência de V. Ex.ª e, no entanto, V. Ex.ª não as tem deixado de colocar em prática porque indispensáveis. Assim, se determinadas pessoas comprometem a disciplina orçamental indispensável para que Portugal respeite os seus compromissos internacionais, o que V. Ex.ª deve fazer é usar da sua autoridade e colocá-las no sítio.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Ai Europa, Europa...

Se a acção do BCE ainda vai permitindo a estabilização dos títulos da dívida italiana e espanhola, que vão recuando em todos os prazos, já o mesmo não pode ser dito quanto às quedas que se vão somando nas bolsas. Também a decisão da FED em manter as taxas de juro a níveis mínimos até 2013 não foi suficiente para acalmar os investidores e transmitir confiança aos mercados. E esta é a palavra-chave numa economia: confiança. Na Europa, não há união política: as palavras firmes dos dirigentes europeus perdem-se sempre perante as suas acções frouxas; nos EUA, a decisão da FED foi renhida: alguns membros, manifestaram a sua oposição à não alteração das taxas de juro, manifestando maiores preocupações com a inflação. Ora, com a entrada da Administração americana na era da austeridade, adivinha-se que na FED haverá pouca margem de manobra para conceder os indispensáveis estímulos a uma economia deprimida, cada vez mais em risco de recair em recessão. Dum e doutro lado do Atlântico, os líderes políticos têm falhado sucessivamente em transmitir confiança aos mercados.

Concentremos a nossa atenção sobre a Europa. A decisão de colocar o BCE actuando no mercado secundário de nada serve. Ou melhor: serve de paliativo – serve durante um par de semanas para estabilizar os títulos da dívida pública italiana e espanhola. Não mais que isso: isto porque o BCE não se pode substituir na acção aos responsáveis políticos. E os custos da inércia europeia, se não se revelam abertamente nos títulos italianos e espanhóis, revelam-se diariamente na fuga de capitais que se assiste nas praças europeias. De Paris a Frankfurt, de Milão a Madrid – os investidores não confiam na Europa e movimentam o seu dinheiro para investimentos que consideram mais seguros. E de qualquer maneira, de que serve manter as obrigações italianas e espanholas a 5 ou 6%? Obviamente que tal não permite assegurar a sustentabilidade das dívidas públicas italianas e espanholas. Para isso, é necessária uma combinação de duas coisas: baixas taxas de juro e crescimento. E nenhuma das duas se verifica agora. Ambas estão, no entanto, ao alcance de um compromisso político, embora o tempo para evitar uma nova recessão mundial com contornos graves seja cada vez mais reduzido graças à inacção dos políticos mundiais por mais de um ano.

Um compromisso político sério e credível implica uma acção conjunta dos dois lados do Atlântico. Economias tão interdependentes como a americana e a europeia não podem voltar a crescer sem a ajuda da outra. Se a Grécia atrasou, em parte, o crescimento americano, não é menos verdade que a estagnação americana atrasa o crescimento da Europa. Pelo que um compromisso conjunto da Europa e dos EUA é indispensável para que se volte a trazer estabilidade aos mercados. E para isso é necessário inverter as prioridades: é necessária responsabilidade orçamental, mas nunca sacrificando irremediavelmente o crescimento; e para que haja responsabilidade orçamental, é indispensável que haja uma responsabilidade política. E é isso que sobretudo tem faltado tanto nos EUA, como na Europa.

domingo, 7 de agosto de 2011

Para a M.

Este ano as minhas férias foram férias “à Troika”, como uma Ilustre Colega de profissão costuma dizer quando lhe perguntamos pelas suas férias. Passei apenas um fim-de-semana um pouco mais prolongado do que o normal no nosso país, porque temos é de investir cá dentro e ajudar os de cá, nacionalismos à parte.

Na melhor das companhias, enquanto sentia o sol a morenar a minha pele, fiz jus à máxima “ir para fora cá dentro!”.

Foi nesta curta incursão por Portugal que conheci uma pessoa que me arrebatou por completo. Não de paixão, porque o meu coração está mais do que bem entregue, mas de admiração e respeito.

Conheci uma mulher perto dos 40 anos, com dois pequenos adoráveis que me contou, em poucos mas maravilhosos instantes, daqueles momentos em que as conversas surgem espontaneamente entre pessoas que gozam férias no mesmo sítio, pormenores da sua vida que fariam espantar decerto alguns portugueses.

Logo que acabou o secundário, começou imediatamente a trabalhar e por cada 100 que ganhava, 80 entravam directamente para a sua conta poupança. Sempre fez contas à vida e sempre teve três ou quatro empregos em simultâneo. Nunca baixou os braços e até aos fins-de-semana e feriados trabalhava. Entretanto conheceu o actual marido e com as poupanças que ambos tinham feito, deu a entrada para uma casa. Continuam, desta feita, a poupar e a trabalhar muito, muito, muito e neste momento têm a casa quase paga. Só gozam um fim-de-semana por ano de férias e ainda conseguem ajudar os pais de ambos a fazer face às despesas médico-medicamentosas.

Mas ela sempre sonhara tirar o curso de Direito e este ano vai frequentá-lo pela primeira vez. Imbuída de uma força de vontade e motivação tais, disse-me que já comprou o Código Civil para começar a ler no autocarro, durante as viagens que faz entre o emprego da tarde e o da noite. Os meninos vão ficar entregues com a sua mãe de forma a que ela consiga assistir às aulas e estudar para os exames, já tem tudo programado. As horas de sono são e vão continuar a ser poucas, mas ninguém lhe rouba o brilho dos olhos quando lhe pergunto sobre as suas crianças.

Em plena época de uma crise que está a ser muito difícil de travar, ver uma pessoa como a M., com tamanha motivação, que nunca baixa os braços e que é uma autêntica lutadora, desde tenra idade, fez-me pensar que Portugal está mesmo a precisar de muitas M. para poder voltar a sorrir. Mas só com muito trabalho e sacrifício lá chegaremos!

E porque eu sei que a M. vai ler este post, quero agradecer-lhe pelas fantásticas horas de conversa com que me presenteou naquele magnífico fim-de-semana com toda a sua maturidade e sabedoria. Votos de felicidades e continue a brilhar!

sábado, 6 de agosto de 2011

A Revolução na Síria

Como o leitor decerto saberá, desde Março, a Síria no seguimento do movimento de democratização do Mundo Árabe conhecido como «A Primavera Árabe» vem sendo insuflada por um movimento popular que visa obter maior liberdade para o povo dos déspotas que os governam. Desde então, 1600 sírios foram assassinados às mãos do regime do Sr. Assad.

Recentemente, na sequência das manifestações populares democráticas na cidade de Hama, o Sr. Assad, considerando esse mesmo movimento como uma séria ameaça à sobrevivência do seu regime, enviou o seu exército, apoiado por tanques para a cidade com o fim de esmagar os protestos do seu próprio povo. Desde então, e desde a ocupação da cidade de Hama pelo exército e que se prolonga há uma semana, mais de 200 pessoas foram mortas, segundo activistas dos direitos humanos na Síria.

E foi só depois de meses de inércia e complacência que esta semana o Conselho de Segurança da ONU se dignou a emitir uma declaração de condenação da violenta repressão do regime de Damasco sobre o seu próprio povo. Contudo, esta singela Declaração do Conselho de Segurança não é mais do que isso – uma declaração: provocou uma ligeira comichão no Sr. Assad e nada mais. Sanções ou sinais delas, nem vê-las. De resto, e como demonstra do apreço que o Sr. Assad tem pela declaração do Conselho de Segurança e como sinal do seu respeito pelas instituições internacionais e o quanto estas o molestam, o Sr. Assad bocejou, voltou a coçar-se e continuou o cerco à cidade de Hama e continua a massacrar o seu povo. É verdade que entretanto o Sr. Assad promulgou um decreto autorizando o multipartidarismo na Síria; mas este sinal não é, claro está, um sincero desejo de democratizar o País e conceder mais liberdade e mais direitos ao povo: é o modo pelo qual, aparentando democratizar as instituições sírias, o Sr. Assad pretende aliviar a pressão internacional o suficiente para esmagar o movimento revolucionário e perpetuar-se no poder.

Desde Março, altura em que eclodiram os primeiros protestos nas ruas de Damasco, no seguimento dos triunfos do povo tunisino, do povo egípcio e do povo líbio, que a comunidade internacional tem assistido impávida a uma violação brutal dos direitos humanos na Síria. A realpolitik impede uma intervenção de larga escala na Síria: a NATO está já envolvida numa operação na Líbia, os orçamentos dos aliados para a Defesa são progressivamente restringidos por constrangimentos orçamentais; e a crise económica nos EUA e na Europa monopoliza as atenções dos governantes. O que isso não impede é a tomada de sanções e de sanções severas. Tal como sucedeu ao Sr. Kadaffi, é necessário restringir a capacidade de movimentação do Sr. Assad e do seu regime, desde logo a sua capacidade financeira, congelando contas bancárias no exterior. Da mesma forma, é necessário isolar o regime: a Síria é um país exportador de petróleo; Alemanha, Itália, França e Holanda são importantes importadores do petróleo sírio. Apesar da Síria não ser um relevante exportador de petróleo no mercado mundial, internamente o mercado do petróleo é muito importante para a sustentabilidade económica do regime pelo que uma perturbação nas exportações do petróleo daquele país não afectaria a procura mundial e poderia abalar gravemente a capacidade do regime, forçando-o a respeitar as instituições internacionais.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

As melhores chamadas de sempre

Pois é, Caríssimos, a Marquesa está de regresso após uma curtas merecidas férias e nada melhor para recomeçar do que com os nossos Humores de Sexta.

Esta semana muito se ouviu falar em chamadas telefónicas, sobretudo porque uma deputada do PSD, desempenhando a sua função, decidiu ligar ao INEM para verificar a capacidade de resposta deste serviço e logo foi achincalhada em praça pública. Assim sendo, esta semana o tema dos Humores só podia ser "As melhores chamadas de sempre".


Por Lord Nelson

Agora está na moda, no Pê Pê Dê Pê Esse Dê, fazer telefonemas a incomodar as pessoas. Mas ainda têm muito a aprender… Isto sim são prank calls.





Por Leticia, a Marquesa

O amor ao F.C.P. é tanto que até ao fim-de-semana, em vez de se ir para a praia dormir e morenar as carnes, se decide ligar para o clube para falar com o Sr. Presidente!





Por Carlos Jorge Mendes

Esta pode não ser a melhor chamada de sempre, mas é certamente a mais embaraçosa.






Bom fim-de-semana e boas férias, para quem as tiver!

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

O Acordo para o Aumento do limite do Endividamento nos States

Está definida a política da Europa e dos Estados Unidos: chamar-lhe-emos a política do caranguejo. E porquê? Simplesmente porque é uma política de arrecuas. Depois de assistir à queda da Europa num abismo, eis que os EUA seguem pelo mesmo precipício. No domingo, o Presidente dos EUA, o Sr. Barack Obama, anunciou haver um entendimento entre Democratas e Republicanos para o aumento do limite do endividamento do país e, inerentemente, o programa de reajustamento financeiro que lhe subjaz. Sejamos claros: a única coisa positiva alcançada com este acordo é que, de facto, os EUA evitam o incumprimento. Tudo o mais são más notícias para os americanos e para a economia mundial.



Antes de mais, eis os detalhes do acordo que são ainda vagos todavia: na próxima década, a administração americana irá reduzir os seus gastos públicos em um trilião de dólares; uma poupança adicional de 1,5 triliões de dólares será deliberada por uma Comissão que indicará o conteúdo da mesma até finais de Novembro. Ora, esta Comissão será composta por doze membros, igualmente divididos por Democratas e Republicanos. Na prática, isto equivale a dizer que a poupança adicional proposta por esta Comissão advirá de novos cortes na despesa: se os republicanos se mostraram antes intransigentes no aumento de impostos quando a economia americana estava à beira do colapso, não será agora que irão mudar de ideias. Mas atenção: os cortes na despesa não são cuidadosamente elaborados e pensados: os cortes atingirão o programa Medicare e programas de auxílio social à classe média e os mais pobres. Trocado por miúdos: G.O.P., 1, Barack Obama, 0.



Agora, que dizer deste programa? A era da austeridade chegou a Washington e há uma significativa inversão na política seguida por Washington que até agora sempre optara por uma política de estímulos à economia de forma a reavivar uma economia estagnante que neste momento cresce uns decepcionantes 1,3%. E é aqui, de facto, que se notam os efeitos nocivos deste programa na economia. Certamente que os EUA têm seguido uma política expansionista: mas essa política foi sobretudo centrada no alargamento da extensão dos benefícios e isenções fiscais da era Bush aos mais ricos; as empresas que começam a aumentar progressivamente os seus resultados não contratam pelo que o desemprego se mantém elevado; os programas de apoio às famílias, como o das hipotecas, foram escassamente usados. Em suma, os efeitos da política de estímulos não se têm sentido na economia real porque não chegam a essa mesma economia, o que explica as dificuldades da recuperação da grave crise que vivemos hoje e que foi iniciado com o colapso do Lehman Brothers, e como se comprova pelo Gráfico que se segue:






O que isso não significa nem pode significar é um desincentivo ou um abandono de uma política que aposte no crescimento como via para recuperar uma economia estagnada. O leitor quer um exemplo concreto? Então aqui vai: o banco britânico HSBC vai despedir 30.000 postos de trabalho a nível mundial, incluindo o encerramento de vários balcões...nos Estados Unidos. Por outro lado, outros 15.000 postos de trabalho serão criados nos países emergentes. Esclarecido?

terça-feira, 2 de agosto de 2011

A CGD e sus muchachos!

Mudou a cor do governo, mudaram os administradores da Caixa Geral de Depósitos. Até aqui tudo bem, tudo normal.


O que já não está bem, nem pode ser considerado normal é o facto de dois partidos que se apresentaram a eleições com programas de austeridade e controlo da despesa aumentarem o número de administradores do banco público. Tal aumento é completamente absurdo e envia uma imagem errada aos eleitores num período que, por causa das medidas de austeridade que se vão adoptar, pode ser de agitação social. Muito honestamente, esperava outra coisa de Passos Coelho. Agora vamos ter 11 administradores, cada um a ganhar o dobro do salário da chanceler alemã.


Mas não criticamos as escolhas para o banco público (excepto uma) – o conceito de interesse público é amplo e indeterminado. Numa democracia ele é definido pelo grupo que teve maior votação em eleições livres. Se queremos um banco público, orientado pelo interesse público, temos que aceitar que o executivo (que, juntamente com o parlamento) que define as grandes linhas desse conceito possa nomear pessoas que partilhem da sua visão estratégica.
Se não se gosta disto que se defenda (como nós defendemos) a privatização total da banca, sem interferências do poder político a não ser para efeitos de regulação (numa supervisão estritamente jurídica).

Os partidos que criticam o facto de Passos Coelho ter nomeado gente da sua área são tudo menos sérios – mas há duvidas que se o BE ou o PCP, por exemplo, tivessem ganho as eleições, nenhum liberalzito entraria na direcção do banco público? Se se defende bancos nacionais tem que se admitir a interferência do poder político – não o fazer é ser pouco sério.

Antes dissemos que não concordamos com um dos nomes – e trata-se de Nogueira Leite. Não está em questão o curriculum do indigitado nem a sua seriedade. Este vice-presidente do PSD (e ex-Secretário de Estado dos tempos do Guterres – há coisas fantásticas, não há?) trabalhou até recentemente no Grupo Mello, um dos grandes players no campo do sistema privado de saúde. Ora sucede que a Caixa Geral de Depósitos vai alienar, a breve prazo, a sua participação no negócio da saúde, pelo que esta nomeação parece, no éter dos valores, pouco acertada pois dificilmente conseguirá o indigitado passar uma imagem de total independência: não basta ser sério, é também preciso parecê-lo.


Pode ser que esta trapalhada possa servir para mostrar que um banco público serve sempre o interesse do grupo político mais votado e não o tal do “interesse público”, seja lá o que isso for. Pelo bem da democracia, vamos lá a defender (e exigir) a privatização total da CGD.

Antes de terminar gostaria de dar ainda uma vergastada no CDS – este partido conseguiu a nomeação de Nuno Fernandes Thomaz para a comissão executiva da Caixa (repetimos, se não se gosta destas interferências políticas não se pode concordar com um banco público).


Ora, há uns tempos atrás o CDS andava com um bonito powerpoint acerca do salário dos administradores da Caixa que, para efeitos de ilustração, comparava com o salário da chanceler alemã. Aqueles ganhariam o dobro desta, situação que foi muito criticada. Por coerência, esperamos pois que agora, o nomeado pelo CDS para a Caixa venha propor uma redução salarial. Se não vier, shame on them!

E é isto – gostaria ainda de abordar o caso BPN mas o post já vai longo… Fica para uma outra oportunidade. As 3as e 5as vão fechar n’ Opinador para descanso do pessoal até Setembro.


Boas férias para todos, e vemo-nos depois da silly season!