A mais bela, a mais pura e a mais duradoura glória literária de prosa da blogosfera

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segunda-feira, 31 de maio de 2010

"O amor não sabe"...

A semana estava a correr bem... Os media divulgavam cada vez mais medidas de austeridade das quais o Governo abria generosamente mão, a selecção portuguesa tropeçava na própria fama na Covilhã e deixava-se encantar pela morna dos Cabo-Verdianos e o tempo estava a ajudar, com horas intermináveis de chuva passadas dentro de um gabinete com um computador do século XIX semelhante a um avião constantemente em processo de descolagem. Mas para tornar os meus dias medonhos com o que é que me deparo? Semi-final do Festival da Eurovisão!! Ou seja, aquela fase do concurso à qual só chegam os países que na edição anterior não obtiveram pontuação suficiente para usufruir de um acesso directo à Final, (ou países que simplesmente não são a França, o Reino Unido, a Alemana ou a Espanha). Como almas solidárias que somos e, porque ainda insistimos em participar nestas coisas mesmo após levarmos imensas e diversas abadas, até daqueles países de nomes estranhos que só fazem parte da União Europeia de Radiodifusão desde ontem, pois é claro que estávamos presentes.
À segunda canção estava decidida a mudar de canal, desligar a televisão ou até fugir de casa. Mas depois reflecti, inspirei fundo, deixei que a música tenebrosa terminasse e voltei a mudar de canal suspeitando ter ali companhia promissora, capaz de me suscitar umas belas gargalhadas ou fumfumfuns...e tinha razão. O pouco esforço de atenção que fiz foi suficiente para chegar ao fim com uma opinião formadíssima que, se a memória não me falha, é bastante semelhante à de anos anteriores.
Depois de passar o choque com a segunda canção, o propósito de fugir de casa surgiu de novo no meu intímo quando a Letónia, na voz de uma bela moça, interpretava uma Ode ao suicídio questionando o para quê de se viver, morrer, chorar, sonhar, um autêntico empurrãozinho para quem está neste momento a passar uma fase depressiva da vida. Aposto que hoje, ou amanhã, o raio da canção vai servir de banda sonora a um enforcamento noticiado no 24 Horas. Dentro daqueles países cujos meus fraquíssimos conhecimentos de geografia não me permitem localizar em mapas-mundo, surge um esquisito rapaz loiro, com um penteado assustador (que espero não ser moda na terra dele, nem em lado nenhum do planeta), que se dizia vencedor dos Ídolos da Sérvia e que cantou um refrão totalmente sintetizado. Será que ele era assim tão bom? Para quê os efeitos vocais então? Se calhar se a Sérvia não se tivesse separado de Montenegro não deixavam aquela espécie de cantor participar num evento deste calibre, mas enfim, mania das independências...
Para além da pecinha de teatro apresentada pela Polónia, a pedra de lava cuspida pelo vulcão da Islândia e o facto de termos passado à final com a nossa musiquinha dos contos de fadas da Disney que, se não fossem os vibratos graves da nossa cantora, tinha todos os predicados para me fazer sentir criança outra vez, os Festivais da Eurovisão são cada vez mais e melhor chachada. Longe vão os tempos em que se disputavam músicas, agora é tudo uma questão de luz, cor, saltos acrobáticos no ar e coreografias de cariz sexual duvidoso. E nós, Portugal, somos todos os santos anos considerados o povo mais simpático e afável. Com certeza olham para nós como os anjinhos inocentes que ainda lá mandam pessoas que cantam e não alinham nos teatros e passagens de modelos com vestidos que se mexem ou ganham asas.
As coisas que se devem ouvir naqueles bastidores em dialectos que ninguém percebe: "Olha os portugueses...! Eheheh já viste? Mandaram outra vez uma gaja que sabe cantar!".

sábado, 29 de maio de 2010

À Consideração da Mula Governativa

Os impostos, nomeadamente o seu aumento, sobretudo em sede de IRS, tem sido o traço distintivo da última década portuguesa. Quer o leitor saber em que ideia assenta o Estado português? Ora aí tem o leitor – o imposto. Este constitui para o nosso Governo a única fonte de inspiração governativa. Há um problema de deficit? Aumente-se o imposto. Há um problema de dívida pública? Aumente-se o imposto. Há um problema para pagar aos nossos credores? Aumente-se o imposto. Há um problema de competitividade? Aumente-se o imposto. Há um problema desequilíbrio orçamental? Aumente-se o imposto.
O Opinador, movendo-se com agilidade por entre os corredores do poder, teve acesso aos meandros dessa reunião de Conselho de Ministros em que se optou por um aumento generalizado de impostos – IRS, IRC e IVA. Queira o estimado leitor, em primeira mão, saber o que nela decorreu e que, em seguida, se transcreve:
Face à dificuldade em resolver o desequilíbrio orçamental português e a necessidade de reajustamento no curto prazo do mesmo, José Sócrates, pensativo, beliscava a pele do pescoço. Augusto Santos Silva atirava aviões de papel pelo ar. Isabel Alçada reprimiu este comportamento. Gabriela Canavilhas, ao piano, tocava, Schubert. Sócrates, entretanto, lançava-lhe uns olhares maliciosos e insinuantes. António Mendonça, fazia beicinho, triste e desconsolado, murmurando:
- Eu quero fazer obras públicas!... – e soltava um pranto, gemendo, timidamente.
Uma sonolência pesava.
Mas, eis que, Fernando Teixeira dos Santos, Ministro das Finanças, erguendo-se bruscamente da sua cadeira, solta em êxtase:
- Já sei! Já sei! Tenho uma ideia!...Oiçam!...Oiçam!...Esta é genial! Esta é engenhosa! É um plano rebuscado, mas pode funcionar!...
Os outros acercaram-se, maravilhados.
Teixeira dos Santos, largou então a sua ideia, retirada do domínio das Musas, dos Céus, do terreno dos altos profetas, daqueles que estabelecem verdades eternas:
- E se aumentássemos os impostos?
Todos os outros soltaram, em uníssono, em espanto, em admiração:
- Oh!...
- Isso é arrojado! – dizia um.
- Isso é ardente! – dizia outro.
- Isso quer dizer que posso fazer obras públicas? – perguntou António Mendonça.
E desatou, rindo alegramente, batendo palminhas. José Sócrates, que permanecera em silêncio, abeirou-se de Teixeira dos Santos e, após dar uma palmadinha nas costas do Ministro das Finanças, exclamou, radioso:
- Porreiro, pá!

O imposto, com efeito, tem sido o grande responsável para empurrar a mula governativa. E não obstante, a mula governativa anda desorientada com o imposto.

No dia de hoje iremos abordar um tema fiscal que não vemos tão, galhofeiramente, tratado nos destaques da nossa Imprensa e, contudo, não é de somenos importância – o Paraíso Fiscal. Neste idílico local, estimado leitor, o dinheiro circula, fugaz e secreto, despudoradamente, somente com uma folhinha de couve ocultando as suas partes privadas. Nós, estimado leitor, achamos isto uma devassa, o deboche, uma sem vergonhice, uma libertinagem, um atentado ao pudor. Nós assistimos, acerejados e rosadinhos, a este espectáculo…Mas o Estado acha este acto um acto de pudicícia, caro leitor!
Em Outubro de 2009, um conjunto de fiscalistas eminentes, a pedido do Ministério das Finanças, realizou um Relatório sobre a Competitividade, Eficiência e Justiça do Sistema Fiscal. Relativamente aos Paraísos Fiscais, o mencionado Relatório reportava o seguinte:
“Quanto à questão dos paraísos fiscais, partindo da observação de que, no passado recente, a retórica contra estas jurisdições não foi acompanhada de medidas efectivas para controlar a erosão que causam aos sistemas fiscais, o relatório recomenda que, no actual contexto político-económico e dada a pressão a que os paraísos fiscais estão agora sujeitos, sejam dinamizados e eficazmente usados todos os protocolos no sentido de potenciar a troca de informações.”
Recentemente, o Estado estabeleceu acordos com as Bermudas e as Ilhas Caimão com vista a “a solicitar às autoridades competentes das Bermudas e das Ilhas Caimão elementos relevantes para o combate à fraude e evasão fiscal, incluindo informações sobre a movimentação de fundos, bem como sobre a titularidade de sociedades, fundações, trusts ou outro tipo de veículos criados nestes territórios”, adiantou o Ministério das Finanças em comunicado.
O esforço do Ministério é louvável, porém inútil, senão se tratar de um esforço continuado. Caso o Estado pretenda combater eficazmente a evasão fiscal não pode limitar-se a celebrar acordos apenas com as Ilhas Caimão e as Bermudas, mantendo outras zonas fiscalmente privilegiadas na obscuridade da informação. A manutenção de outros Paraísos Fiscais comporta o mesmo problema, pelo que o intensificar de negociações com esses países é urgente. Se suas agiotas excelências manifestassem o mesmo empenho na captação de receita que é ilicitamente transaccionada para esses Paraísos, como na captação da receita do rendimento das pessoas singulares, Portugal poderia ser um País diferente. E para melhor, suas excelências!
O reforço da troca de informação entre a administração fiscal portuguesa e as administrações fiscais que não cooperam neste desígnio é fundamental. A globalização e integração das economias mundiais e a aceleração da mobilidade dos capitais contribuíram para um aumento dos fluxos de capitais a nível internacional. Por certo que estes factores contribuíram, igualmente, para uma maior união das administrações fiscais no que respeita à troca de informação. Todavia, no mesmo grau, as possibilidades de um planeamento fiscal abusivo aumentaram.
“A lei fiscal não pode criar qualquer impedimento à busca pelas partes contratuais das soluções que, dentro do largo quadro decisório que lhes é dado pelo normal exercício da autonomia privada, lhes pareçam mais adequadas para a prossecução dos seus interesses juridicamente tutelados e para a construção de contratos tão eficientes quanto o possível para a obtenção dos seus fins. Mas, simultaneamente, é necessário impedir a escolha de formas contratuais por razões de pura economia fiscal, razões integralmente fiscais ou essencialmente fiscais – ou seja, é necessário impedir a escolha, não da forma contratual mais eficiente, mas da forma que proporciona uma economia fiscal.”
O excerto mencionado é da autoria de Saldanha Sanches e distingue entre o planeamento fiscal e a evasão fiscal. Por conseguinte, O Opinador questiona-se: estará o Governo realmente empenhado no combate à evasão fiscal?
Um dos elementos para efectuar esta economia fiscal passa, precisamente, pela localização de residência fiscal. A escolha de localização é um instrumento fundamental de planeamento fiscal pelo que a atenuação desse factor pela eliminação das dificuldades de colaboração entre Estados é uma via fundamental de captação de receita para o Estado.
De acordo com o Jornal de Notícias, “as transferências de investimentos para "off-shores" atingiram, no ano passado, valores que estão entre os mais altos de sempre”. De entre estas transferências, muitas podem ter origem em fraudes fiscais.
Assim, o estabelecimento de acordos com as administrações tributárias que, deliberadamente, ocultam informações fiscalmente relevantes de contribuintes deve ser uma política fiscal prioritária como captação adicional de receita, não se limitando esta apenas ao IRS, IRC e IVA. Além do mais, este esforço adicional tem a incomensurável vantagem de devolver a base de justiça fiscal ao sistema, ao revelar por parte da Administração um verdadeiro combate a uma fuga ilícita aos impostos, que são um instrumento essencial do Estado Social e não um combate exclusivo ao esgravatar de todos os cêntimos do cidadão cumpridor das suas obrigações fiscais.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

O Especismo

Se o estimado leitor já estudou a fundo esta forma de preconceito, provavelmente será vegeteriano/vegano e não precisará de ler o post; se ouviu falar apenas por alto ou o desconhece, convido-o a tomar este post como uma introdução ao tema, base de uma futura pesquisa (pois é totalmente impossível abordá-lo na sua plenitude num só post).

Ora o especismo é uma das mais antigas formas de discriminação e baseia-se num preconceito contra a ideia de levar os interesses dos animais a sério, um preconceito tão cruel como aquele que levou os esclavagistas brancos a não considerar com a devida seriedade os interesses dos seus escravos negros.

Jeremy Bentham, esse inspirador jurista, filósofo e reformista social do século XVIII, foi um dos primeiros (senão o primeiro) a defender explicitamente os direitos dos animais e, em 1789, Benthan escreveu o seguinte: “The day has been, I grieve to say in many places it is not yet past, in which the greater part of the species, under the denomination of slaves, have been treated by the law exactly upon the same footing, as, in England for example, the inferior races of animals are still. The day may come when the rest of the animal creation may acquire those rights which never could have been witholden from them but by the hand of tyranny. The French have already discovered that the blackness of the skin is no reason a human being should be abandoned without redress to the caprice of a tormentor. It may one day come to be recognised that the number of the legs, the villosity of the skin, or the termination of the os sacrum are reasons equally insufficient for abandoning a sensitive being to the same fate. What else is it that should trace the insuperable line? Is it the faculty of reason or perhaps the faculty of discourse? But a full-grown horse or dog, is beyond comparison a more rational, as well as a more conversable animal, than an infant of a day or a week or even a month, old. But suppose the case were otherwise, what would it avail? The question is not, Can they reason? nor, Can they talk? but, Can they suffer?”

Com efeito, se um ser sofre, não pode haver justificação moral para a recusa de tomar esse sofrimento em consideração; ao contrário de uma pedra ou uma planta que não são capazes de sofrer nem de sentir satisfação nem felicidade. À semelhança dos racistas, que violam o princípio da igualdade atribuindo maior peso aos interesses de membros da sua própria raça quando há um confronto entre os seus interesses e os de outra raça, também os especistas atribuem maior peso aos interesses dos membros da sua própria espécie em detrimento dos interesses das outras espécies.

Para concretizar um pouco, pensemos nas experiências que implicam tortura, isolamento e, finalmente, morte (ou seja, a generalidade das experiências científicas que testam cosméticos, produtos limpeza e outras coisas, que já todos estamos cansados de saber que não são para comer nem para injectar dentro dos olhos, mas que os experimentadores insistem em ver no que dá – saiba o leitor que uso cremes, champô, maquiagem, ..., que compro numa empresa que não testa em animais e nunca tive efeitos adversos). A maioria de nós aceita o facto de um homem poder sofrer mais que o animal, na medida em que consegue antecipar o facto de vir a ser morto e essa capacidade de antecipação transforma-se em angústia psicológica, que poderá inclusive aumentar a percepção da dor física. No entanto, repare o leitor que os animais não humanos e os deficientes intelectuais profundos estão na mesma categoria; e, se usarmos estes argumentos para justificar experiências em animais não humanos, temos de perguntar a nós próprios se também estamos preparados para permitir experiências em deficientes intelectuais profundos. Acredito que dirão que não (eu também diria que não, mas digo-o para ambas situações – sejam animais humanos ou não humanos – salvo excepções extremamente pontuais que implicariam outro post). Mas se o leitor disser que não aceita para os humanos com atraso cognitivo severo e irreversível (eventualmente institucionalizados, sem família que sofresse a sua partida), mas que o aceita se se tratar de um animal não humano então comporta-se como um especista, pois estará a fazer uma distinção que moralmente/eticamente não é fundamentada, sendo a única justificação uma preferência que favorece o membro da sua espécie, discriminando o membro da outra espécie.

A ideia geral que pretendo transmitir é a de que o sofrimento é sempre negativo e importa procurar minimizá-lo, porque um ser senciente sente sempre, independentemente da raça, sexo ou espécie. Tal como é referido por Peter Singer, bioético, filósofo e professor da Universidade de Princeton,“todos os argumentos para provar a superioridade humana não conseguem desmentir este facto: no sofrimento, os animais são iguais a nós”. Até Charles Darwin, o incontornável naturalista e cientista britânico, havia constatado que "Não há diferenças fundamentais entre o homem e os animais nas suas faculdades mentais (...) os animais, como os homens, demonstram sentir prazer, dor, felicidade e sofrimento."

Existe uma diferença enorme entre querer e necessitar. As pessoas não necessitam de comer carne, elas querem comê-la, porque são mimadas até ao ponto de não serem capazes de abdicar do prazer que as suas papilas gustativas lhes transmitem enquanto comem um bife (desafortunadas pessoas, essas que não conhecem as delícias da cozinha vegetariana), mesmo sabendo que o seu bife vem de um animal capaz de sentir medo e dor e que, provavelmente, viveu miseravelmente enclausurado, fora do seu habitat natural, antes de prosseguir para o matadouro. Se as pessoas não conseguem perceber a diferença entre precisar e querer, provavelmente são intelectualmente inaptas. Se não querem ver a diferença, então provavelmente são hipócritas. Se vêem a diferença e são incapazes de fazer a mudança então são egoístas, na medida em que conhecem os factos, mas simplesmente não se preocupam o suficiente para alterar o seu estilo de vida (sendo que algumas pessoas chegam ao ponto de manifestar ignorância de forma intencional e, sinceramente, prefiro isto a manifestarem que simplesmente não querem saber, porque quando manifestam intencionalmente uma falsa ignorância é porque têm, apesar de tudo, alguma consciência sobre a questão, faltando-lhes a força de vontade).

Não é certamente novidade que todos os animais (humanos e não humanos) possuem o seu próprio mundo de experiências subjectivas, independentemente do seu grau de complexidade, e pôr termo a esse conjunto único de experiências inerentes a cada ser senciente é egoísta e injustificado. Quando um homem olha para os animais não humanos como se fossem objectos, que apenas valem enquanto refeição ou casaco de cabedal, então esse homem não tem em si espaço para muito mais do que os seus próprios caprichos.

Embora eu tenha plena consciência de que a crueldade humana só terá fim quando a espécie humana se extinguir, mantenho a esperança de que a justiça e a ética venham sobrepor a conveniência, pelo menos na parte maioritária da sociedade. A luta contra os preconceitos e a discriminação é um trabalho em contínua construção e, já em 1854, Henry David Thoreau, numa das suas obras - Walden - dizia "I have no doubt that it is a part of the destiny of the human race, in its gradual improvement, to leave off eating animals, as surely as the savage tribes have left off eating each other....".

quinta-feira, 27 de maio de 2010

A Adopção Homossexual


Após a promulgação da lei que permite o casamento homossexual têm-se levantado na nossa praça vozes clamando agora pela adopção e mesmo pelo acesso a métodos de procriação medicamente assistida, por parte daqueles casais.
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Juristas têm até lançado opiniões no sentido que o ordenamento jurídico – pelo menos no caso das técnicas de PMA – já permitiria aquelas soluções.
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Ora o debate que se acompanha nos media tem andado muito à superfície e cheio de incorrecções técnicas. Como tal, vamos lá – o leitor e eu – pensar nesta questão: devem os casais homossexuais poder adoptar (ou recorrer a técnicas de PMA)?
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Antes de mais convirá referir que através da adopção – e aqui fala-se da adopção plena que é a que interessa para o caso – o adoptado adquire a situação de filho, integrando-se com os seus descendentes na família dos adoptantes sendo estabelecida uma nova filiação que substitui a biológica. Assim, o adoptado passará a ser, para todos os efeitos – excepto alguns impedimentos matrimoniais que aqui também não interessam, filho dos adoptantes.
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Chegados a esta conclusão, volte-se comigo, ó leitor, para a Lei Fundamental da Nação e o seu artigo 26.º que estatui o seguinte:
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“Artigo 26.º
(Outros direitos pessoais)
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1. A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação.”

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Ora daqui pode retirar-se o seguinte: o direito ao livre desenvolvimento da personalidade, ali consagrado, pode passar por alguém que é adoptado não querer que seja do conhecimento público essa sua situação: bem sei que já não existirão os estigmas de outros tempos, no entanto, tal atitude é perfeitamente lícita e até compreensível – estando protegida pelo Direito na sua lei mais fundamental.
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Sendo certo que a adopção necessita do consentimento dos adoptantes, ela é sempre configurada no superior interesse da criança. Como tal é aos interesses daquela – que também terá um projecto de vida e será um dia maior plenamente capaz - que devemos atender numa primeira análise. Assim, e conforme resulta daquele preceito, não parece lícito limitar a sua esfera de direitos para atender a uma expectativa dos adoptantes.
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Desta consideração resulta o seguinte: sob pena de violar o artigo 26.º da Constituição não deve ser admitida a adopção homossexual pois ao ser substituída a filiação biológica, bastará a consulta do Bilhete de Identidade para se ficar a conhecer a qualidade de adoptado, violando o direito ao desenvolvimento da personalidade, constitucionalmente consagrado.
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Não pode tal questão ser contornada através do consentimento do menor: aquele por definição, não tem a sua personalidade completamente desenvolvida não conseguindo perceber todas as implicações do seu comportamento – daí, aos olhos do Direito, ser incapaz. Sendo maior não pode, obviamente, ser adoptado.
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Poderão alguns afirmar que tal argumento é válido também para adopções interraciais: não o creio. Sendo certo que pode também perigar aquele direito, tal eventual conhecimento pressupõe uma vivência próxima do agregado familiar e o conhecimento pessoal dos seus membros – necessita de ter uma relação humana próxima: o BI não diz a raça!
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Nem sequer se pode equacionar uma situação de conflito de direitos pois não existe um direito à adopção – qua tale – por parte dos adoptantes.
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Mais útil que estas discussões seria em pensar formas de agilizar o processo de adopção e proporcionar aos que não conseguem ser adoptados condições para triunfarem na sua vida.
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De referir, por fim, que esta é a opinião de um civilista - dê-se-lhe o devido desconto!

quarta-feira, 26 de maio de 2010

A Assembleia da República

Na passada sexta-feira foi discutida e rejeitada na Assembleia da República a moção de censura apresentada pelo PCP: Segundo palavras de Jerónimo de Sousa, há “o receio de que Portugal pode transformar-se em protectorado de Bruxelas”.
O debate realizado na AR foi inútil. O PCP acusou o Governo da presente situação do País; o Bloco de Esquerda seguiu o mesmo caminho; o PS devolveu as críticas e acusou o PCP e o BE de irresponsabilidade política; o PSD nada disse; o PS acusou o PSD de se abster numa moção de censura que também lhe seria dirigida; o CDS bocejava. Que conclusão a retirar deste debate? Nenhuma. E é exactamente esta nulidade que nos leva a partilhar com o estimado leitor algumas visões particulares em relação à Assembleia da República. Do debate da moção de censura não surgiu uma ilação, uma ideia, uma solução, um pensamento ou um projecto. A Assembleia da República é composta por 230 deputados mas, exceptuando meia dúzia de indivíduos, os restantes deputados são inúteis porque limitam-se a assumir a função de coro, normalmente traduzida no cântico: “Muito bem! Muito bem!”, ao que normalmente se segue uma pequena salva de palmas. Notem Suas Excelências, porém, que, normalmente, os palhaços quando terminam o seu número são, igualmente, entusiasticamente ovacionados. O coro “Muito bem! Muito bem!” é, porém, dispensado, pelo que constitui um traço característico dos deputados da Assembleia Portuguesa.
Do pretexto da fidelidade ao partido, da disciplina de voto e da responsabilidade para com a instituição que o elegeu, o deputado apaga-se, os seus ideais tornam-se dependentes do chefe de bancada, do calculismo partidário e a sua inteligência torna-se órfã, desligada da única coisa que apenas deve respeitar – a sua consciência. A opinião pública é complacente com esta fidelidade – admira-lhe estes traços de lealdade nos deputados: apreciam a nulidade de ideias, de iniciativa, de empreendedorismo, de vontade, de diligência e veneram a inépcia, a inércia, a boçalidade, a ociosidade. A obediência torna o Homem num ser cobarde, numa massa sebosa que é untada e em que qualquer ideia é, convenientemente, besuntada, e que adere, facilmente, a essa massa.
Assim, o Parlamento no lugar de ser um conjunto de homens de ideal e de veia, com a sua ideologia, é um lugar amanteigado onde os deputados são barrados de servilismo. É desta forma que se anula o Progresso, que se dissolve o debate de ideias, que se esmorece a confrontação de princípios e se promove uma luta de galos, cacarejando, desinteressadamente.
Tanto quanto sabemos, a Política consiste na discussão de um conjunto de princípios e de ideias. Encontramos isto na Assembleia da República? Encontramos sim a simples opereta, uma fraseologia lúbrica, a ideia estereotipada sob a forma de eloquência. O confronto de ideias devia ser responsável por uma acção fecunda – a sua discussão devia promover quer a exclusão dos maus projectos, quer a multiplicação das boas opiniões. Todavia, como do nada, nada pode surgir – ex nihilo nihil fit, já o dizia Shakespeare -, assim, vimos regredindo o Parlamento português. O contacto de deputado com deputado não multiplica a curiosidade intelectual, a sua relação de convivência não estimula o seu saber, mas apenas a sua vassalagem, a sua submissão. O servilismo anula o livre impulso dado ao espírito, inviabiliza o desejo honesto de sabedoria e funda o mais desprezível compadrio, o bafo lúgubre do mestre, da disciplina, da doutrina, do jugo partidário. A convivência salutar, a troca de ideias, a boa formação do carácter e da inteligência é substituída pela autoridade dogmática de uns quantos austeros sábios. E mesmo estes sábios são dotados de meia dúzia de clichés sem qualquer força correlativa e integrada que vão reproduzindo num círculo de tempo vicioso. Eis a quanto se resume a sua liderança.
A orientação fecunda deveria partir do Parlamento e verter-se sobre o Povo. Este devia olhar para a sua Assembleia, para os representantes que elegeu e encher o peito de orgulho, ver neles um exemplo a seguir pela força das suas opiniões, pelo brilho das suas convicções. O Povo necessita de uma liderança inspiradora, que os exorte; os governantes necessitam de ser um farol cuja luz guie o Povo para Canaã. Ao invés, o português ao olhar para a sua Assembleia apenas encontra motivos para se esbandalhar nesta vida. O português ao olhar para a Assembleia da República que vê? Um salteador de gravadores…Que exemplo pode sobre o povo brotar dum indivíduo destes? Deverá o Povo concluir que se deve tornar uma horda revolucionária que tem por fim a pilhagem? A Assembleia da República com o seu exemplo dissolve a sociedade – abastardado o mais legítimo interesse público, como pode qualquer cidadão prosseguir na porfia da moral, da compostura, do esforço, do mérito?

terça-feira, 25 de maio de 2010

I do not got a feeling...

Nota Prévia: o leitor que nos siga terá concerteza notado que o Dr. Carlos ficou muito sentido com a reposta ao seu texto crítico da religião, tendo dedicado todo o seu post de sábado a responder ao post de quinta – e depois os crentes é que são os “chatos”. Com efeito, sentiu-se desprezado por ninguém ter discutido com ele acerca da existência de Deus. E que gosto de praticar o bem tentarei num futuro próximo seguir esse desiderato, laçando assim uma calma sobre aquela alma atormentada. No entanto, por falta de tempo, não o posso fazer agora…
Já começou por estes dias a imbecilidade estupidificante preferida da nação: o apoio à selecção de futebol.
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Por todo o lado já se vislumbram as iniciativas inúteis e deprimentes de indivíduos sozinhos ou em manada. Também a comunicação social já começa a dedicar muito do tempo das suas antenas à cobertura de tudo o que vareja à volta da selecção nacional permitindo-nos saber quais os bibelôs preferidos dos craques da bola bem como qual o carro que andam a conduzir ou a sua opinião desinteressante sobre uma coisa qualquer.
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A nação une-se neste voyeurismo patético em que se debatem inutilidades com uma superficialidade chocante.
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Por estes dias existe apenas uma posição aceitável – o apoio incondicional à selecção, que passa por fazer barulho ou pintar a cara (ainda estou para perceber em que medida é que isto serve para algum coisa). Note-se que quem não pendura a bandeira (comprada sabe Deus onde, com os seus pagodes chineses em vez de castelos) na sua marquise, corre o sério risco de ser considerado um pária – e torna-se vítima dos olhares furiosos dos vizinhos…
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Caro leitor, tinha a secreta esperança que a crise que atravessámos pudesse diminuir este fenómeno terceiro-mundista que assola a nação. No entanto é com tristeza que constato essa ténue esperança a desvanecer-se por entre o meio de vovuzelas irritantes e bandeiras postas ao contrário – com o escudo virado para baixo.
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Da intelligentsia portuguesa esperava-se um mar de lucidez; mas parece que foi aquela também consumida pela febre que assola a nação e que demonstra o grau cultural do povo: assim se justificam algumas declarações que têm vindo ao mundo nos últimos dias.
Vamos lá todos parar e pensar em que medida uma vitória da selecção nacional de futebol melhora a nossa vida. Ora pois que de maneira nenhuma, não será?
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Neste país de frustrações, apenas as projecções individuais em heróis light que nada de meritório conseguem, geram optimismo.

Somos um país pobre, burro, saloio, patético e preguiçoso… Só nos empolgamos com uma competição desportiva sendo que no resto do tempo só produzimos queixumes. Mas enfim, o leitor e eu nascemos cá – pelo acaso ou desígnio da Providência – e temos que aturar….
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Até quinta amigo leitor. Isto se um de nós não se atirar de uma janela da próxima vez que ouvir i got a feeling no transístor… E para distrair fica aqui mesmo no fim uma mensagem de serviço público – check it out!

Super Sexy CPR from Super Sexy CPR on Vimeo.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Bruna Real - a sedutora

Afinal, contra todas as expectativas, no nosso país também impera a bizarria! Muito provavelmente não passou despercebida aos olhos de ninguém a notícia da professora do Primeiro Ciclo do Ensino Básico de uma escola de Mirandela que posou nua para a Playboy e se tornou mediática porque, consequentemente a isso, foi afastada das suas funções de "Stora" de Música e recambiada de castigo para o Arquivo Municipal.
Bruna Real, uma jovem com qualidades físicas incomensuráveis, fez um belíssimo e competente ensaio lésbico para a citada revista, um pouco mais à fresca e, ao contrário do que toda a gente pensa, fez as alegrias de alunos e conterrâneos que, alegadamente, não tiveram mãos a medir no que respeita à divulgação das fotografias que se tornaram a desgraça profissional da docente, mas o "orgulho" da terra. À parte de estarmos perante um caso flagrante de censura, discriminação e ataque indirecto ao livre arbítrio do sujeito individualmente considerado, parece-me bastante coerente com a mentalidade ainda tão conservadora do nosso querido Portugal, portanto não me choca, de todo, que a tenham enfiado no Arquivo Municipal e afastado radicalmente essa portadora de maus exemplos e indecência do local privilegiado de ensino. Ainda por cima, alegadamente também, Bruna sentiu-se constrangida com o burburinho que se instalou na Escola Básica de Torre da Dona Chama e com o facto de agora os alunos passarem mais tempo a olhar para as fotos dela em pelota do que para os manuais de Música e, por isso, tolerou muito melhor a alteração de funções profssionais.
Mas, ao que parece, só neste País à beira mar plantado é que esta espécie de episódios gera tanta controvérsia e maledicência. Bruna foi convidada por um canal do nosso amigo Brasil a contar a sua história, mas como agora deve ficar mal meter baixa para ir fazer umas férias às praias de Ipanema, agradeceu a simpatia e adiou para outras núpcias, possivelmente menos conturbadas. Sobre esta história, Natacha Loureiro, responsável da TV Record em Portugal, pronunciou-se salientando que lá no Brasil não existem este tipo de discriminações e, talvez por isso, o espisódio da Professora de Música modelo ousada discriminada seja um motivo de notícia tão promissor.
Não estando a par dos verdadeiros motivos que levaram a jovem a comenter este acto bárbaro de atentado ao pudor (o factor dinheiro já me passou pela cabeça, mas hesito...) concluo várias coisas que, não sei se interessam a alguém, mas já que estou a escrever sobre isto vou partilhar:

Primeiro: com este forrobodó todo constata-se que os boatos que por aí corriam sobre a Playboy não andar a pagar, pagar mal ou ir pagando aquelas exorbitâncias que oferecem confirmam-se. Se não qual seria a lógica da Bruna (espero que ela não se importe que a trate por tu) aceitar enfiar aquelas abundâncias físicas que Deus e os seus paizinhos lhe deram no Arquivo Municipal de Mirandela e não aproveitar o insuflamento da conta bancária para fazer umas férias no Brasil? Olha, aproveitava e dava lá a tal entrevista à TV Record e posava nua mais uma vez já que não faz tanta espécie aos brasileiros.

Segundo: apelo a toda a (pouca) gente que habita o interior esquecido do nosso País para fazer atenção, estamos constantemente a ouvir a história dos burlões que nos vão a casa com a cantiga do bandido e nos levam os Euros para trocar por Escudos, vede como já não há limites para esses marginais que até as moças novas iludem com o conto do vigário!... Hoje um colchão, amanhã o estrelato das revistas de sedução!

Terceiro: para ti Bruna, uma palavra de coragem, não desistas dos teus sonhos! Se o teu destino passa por revelares o portento que és não te deixes abater pelas dificuldades. Já no Achas que sabes dançar? e no Ídolos dizem: a vida de artista é mesmo assim, tem de se batalhar muito. Aproveita o recato do Arquivo para soltares a franga e seres tu sem limites. Mas, pelo sim e pelo não, só por prevenção mesmo, dá uma vista de olhos nos teus novos aposentos de trabalho...os homens são capazes de muita coisa para terem uns exclusivos.

sábado, 22 de maio de 2010

Da Religião - A Continuação

No dia de hoje iremos transmitir as nossas últimas palavras em relação ao fenómeno religioso. Em relação às palavras de Lord Nelson diremos:
“Toda a realidade da matéria reside, com efeito, na sua actividade, e nenhuma outra lhe poderia ser atribuída, mesmo em pensamento. É por ela ser activa que ela preenche o espaço e o tempo; e é a sua acção sobre o objecto imediato, ele mesmo material, que cria a percepção, sem a qual não há matéria; o conhecimento da influência exercida por um qualquer objecto material sobre um outro só é possível se este último actuar por sua vez sobre o objecto imediato, de maneira diferente da anterior: a isso se reduz tudo aquilo que nós podemos saber. Ser causa e efeito, eis pois a própria essência da matéria; o ser consiste unicamente na sua actividade.
Extremoso Lord, estas são palavras de Schopenhauer, retiradas do seu “Mundo como Vontade e Representação” e que demonstram a construção do mundo que nós conhecemos. Ora, se segundo Schopenhauer, “o ser consiste unicamente na sua actividade”, diga-nos o Lord onde vê os sinais da actividade de Deus? Não nos venha dizer, como nós já ironicamente criticamos, que V. Ex.ª é também um convertido ao catolicismo pelo reverencial terror ao dedo castigador divino? Como pode V. Ex.ª subestimar uma questão tão essencial como a existência de Deus? Não é a existência ou inexistência o ponto de partida para uma discussão subsequente em relação aos efeitos da actividade da matéria? E não nos diga, igualmente, que não é seu dever demonstrar a existência de Deus à nossa herege pessoa. Afinal de contas, se Sua Excelência, propositadamente, vem criticar a nossa posição religiosa, o Lord não pode limitar-se a afirmar a sua posição – mas sim, demonstrar as incongruências do nosso ponto de vista. Assobiar para o ar e afirmar que Deus, efectivamente, existe e que a minha pessoa é um ímpio não contraria a nossa posição – pelo contrário, é V. Ex.ª que se encontra em estado de negação e que se recusa a discutir factos. Sua excelência afirma ainda que não pretende converter a nossa alma mefistofélica. Caro Lord, pregar aos convertidos é fácil; mudar consciências, com base nos seus argumentos, é tarefa de mais árdua execução. Sua Excelência ataca a nossa posição, reafirma a sua e, logo em seguida, furta-se ao debate, refugiando-se no argumento da pregação para o leitor fiel. Estimado Lord, nós, ajoelhados, de mãos estendidas para V. Ex.ª, lhe ofertamos Filosofia. Sua Excelência esbofeteia a nossa face com parábolas…Com isso não podemos competir, caro Lord!...
Mas V. Ex.º reputa-nos, além do mais, como falsos!...Falsos, caro Lord!...Um aldrabão, um trafulha, um trapaceiro, um impostor, um batoteiro, um charlatão, um caluniador! E tudo isto porque não notificamos a Bíblia para que ela comparecesse e testemunhasse o nosso julgamento?
Mas note Sua Excelência como nós transmitimos a ideia da mensagem da Bíblia, sem, contudo, sentirmos a necessidade de, ipsis verbis, a mencionar. Mas, pois bem, caro Lord…V. Ex.ª venera os procedimentos formais, nós dar-vos-emos os procedimentos formais.
Na 1ª Carta de São Pedro, sobre a “Sublimidade da Vocação Cristã”, reza o seguinte:
“Sem O terdes visto, vós O amais; sem O ver ainda, crestes n’Ele e isto é para vós fonte de uma alegria inefável e gloriosa, porque estais certos de obter, como prémio da vossa fé, a salvação das almas”. A salvação das almas, caro Lord! Como prémio da fé, caro Lord!...Crendo em Deus, aí tem o mortal – a salvação o espera!...Agora diga-nos, estimado Lord – necessitamos nós de traduzir toda a mensagem cristã ou não somos nós dignos de a interpretar só porque não cremos no seu adorado Deus? Julgávamos nós que todos os Homens eram iguais em dignidade e que os ateus não seriam menos dignos dos católicos.
Na mesma carta, caro Lord, reza também o seguinte:
“E vós mesmos, como pedras vivas, entrai na construção de um edifício espiritual, por meio dum sacerdócio santo, cujo fim é oferecer sacrifícios espirituais que serão agradáveis a Deus, por Jesus Cristo”.
Agradáveis a Deus, estimado Lord? Então V. Ex.ª não reconhece nestas palavras aquilo que nós dizíamos “de um conjunto de práticas que têm por fim cativar Deus” e que, supostamente, seriam destituídas de sentido por não termos chamado a Bíblia a interrogatório e a termos submetido a um formulário de questões inquisitivas?
E, contudo, para que o Lord se aperceba da espiritualidade e da bondade da nossa alma nós lhe diremos que não somos frontalmente contra a religião. Apesar de negarmos a existência de Deus aos nossos olhos e de concluirmos pela falta de fundamento religioso, nós reconhecemos o direito às almas para crerem em tudo quanto bem entenderem. Mas nós, recorrendo ao filósofo que, nas profundezas da nossa alma habita, ainda assim, criticamos a religião que vemos nos presentes dias – queira V. Ex.ª colocar o homem, desguarnecido de todos os rituais católicos, unicamente em contacto com o seu Deus e aí terá o Lord um bom exemplo do que deve ser a religião. Como talvez, há uns anos atrás, uns certos pastorinhos, nas suas roupas simples, na sua humilde pobreza, mas de coração puro e são, encontraram, singelamente, sob uma azinheira, uma imagem, cuja luz era forte e intensa. Esses caminhavam, respeitosos pelos prados da Cova da Iria com o seu rebanho e, depois de cumprirem a obrigação para com as suas ovelhas, ajoelhados e modestos, com um terço na mão, rezavam na sua inocência nessa sua comunhão com o espírito divino, sem qualquer interferência. E eis que ele lhes surge a …”Senhora mais brilhante que o Sol”…Nota V. Ex.ª alguma semelhança deste modo de entender a religião com aquilo que vê hoje? Uma comunhão unicamente espiritual, despida dos ritos tendentes a captar a atenção de Deus, mas sim com o Homem, modestamente, comunicando com o seu Deus, sem ter por intermédio Papas, Cardeais, Bispos, Sacerdotes ou Padres. V. Ex.ª poderá argumentar que para isso acontecer que será necessário que em cada espírito se encontre um filósofo…Nós lhe diremos apenas que, em cada espírito, é apenas necessário que haja uma alma inocente…

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Liberdade Religiosa e (Des)Integridade Humana

A reflexão que trago hoje é inspirada nesse tema complexo que é a religião. No entanto, como apaixonada incurável pelas ciências sociais e humanas, o aspecto sobre o qual me debruço não se prende com os aspectos já debatidos neste blog a propósito da religião, mas sim com os limites que toda e qualquer religião deve ter na sua aplicação prática, para que haja manutenção da integridade de cada um de nós.

Ora, como refere a Declaração Universal dos Direitos Humanos, no artigo 18º Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos”. E, logo de seguida, é acrescentado pelo artigo 19º que “Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão”.

Falo disto porque, como se sabe, há actualmente um debate sobre a abolição do véu islâmico em alguns países europeus, nomeadamente na França e na Bélgica. Por isso, gostaria de convidar o leitor a visualizar um vídeo breve da Euronews, cujo título é “Véu Islâmico e identidade europeia” e onde são condensadas diferentes perspectivas, mas igualmente interessantíssimas. Como se vê, a discórdia é imensa e torna-se difícil dizer, com exactidão, até que ponto algumas destas mulheres estarão a ser vítimas de fanatismo religioso imposto ou estarão apenas a levar um estilo de vida religioso, escolhido de forma livre e com base nas suas mais profundas convicções. Por este motivo, sou contra o uso de véu pelas crianças nas escolas, visto que ainda não estão com um desenvolvimento suficiente (em termos de maturação cerebral e psicológica) para decidirem, de forma informada e independente, o caminho espiritual com que se identificam mais; mas sou a favor da liberdade do uso de véu por mulheres adultas e independentes. De facto, se houver crença religiosa por parte da própria mulher, ela for adulta e levar a cabo uma vida independente (tendo profissão, casa própria, etc.) como sucede com muitas das mulheres que usam o véu, penso que todos devemos respeitá-las, pois elas têm o direito de escolher a sua religião e, como referi através da Declaração Universal dos Direitos Humanos, têm também o direito de expressar as sua religião (neste caso através do vestuário) em público. Por isso, aqui digo algo semelhante ao que disse no meu post acerca da eutanásia: se não gosta do Islão (e eu, pessoalmente, não aprecio, embora respeite) não use véu (eu também não o uso, ao mesmo tempo que respeito e aceito incondicionalmente quem o usa).

Um aspecto muito interessante comentado no vídeo prende-se com o que Nadia Fadil (socióloga) disse, e com o qual concordo plenamente, acerca dos infelizes “desvios a que se assiste neste debate: fala-se do véu integral para falar em seguida do lenço na cabeça e depois dos muçulmanos e, neste caso, as fronteiras com os discursos islamofóbicos diluem-se”. Com efeito, recusar que uma mulher se vista de acordo com aquilo em que acredita não é mais do que uma persistência da discriminação das minorias emigrantes nas sociedades da Europa ocidental onde, supostamente, existem normas democráticas e de tolerância.

Outro momento do vídeo que cativou a minha atenção foi o da entrevista à primeira deputada na Europa a usar o véu islâmico, eleita em 2009 e com apenas 26 anos. Ela afirma que o véu não é um travão à sua emancipação e assume-se como feminista (lutadora pela igualdade de direitos entre os sexos), pretendendo um Islão Europeu adequado aos dias de hoje. Por estas razões, só posso dar os parabéns a Mahinur Ozdemir pela sua coragem, inteligência e sensatez, capacidades essas que lhe permitem manter-se fiel às suas crenças sem, no entanto, impô-las nem pôr em causa a igualdade da mulher, pois demonstra ter a assertividade necessária para filtrar adequadamente a sua religião no momento de aplicá-la à vida real.

No entanto, ainda há muitas pessoas incapazes de filtrar a religião, por forma a vivê-la de forma realista e respeitando a integridade dos outros indivíduos. E, por isso, sou contra a imposição da religião em crianças, pois estas não são ainda capazes de consentir em consciência plena com os dogmas religiosos. Em termos objectivos, considero totalmente indefensável obrigar crianças a levarem o véu islâmico para a escola, a circuncisão masculina em bebés, assim como a feminina (mais conhecida por mutilação genital) e sou ainda contra situações vergonhosas como esta: uma criança de 12 anos morreu três dias depois de ter casado com um homem com mais do dobro da sua idade, devido a hemorragias internas decorrentes das relações sexuais a que foi sujeita e, para as quais, o seu corpo ainda não se encontrava suficientemente desenvolvido, como é óbvio. Isto está errado a diversos níveis e nenhum dogma religioso deveria permitir estes ataques à integridade do ser humano.

Gostaria de terminar partilhando a minha visão sobre a religião. Hoje, encaro-a apenas uma espécie de rasto que ficou da verdadeira espiritualidade. Todos os grandes pilares humanos da religião são seres dotados de grande sabedoria: Buddha (inspirador do budismo), Jesus (Cristianismo), Lao Tsé (Taoísmo) e, mais recentemente, por exemplo Gandhi. Todos eles passavam uma mensagem muito simples, mas muito verdadeira, a mensagem do amor. Todos os grandes filósofos espirituais transmitiram a importância de viver sem crueldade, respeitando, aceitando e partilhando o nosso afecto com todos os seres, amar e ser amado, sem contrapartidas, sem segundas intenções. Apenas isto, amar e respeitar genuinamente! Contudo, têm sido adicionados ao longo do tempo (por outros seres humanos que não compreendem verdadeiramente a profundidade dessas mensagens simples e as interpretam de forma incorrecta e interesseira) outras mensagens, as quais se transformam em dogmas (criando religiões) e cujo propósito já não é a espiritualidade em si, mas sim uma espiritualidade frequentemente corrompida por outros interesses ligados ao poder e à política.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Esclarecimentos



No nosso último post referimo-nos à mensagem presidencial aquando da promulgação da lei do casamento homossexual nestes termos: “Em Portugal isso é sinónimo de Presidente de mãos atadas pelo Parlamento (mas com excelente discurso, diga-se) ”.

Ora tal comentário parece ter causado no nosso auditório (ou por menos na parte nossa conhecida) a impressão que teríamos apoiado a intervenção presidencial. De facto, o nosso comentário não foi nada esclarecedor… E para não haver dúvidas dizemo-lo claramente: não gostamos da atitude do presidente. Ora vamos lá por partes (como dizia Jack, o estripador):
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Quanto à substância das declarações estamos de acordo (e era a isso que nos referíamos). Julgamos que a união entre duas pessoas de sexo igual deveria ser possível à luz da lei mas com um regime diferenciado do do casamento. Não se justifica esta igualdade de situações diferentes – nem à luz da história do instituto nem por argumentos de eventuais inconstitucionalidades. A nossa posição mantém-se igual à deste tempo. Também não nos revemos em abordagens simplistas que identificam o casamento homossexual com o progresso e os que com ele não concordam como ogres medievais. A seriedade necessária às reformas legislativas não se coaduna com esta abordagem muito colada aos ensinamentos dos “gurus” do politicamente correcto.
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O que nos levou a criticar o presidente foram sobretudo duas coisas:
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Coisa número um: é indecente vir atacar uma lei que irá ser promulgada. Se o presidente discordava tinha apensa que enviar o diploma ao parlamento com as suas razões e o seu veto, mesmo que o julgasse inútil.
O que se fez foi política alcoviteira em que o chefe de Estado assume um papel de virgem ofendida em todo o processo: mas ao querer salvaguardar a sua posição política ataca e fere o diploma que promulga. A Lei não pode ser atacada desta maneira e as acusações feitas à Assembleia parecem estar longe da prometida “cooperação institucional”. O respeito pela Lei também é respeito nas declarações que se fazem acerca dela e o presidente devia ser o primeiro a respeitar – como chefe do regime.
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Coisa número dois: A mensagem presidencial também chamou a atenção para o carácter acessório destas discussões em tão grave momento para a nação – e que foi até um dos motivos que levou à sua promulgação. E perguntámos nós: se isto é tão acessório e a economia tão fundamental por que raio Sua Excelência vem falar disto em horário nobre em todas as televisões? Isto é lógico? Não percebemos…
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Também informamos não ter gostado das duas moscas (ou traças) que varejavam à volta de Sua Excelência, enquanto Sua Excelência falava… A mim distraiu-me.
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Ж
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Uma última palavra para responder ao Dr. Carlos: sim nós papagueamos (aí tem a confissão – o que não é grande confissão já que pusemos aspas e indicámos o lugar de onde saíram as transcrições). Mas nós papagueamos a mensagem que V. Exa. criticou sem ler nem dar ao leitor. Chama-se a isto contraditório. Assim pode o leitor analisar e tirar as suas próprias conclusões.
E foi este o nosso objectivo – permitir o contraditório (que desconstrói os seus ataques avulsos) e não tentar converter a sua alma herege, motivo pelo qual não andamos por aqui a discutir a existência ou não existência de Deus. Não falávamos para si Dr. Carlos, mas para os nossos outros leitores.
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No entanto, se está com necessidade de se voltar para a fé e esperaria que o nosso post resolvesse as suas questões existenciais, pedimos-lhe desculpa… E aconselhamos a que se dirija à igreja mais próxima e peça para falar com um padre. É que nós não o somos…

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Sobre o Campeão do Crescimento

Caro leitor, sua aristocrática excelência, o Lord, demonstrou ter vastos conhecimentos sobre a mensagem da Bíblia – o Lord é um devorador de papel. Mas sua excelência é conhecedor da mensagem espiritual da Bíblia? Na verdade, não vimos qualquer demonstração de um filósofo, de um pensador dentro do interior do Lord como manifestação divina do Espírito Santo, não vislumbramos na alma do Lord a captura do cerne da mensagem cristã, mas tão-só a divulgação da mensagem ipsis verbis. Não descortinamos em V. Ex.ª a interpretação da mensagem cristã, mas somente a sua divulgação – V. Ex.ª não é um teólogo, é um papagaio. E a sua interpretação, Lord Nelson? Não tem, V. Ex.ª, opinião própria sobre a mensagem que lhe é transmitida? Ou será apenas um receptor passivo de mensagens? Além do mais, o Lord olvidou-se de mencionar um ponto central na sua crónica – a existência de Deus. Nós, Lord Nelson, fomos claros na nossa apreciação – nós questionamos a sua existência. Mas o bondoso Lord não nos convenceu do contrário. Veja V. Ex.ª que não identificamos sequer uma palavra sua em relação ao tema!...
A nossa crónica de hoje, porém, incidirá sobre o estado da economia portuguesa – assunto que requer, igualmente, a atenção do divino Espírito Santo e a necessitar de uma qualquer intervenção celeste. Na última semana, temos seguido com atenção quer a imprensa nacional, quer a imprensa estrangeira. A imprensa nacional rejubilou com as medidas de austeridade apresentadas pelo Governo vendo nelas o sinal claro de que os mercados iriam finalmente acalmar e focou a sua atenção na visita de Sua Santidade, Bento XVI, e na aprovação do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Sem desprimor para o Papa e para os homossexuais, o País continua em negação. A estrumeira estadual continua fecunda, alimentando os prados e as várzeas lusitanos. E enquanto o estrume continua a resvalar, todo o português vai sendo lentamente, fatalmente e irreversivelmente salpicado…Orgulhosamente, pomposamente, arrogantemente, José Sócrates agradeceu aos Céus o milagre económico português no primeiro trimestre de 2010, com um crescimento do PIB de 1%, o maior da Europa, facto que lhe mereceu reputar Portugal “como o campeão do crescimento”. Campeão de Inverno diga antes o Sr. Primeiro-Ministro. O cenário dos próximos três trimestres é negro e aguardamos, ansiosamente, pelas suas declarações nessa altura. O crescimento económico de Portugal no 1º trimestre é, sobretudo, explicado por três factores:
1. o consumo privado;
2. o investimento público;
3. o desempenho positivo das exportações.
Com as medidas de austeridade anunciadas, recentemente, pelo Governo todos estes três factores serão diminuídos, senão eliminados. A taxa excepcional de IRS irá diminuir o consumo privado. A torneira estadual irá, também ela, fechar e não mais irá regar de dinheiro, arbitrariamente, o País – os apoios às empresas em lay-off, por exemplo, irão findar. O aumento da taxa de IRC irá penalizar a competitividade das empresas e, por conseguinte, prejudicar as exportações portuguesas – embora a desvalorização do euro face ao dólar tenda a desagravar este cenário.
Mas, caro leitor, este é precisamente o cerne do problema. O Governo conseguirá reduzir o défice para 4,6% em 2011. Mas e depois? As medidas anunciadas nada anunciam de novo – nem uma medida estrutural foi adoptada. A redução do défice será feita pelo aumento da receita através de impostos e pelo corte na despesa do Estado que, na verdade, ainda nem se sabe concretamente de que forma. Mas suas governativas excelências não entendem que este é o problema há uma década de Portugal? Suas excelências estão refasteladas no cadeirão governativo, bocejando e dormindo? A implementação destas medidas por pressão dos parceiros europeus era, de facto, inevitável. Mas tal não impede Portugal de arrancar com um conjunto de reformas estruturais que lhe permitam ganhar competitividade tendo em conta objectivos pós-2013. Caso tal não seja feito, o problema é adiado de 2010 para 2013. Mas voltará, da mesma forma que tem regressado há já uma década – em 2002, em 2005, em 2010. A mesma combinação de factores que nos colocou na posição fúnebre em que nos encontramos irá regressar para nos assombrar no futuro enquanto não for resolvida. O Jornal de Negócios titulou ontem que o número de funcionários públicos terá aumentado em 2009, facto que não foi desmentido pelo Governo. As boas acções de José Sócrates em 2005 e 2006 na Administração Pública não tiveram seguimento nos anos seguintes e necessitam, rapidamente, de serem recuperadas. Os funcionários públicos são, de resto, os grandes sorvedouros do Orçamento de Estado – com pouco mais de 18 mil milhões de euros. Ou seja, Portugal precisa de continuar o seu esforço de reforma da Administração Pública. E o Governo foi tímido – enquanto a Grécia, a Espanha e a Irlanda reduziram brutalmente o salário dos funcionários públicos, o Governo nada fez em relação a uma classe que obteve, em ano de crise e com inflação nula, aumentos salariais de 2.9%. A necessitar de reforma urgente está também o Código de Trabalho. Portugal não pode continuar alheado da realidade económica e possuir uma legislação laboral rígida. O factor de trabalho humano no seio de uma empresa é um custo importante e Portugal necessita de se tornar um país atractivo para o investimento. Esta semana, o Expresso noticiava que 40% dos desempregados não voltam ao mercado de trabalho. Portugal tem de flexibilizar o seu mercado de trabalho de forma a permitir uma rápida reintegração do trabalhador que se vê, de repente, numa situação de desemprego. E para isso acontecer, terão de ser oferecidas condições atractivas às empresas, conciliando essa competitividade com um núcleo realista de direitos para os trabalhadores. Pedro Portugal, em entrevista ao Expresso, sugere a reformulação das regras dos contratos de trabalho, do regime de despedimento, dos mecanismos de negociação de salários e nos subsídios de desemprego.
As medidas são duras? Claro. São duríssimas. No entanto, pensamos que cada português se encontra cansado de ver, constantemente, adiada a solução do problema estrutural do nosso País, enquanto os sacrifícios que lhe vão sendo exigidos permanecem. Haja a coragem por parte dos nossos governantes para tomar as medidas que são necessárias.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Coisas do nosso sítio

Gostaríamos de começar o primeiro post desta semana discordando respeitosamente de Sua Excelência, o Sr. Dr. Carlos e da sua abordagem à religião.
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Não nos revemos de forma nenhuma nas críticas lançadas. Primeiro afirma-se a inutilidade da religião por haver um código ético laico que a poderia muito bem substituir. Esquece-se sua excelência que tal código ético e laico advém dos ensinamentos cristãos que moldaram a nossa Civilização através de Santo Agostinho e São Tomás de Aquino. É a nosso ver indiscutível que sem um fundamento dogmático forte tais condutas poderiam sofrer uma relativização extrema – podendo pois ser negada. A experiência nazi, entre outras, alicerçada não nos valores cristãos mas num entendimento sui generis da teoria darwiniana e mitos de superioridade rácicas está aí para provar este ponto. O que sua excelência dá como inerente a todos os homens (aquela noção de bem e do mal) nós não o conseguimos perceber neste mundo, antes vendo aquela raiz na religião judaico-cristã.
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Assim, os ensinamentos cristãos servem antes de mais, para ganharmos consciência do Bem e do Mal – num outro exemplo, seguindo uma doutrina comunista, os conceitos de certo e errado não se centrarão no indivíduo mas na classe, podendo os inimigos da classe serem afastados (eufemismo!). Cremos ter assim respondido à questão “Qual a utilidade então dos ensinamentos de Deus?” Citando a I Carta aos Romanos, capítulo 7, versículo 7: “(…)mas a verdade é que eu não conheceria o pecado se não fosse pela lei.
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Por outro lado parece-se argumentar que apenas quem adorar publicamente, no seio de uma religião organizada, a Deus ou a Ele pedinchar será salvo e terá benefícios na vida terrena. Quanto à vida terrena, leia-se a parábola da casa sobre o rochedo ou sobre a areia em Mt. 7, 24-27 ou Lc. 6, 47-49. Daqui se retira a inutilidade das preces por mais riqueza ou poder. Em sentido contrário, parece querer afirmar o nosso doutor que qualquer virtuoso mas ausente daquela comunidade será condenado. Também não se percebe. O que se estatui é que cada um julgue as suas acções como sendo ou não do agrado de Deus – e não praticar as acções apenas para agradar Deus e receber o benefício do Céu: “Ajudem-se uns aos outros a suportar as dificuldades, pois assim cumprem a lei de Cristo.” Gl. 6, 2 e 3; Mas mais do que isso: leia-se Mc. 10, 17 a 22 – aí se percebe que só com padres-nosso e apenas não prejudicar não chega. Quanto à publicidade das orações citamos Mt. 6, 6: “ Tu, porém, quando quiseres fazer oração, entra no teu quarto, fecha a porta e ora a teu Pai que está presente sem ser visto.
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E por fim também merece reparo a acusação de egoísmo puro que seria o norte de qualquer cristão preocupado com a sua salvação. Senhor Doutor Carlos – a nosso ver, está errado! A Bíblia ensina a pensar mais no próximo que em si mesmo: “Façam aos outros tudo o que desejariam que eles vos fizessem. Aqui está o essencial da lei e do ensino dos profetas.” Mt. 7, 12. O que a Bíblia nos dá é uma lição, segundo a qual, seremos julgados pela mesma medida que julgamos os outros.
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Como jurista que é, recomendo a V. Exa. o respeito pelo princípio do contraditório: antes de tomar posição relativamente à mensagem cristã, leia por gentileza, essa mesma mensagem. Nemini inauditu damnari potest! Ao pugnar pela inutilidade da mensagem de Cristo Vossa Excelência comete dois erros: por um lado ataca a semente do seu código ético (que não é universal!) e por outro lado retira-lhe o “cimento dogmático” que lhe permite passar pelos séculos dos séculos de forma imutável. Tal relativização parece-nos perigosa e descabida.
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Acompanhe-nos agora o leitor numa viagem pelas últimas peripécias desse fabuloso sítio chamado Portugal.
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o regime apoia a nova lei
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  1. Da análise das palavras do primeiro que ministra em Portugal: O senhor engenheiro conseguiu cometer três gafes, reveladoras de uma ignorância monumental, na sua audiência com o Papa Bento XVI: tratou o Papa por Vossa Eminência (tratamento reservado aos cardeais) referiu-se à cerimónia de coroação do Sumo Pontífice (os Papas são entronizados, não coroados) e situou o primeiro encontro de ambos como tendo ocorrido no início do mandato de Bento XVI (os Papas não têm mandato têm pontificado). Para ter dito tais baboseiras mais valia ter estado calado. Já bem nos basta o seu inglês técnico e o castelhano domingueiro para nos envergonhar junto das altas entidades internacionais.
  2. O Sr. Jaime Gama queria €61.240 para fazer uma peça de teatro na Assembleia para comemorar o centenário da república. Tal ideia enferma de magna imbecilidade por três razões: 1 – desperdício de dinheiro público em tempo de aperto; 2- nada há a comemorar; 3 – esta negociata seria feita por ajuste directo (ou seja, não haveria concurso). Ainda bem que a comissão executiva da AR chumbou tamanho disparate, apesar de PCP e BE terem votado a favor. Vamos lá a ter juízo na cabeça, Senhor Jaime Gama? É que Vossa Excelência, a continuar a querer financiar peças glorificadoras do Regime ainda chega a ministro da Propaganda – e um ministro em “Estado Novo”!
  3. Ontem, foi o dia contra a homofobia, segundo decretado por alguém… Em Portugal isso é sinónimo de Presidente de mãos atadas pelo Parlamento (mas com excelente discurso, diga-se) e PM a dançar o tango com o líder da oposição… Ai Portugal, Portugal!
Valha ao menos que lá por fora anda tudo mais lúcido… Ao que parece, o Ex Secretário de Estado do Tesouro do Reino Unido, deixou uma nota ao seu sucessor onde dizia e passamos a citar: “Caro Secretário, lamento informá-lo que já não há dinheiro”. Que governo fantástico que se foi embora.
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Há dias perguntou-me um amigo das esquerdas: “Achas [os de esquerda gostam de me tratar por tu, é verdade, não se choquem] que o Estado Social está morto?” Julgo que já não preciso responder… A realidade é mais forte que qualquer declaração.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Coisas do diabo

Obrigado, ilustre Sir Nelson, pela sua tão pertinente introdução à minha pessoa neste brilhante espaço de opinações e Miss Ahimsa pela nota de boas-vindas, sinto-me verdadeiramente lisonjeada por pertencer a um painel de escritores tão sérios, que procuram com tanta eloquência contribuir para uma sociedade actualizada e esclarecida e, estou ainda em dúvida se serei digna de estar entre vós.
Mas a lei da vida (e como nós percebemos de leis...), sabeis vós, é mesmo esta: opção = consequência; agora que aqui me encontro tereis de suportar a minha presença dê por onde der. Como tal, prevenindo futuros equívocos que poderão estar já de certa forma a surgir na ideia de quem segue a blogosfera e decide passar por cá, aviso aquele que agora olha para este texto de que eu não seguirei a regra dos prodigiosos escritores que me acompanham nesta dura batalha de comentar o que de mais importante sucede na nossa sociedade. Pois bem, será meu apanágio levar a esses olhinhos que não desistiram já na primeira linha de me ler, uma realidade diferente da que nos chega todos os abençoados dias aos meios de comunicação social. A minha área será o bizarro, o desinteressante, que também merecem ser evidenciados e reflectidos, (mais que não seja, para que não caíamos na tentação de nos tornarmos bizarros e desinteressantes também) e a critica social sem critério algum. Portanto, se acredita não ter vida para as coisas menos faustosas do nosso quotidiano, é só carregar ali na cruzinha vermelha que se encontra no cantinho superior direito do seu monitor, mas aconselho-o a não cometer essa loucura. Um dia explicarei por quê...

Seguindo então a linha de raciocínio que tão amavelmente me disponibilizei a expor, cabe-me, como a um Messias do século XXI, informar-vos de que as vossas preocupações com a crise devem, a partir deste preciso momento, deixar de existir. Agora mesmo! Quando todos já acreditávamos não haver solução para este mundo constantemente a definhar nas mãos da economia que anda desgovernada e dos governos que andam muito pouco preocupados em contribuir para o seu recobro (vou ser presa por dizer isto) e visualizávamos já as noites em que, inevitavelmente, seríamos obrigados a negar o pão aos nossos e a vê-los sucumbir à fome, eis que surge, da profundeza dos buracos ancestrais deste planeta (tipo a Índia) alguém que nos prova por A + B que se pode viver sem comer. Mais! Sem comer, sem beber e sem as consequências orgânicas desses dois hábitos que consideramos tão naturais e, não, não me refiro a viver.
O Sr. que se segue é Prahlad Jani, um peça rara da comunidade humana que garante não se alimentar há 70 anos e continuar tão vivinho, ou ainda mais, que qualquer um de nós.

O prodígio da Mãe Natureza tem 83 primaveras e foi sujeito aos mais variados testes da medicina, por uma equipa de 30 doutores, que comprovaram a sua desnecessidade de alimento, concluindo-se, então, que se não eram as maiores inimigas das mulheres, as calorias, a fornecerem-lhe energia para o manter activo, essa energia só poderia provir de outras fontes, como o sol. Pffff, tão simples quanto isso...andamos nós a gastar dinheiro em comida e papel higiénico e a chatearmo-nos porque os homens simplesmente se recusam a baixar as tampas das sanitas, quando podíamos muito bem fazer a fotossíntese como este amigo e revitalizar as finanças caseiras e a paciência.

Este iogue de barba longa, como é carinhosamente conhecido entre as gentes dele, admite ter sido abençoado por uma deusa quando tinha 8 anos, dando-lhe esta a fantástica capacidade de viver sem alimentos, daí que, todo o contacto que ele tem com água é quando se lava e gargareja (porque o pobre homem reza muito e seca-se-lhe a garganta com facilidade).

Agora, excluindo todas as questões lógicas que nos assaltam a mente após termos conhecimento que anda para aí gente a viver sem comer: mulheres, porque raio não fomos também abençoadas ãh? Enfim... De qualquer das formas tenho pena deste encantador senhor, poque se ele não come, não bebe, não defeca e não urina, o que raio anda ele cá a fazer? Exibicionismo? Nem sequer conhece (todos) os prazeres da vida...! Vá ser assim para outro planeta que neste ainda somos humanos com todos os predicados e você é só uma amostra de gente. Estas coisas tiram-me do sério.

sábado, 15 de maio de 2010

Da Religião

Sua Santidade, o Papa Bento XVI, realizou, nesta semana, uma curta visita de quatro dias a Portugal. Com efeito, caro leitor, nós vimos, nitidamente, Bento XVI. Mas e Deus? O leitor vislumbrou a sua presença num qualquer recanto? Nós buscámos algum sinal da sua presença. Debalde. É precisamente esta razão sobre a qual pretendemos dissertar no dia de hoje, visto que o Papa Bento XVI, entretanto, regressou a Roma e nos encontramos a salvo de um qualquer esconjuro. Esta afirmação é, porém, irónica. É que ao contrário de certas pessoas que se afirmam católicas por receio do dedo castigador de Deus, nós não tememos a retribuição divina – aqueloutros receiam a acção divina sob a forma de pragas de gafanhotos, terríveis epidemias, dilúvios, tremores de terra e, por isso, convertem-se ao catolicismo pela fé num Deus que, já Saramago caracterizava como vingativo. Em cada desastre natural vêem naquele fenómeno uma ira do Todo-Poderoso. Como ateus prezados que somos iremos, racionalmente demonstrar os motivos por detrás da nossa descrença, apesar do tema ser, já de si, irracional.
A nossa linha de pensamento resume-se, facilmente, numa frase, de resto, enunciada por Eça de Queiroz: “as religiões para os homens não passam de um conjunto de ritos através dos quais cada povo procura estabelecer uma comunicação íntima com o seu Deus e obter dele favores”. Por esta altura, o crente leitor estará, porventura, a insultar a nossa pessoa com nomes obscenos. No seu interior, no entanto, o leitor reconhece que, por várias vezes, na sua oração com Deus, ocasionalmente, lhe rogara um certo favor. Algures entre a Ave-Maria e o Pai-Nosso, o leitor encontrara alguma forma de ser beneficiado nesta vida terrena. Se Deus – ou o acaso -, com a sua infinda bondade proporcionou esse favor, o leitor, no dia seguinte, roga com mais fervor, com mais fervor a Deus, agradecido pelo favor concedido, e esperando Dele um novo favor. Os religiosos, no fundo, não passam de bons persuasores – tentam cativar a atenção do seu Deus. O pedido de favorecimento pode ser o mais louvável, mas não apaga a realidade de se tratar de um favor. São um conjunto de ritos realizados como forma de demonstrar o amor a Deus para que Este, na Sua divina arbitrariedade, lhe conceda o favor – o milagre. Além do mais, a própria filosofia católica é incongruente – o Homem deve praticar o Bem para obter como recompensa o Céu. Quer, porventura, o estimado leitor, um prémio mais materialista do que este? O próprio Deus considera que o Bem não deve ser praticado por virtude, para que cada alma se torne melhor e, por extensão, para que outras almas se tornem melhores. Não! O Homem deverá praticar o Bem na Terra para receber a sua recompensa no Céu. Não vislumbramos nesta acção algo que torne a Terra um sítio justo para se viver, mas tão-só o Céu. E nós, caro leitor? Nós somos ateus, mas somos justos! Somos privados assim da recompensa e sofremos todas as agonias da Terra!...Qual a utilidade então dos ensinamentos de Deus? Deve o Homem não roubar, não matar ou não cobiçar a mulher do outro por receio de Mefistófeles? Não, caro leitor! O Homem não deve cometer essas acções porque isso não é digno da condição de Ser Humano, de um Homem de Bem. A virtude existe pela própria virtude, não pelo receio dos caldeirões sulfurosos de Lúcifer…
Já Feuerbach dizia…”a religião é o sonho da mente humana” mas, mesmo nos sonhos, o Homem não se encontra no Céu, mas sim na Terra. O crente apenas vê Deus no esplendor da sua imaginação e não na luz cruel da realidade – pois essa nega a Sua existência. O Homem, como ser dotado de determinação, renega esse alvedrio e sujeita o seu destino, arbitrariamente, a Deus. Despreza a sua força de vontade O Deus que cada homem vê no seu interior não é mais do que uma imagem do próprio Homem, mas exacerbada a uma imagem toda ela cheia de perfeições.
Queira o estimado leitor conhecer a proposição de Feuerbach – “The divine being is nothing else than the human being, or, rather the human nature purified, freed from the limits of the individual man, made – objective – i.e., contemplated and revered as another, a distinct being. All the attributes of the divine nature are, therefore, attributes of the human nature. In relation to the attributes the predicates of the Divine Being, this is admitted without hesitation, but by no means in relation to the subject of these predicates. The negation of the subject is held to be irreligion, nay, atheism; though not so the negation of the predicates. But that which has no predicates or qualities, has no effect upon me; that which has no effect upon me, has no existence for me. To deny all the qualities of a being is equivalent do denying the being himself.”

sexta-feira, 14 de maio de 2010

O Direito de Morrer com Dignidade

Quero começar por dar as boas-vindas a M. Pompadour. É com agrado que vejo que os colegas blog consideraram a inclusão de outro membro feminino neste cantinho de opiniões. Ao contrário do que sucede em muitos sectores da sociedade, não podemos, aqui, queixar-nos de desigualdade, mas elogiar a igualdade de consideração que os nossos colegas Lord Nelson e Carlos Jorge Mendes tiveram no momento em que endereçaram convites de participação neste blog.

A reflexão que trago hoje recai sobre a eutanásia. Dada a discordância que inunda este tema, quero fazer a ressalva de que o actual post reflecte apenas a minha opinião e, enquanto adepta da liberdade de pensamento e opinião, aceito e respeito divergências a esse nível (ainda que possa discordar delas). Aliás, é graças à discórdia que certas posições se podem tornar mais sustentáveis (num tema em que todas as opiniões e argumentos convergem, uma posição diferente seria mais dificilmente defensável).

Este é um tema muito controverso, nomeadamente quando tal nos remete para a eutanásia passiva e/ou não voluntária, como é o caso de pessoas que se encontram em estado vegetativo. Num outro momento poderei abordar a questão a partir desse prisma (pois, como o leitor sabe, é uma questão complexa que assume diferentes formas), mas neste post irei reflectir apenas sobre a eutanásia activa e voluntária no caso de pessoas portadoras de incapacidade/doença crónica, onde o sofrimento físico e psicológico é uma constante, mas onde há capacidades mentais para tomar decisões reflectidas, justificadas e conscientes. Ora, a eutanásia activa e voluntária é, como o nome indica, levada a cabo de forma planeada, depois de determinada pessoa manifestar o seu desejo em morrer de forma assistida, breve e sem dor.

Quando estamos perante pessoas com cancro em fase terminal, totalmente conscientes da sua condição, não vejo porque deva ser-lhes negada a possibilidade de terminar o seu tormento com brevidade e sem sofrimento, sendo esse o seu pedido e o seu desejo. É certo que, por exemplo, uma pessoa com cancro teria ainda a possibilidade de se suicidar, mas isso envolveria um sofrimento maior e, nestas situações, parece-me mais desumano ignorar o desejo e o pedido da pessoa do que ajudá-la a realizá-lo sem sofrimento adicional. A oposição à eutanásia parece-me ainda mais ininteligível quando o doente não tem sequer a capacidade física de se suicidar, ainda que queira morrer, como é o caso de uma pessoa irreversivelmente paralisada do pescoço para baixo com dores intoleráveis. Embora, hoje seja possível, em muitos casos, eliminar a dor em fase terminal, não podemos esquecer-nos de que a dor física é apenas uma parte do problema e há situações, onde mesmo a dor física sendo atenuada, tal não compensa o sofrimento inerente a situações espinhosas e incontroláveis, como é o caso de um ser humano tetraplégico com incontinência fecal e urinária, alimentado por sonda e com respiração dependente de meios artificiais.

Acredito que se queremos respeitar a liberdade e a autonomia, legalizar a eutanásia poderá ser mais um passo nesse sentido, pois só o paciente, enquanto ser individual e único (com a sua própria visão da realidade) saberá e sentirá se as circunstâncias em que se encontra são ou não insuportáveis e até que ponto fará sentido, para ele, continuar com uma lenta agonia que é irreversível. O direito à auto-determinação e dignidade são universais (estando consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos) e, se viver com dignidade é um direito, morrer dignamente também o deverá ser.

Como é óbvio, concordo que a eutanásia só pode ser válida dentro de condições específicas e penso que as condições impostas pela Holanda, aquando da legalização da eutanásia em 2002, são bastante razoáveis: o sofrimento do doente é sentido por si como insuportável e não se perspectivam melhorias do ponto de vista médico; o pedido é voluntário, livre, definitivo, devidamente ponderado e o doente encontra-se inteiramente consciente da sua condição e opções (trata-se de uma decisão informada). O médico que o acompanha deve estar convicto de que os critérios anteriores são preenchidos e, para que não restem dúvidas, a situação é também discutida com outro médico independente que deve concordar com o facto de se preencherem os critérios necessários. Na Termination of Life on Request and Assisted Suicide (Review Procedures) Act, o leitor poderá constatar o que acabei de dizer.

O que costumo dizer às pessoas que se opõem intransigentemente à eutanásia, enquanto processo devidamente assistido, voluntário e ponderado é simples: se não concordam, não precisam de o fazer. Mas negar essa possibilidade indolor e controlada de outra pessoa (consciente e com capacidade de processos de tomada de decisão) pôr término à vida, é uma espécie de devaneio de superioridade (por acreditar que se pode decidir a vida de outra pessoa) mal equacionado, onde se considera o outro como débil mental quando, na realidade, não o é.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Finanças Telecomandadas


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Que nós estamos em crise já não é novidade. Que continuamos a pedir à Europa uns trocos para irmos cantando e rindo também já todos sabemos. Que a Europa anda, por estes dias, pelas ruas da amargura – é conhecido. A grande novidade é que a incompetência dos PIGS da Europa (Portugal, Ireland, Greece and Spain) levou a comissão europeia a imiscuir-se num dos últimos redutos onde os Estados-membros eram soberanos – a política orçamental.
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Passamos a explicar: por estes dias conheceu a luz do dia uma proposta designada "Reforço da Coordenação da Política Económica", que deverá permitir que uma maioria de ministros das finanças do euro possa exigir a um país a revisão de uma medida de política orçamental, se esta for inadequada aos objectivos europeus.
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Em resumo isto quer dizer o seguinte: Portugal foi inabilitado! Já poucos bens tínhamos mas aquelas pratas que ainda por cá andavam já não vão poder ser trocadas por submarinos ou comboios sem que a Europa dê o seu accessit. Certo que isto é aplicável a todos os membros da zona euro mas foi feito a pensar nos PIGS da Europa, onde nós temos a honra de definir a primeira letra. Agora, o Orçamento do Estado já não é enviado apenas para tomarem conhecimento – enviamo-lo para que nos corrijam.
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Nós aplaudimos a medida! E pedimos mais: que os outros ministros europeus estejam especialmente atentos ao Orçamento português pois nós não nos sabemos governar – como se tem bem visto nas últimas décadas.
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Em boa verdade devemos dizer que concordamos com esta proposta. Sim é certo que é um grande passo para uma Federação Europeia, mas também é certo que Portugal tem recebido muitas verbas da Europa, que as tem aplicado mal (se é que se pode falar em aplicar). Andamos a destruir e atolar dinheiro que não é nosso e agora aqueles que realmente produzem a riqueza que nós tão saloiamente sugamos vão poder ter alguma coisa a dizer (já o tinham por outros meios – sabemo-lo) e boicotar os nossos delírios. Pena é que esta medida peca por tardia… Se tivesse sido aplicada em 1990 decerto Portugal estaria bem melhor.
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Que nos governem porque nós já não damos conta do recado. Passaram-nos aqui o nosso atestado de incapacidade. No entanto, como entediantes que somos gostamos de olhar sempre para trás, procurando perceber estes caminhos e não deixamos de nos lembrar de Júlio César – que a propósito dos nossos antepassados dizia: “há nos confins da Ibéria um povo que não se governa nem se deixa governar”
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N’ Opinador não queríamos deixar de dar as boas vindas – neste 13 de Maio – ao Santo Padre. Bem-vindo Bento XVI à Invicta Cidade do Porto!