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sábado, 29 de maio de 2010

À Consideração da Mula Governativa

Os impostos, nomeadamente o seu aumento, sobretudo em sede de IRS, tem sido o traço distintivo da última década portuguesa. Quer o leitor saber em que ideia assenta o Estado português? Ora aí tem o leitor – o imposto. Este constitui para o nosso Governo a única fonte de inspiração governativa. Há um problema de deficit? Aumente-se o imposto. Há um problema de dívida pública? Aumente-se o imposto. Há um problema para pagar aos nossos credores? Aumente-se o imposto. Há um problema de competitividade? Aumente-se o imposto. Há um problema desequilíbrio orçamental? Aumente-se o imposto.
O Opinador, movendo-se com agilidade por entre os corredores do poder, teve acesso aos meandros dessa reunião de Conselho de Ministros em que se optou por um aumento generalizado de impostos – IRS, IRC e IVA. Queira o estimado leitor, em primeira mão, saber o que nela decorreu e que, em seguida, se transcreve:
Face à dificuldade em resolver o desequilíbrio orçamental português e a necessidade de reajustamento no curto prazo do mesmo, José Sócrates, pensativo, beliscava a pele do pescoço. Augusto Santos Silva atirava aviões de papel pelo ar. Isabel Alçada reprimiu este comportamento. Gabriela Canavilhas, ao piano, tocava, Schubert. Sócrates, entretanto, lançava-lhe uns olhares maliciosos e insinuantes. António Mendonça, fazia beicinho, triste e desconsolado, murmurando:
- Eu quero fazer obras públicas!... – e soltava um pranto, gemendo, timidamente.
Uma sonolência pesava.
Mas, eis que, Fernando Teixeira dos Santos, Ministro das Finanças, erguendo-se bruscamente da sua cadeira, solta em êxtase:
- Já sei! Já sei! Tenho uma ideia!...Oiçam!...Oiçam!...Esta é genial! Esta é engenhosa! É um plano rebuscado, mas pode funcionar!...
Os outros acercaram-se, maravilhados.
Teixeira dos Santos, largou então a sua ideia, retirada do domínio das Musas, dos Céus, do terreno dos altos profetas, daqueles que estabelecem verdades eternas:
- E se aumentássemos os impostos?
Todos os outros soltaram, em uníssono, em espanto, em admiração:
- Oh!...
- Isso é arrojado! – dizia um.
- Isso é ardente! – dizia outro.
- Isso quer dizer que posso fazer obras públicas? – perguntou António Mendonça.
E desatou, rindo alegramente, batendo palminhas. José Sócrates, que permanecera em silêncio, abeirou-se de Teixeira dos Santos e, após dar uma palmadinha nas costas do Ministro das Finanças, exclamou, radioso:
- Porreiro, pá!

O imposto, com efeito, tem sido o grande responsável para empurrar a mula governativa. E não obstante, a mula governativa anda desorientada com o imposto.

No dia de hoje iremos abordar um tema fiscal que não vemos tão, galhofeiramente, tratado nos destaques da nossa Imprensa e, contudo, não é de somenos importância – o Paraíso Fiscal. Neste idílico local, estimado leitor, o dinheiro circula, fugaz e secreto, despudoradamente, somente com uma folhinha de couve ocultando as suas partes privadas. Nós, estimado leitor, achamos isto uma devassa, o deboche, uma sem vergonhice, uma libertinagem, um atentado ao pudor. Nós assistimos, acerejados e rosadinhos, a este espectáculo…Mas o Estado acha este acto um acto de pudicícia, caro leitor!
Em Outubro de 2009, um conjunto de fiscalistas eminentes, a pedido do Ministério das Finanças, realizou um Relatório sobre a Competitividade, Eficiência e Justiça do Sistema Fiscal. Relativamente aos Paraísos Fiscais, o mencionado Relatório reportava o seguinte:
“Quanto à questão dos paraísos fiscais, partindo da observação de que, no passado recente, a retórica contra estas jurisdições não foi acompanhada de medidas efectivas para controlar a erosão que causam aos sistemas fiscais, o relatório recomenda que, no actual contexto político-económico e dada a pressão a que os paraísos fiscais estão agora sujeitos, sejam dinamizados e eficazmente usados todos os protocolos no sentido de potenciar a troca de informações.”
Recentemente, o Estado estabeleceu acordos com as Bermudas e as Ilhas Caimão com vista a “a solicitar às autoridades competentes das Bermudas e das Ilhas Caimão elementos relevantes para o combate à fraude e evasão fiscal, incluindo informações sobre a movimentação de fundos, bem como sobre a titularidade de sociedades, fundações, trusts ou outro tipo de veículos criados nestes territórios”, adiantou o Ministério das Finanças em comunicado.
O esforço do Ministério é louvável, porém inútil, senão se tratar de um esforço continuado. Caso o Estado pretenda combater eficazmente a evasão fiscal não pode limitar-se a celebrar acordos apenas com as Ilhas Caimão e as Bermudas, mantendo outras zonas fiscalmente privilegiadas na obscuridade da informação. A manutenção de outros Paraísos Fiscais comporta o mesmo problema, pelo que o intensificar de negociações com esses países é urgente. Se suas agiotas excelências manifestassem o mesmo empenho na captação de receita que é ilicitamente transaccionada para esses Paraísos, como na captação da receita do rendimento das pessoas singulares, Portugal poderia ser um País diferente. E para melhor, suas excelências!
O reforço da troca de informação entre a administração fiscal portuguesa e as administrações fiscais que não cooperam neste desígnio é fundamental. A globalização e integração das economias mundiais e a aceleração da mobilidade dos capitais contribuíram para um aumento dos fluxos de capitais a nível internacional. Por certo que estes factores contribuíram, igualmente, para uma maior união das administrações fiscais no que respeita à troca de informação. Todavia, no mesmo grau, as possibilidades de um planeamento fiscal abusivo aumentaram.
“A lei fiscal não pode criar qualquer impedimento à busca pelas partes contratuais das soluções que, dentro do largo quadro decisório que lhes é dado pelo normal exercício da autonomia privada, lhes pareçam mais adequadas para a prossecução dos seus interesses juridicamente tutelados e para a construção de contratos tão eficientes quanto o possível para a obtenção dos seus fins. Mas, simultaneamente, é necessário impedir a escolha de formas contratuais por razões de pura economia fiscal, razões integralmente fiscais ou essencialmente fiscais – ou seja, é necessário impedir a escolha, não da forma contratual mais eficiente, mas da forma que proporciona uma economia fiscal.”
O excerto mencionado é da autoria de Saldanha Sanches e distingue entre o planeamento fiscal e a evasão fiscal. Por conseguinte, O Opinador questiona-se: estará o Governo realmente empenhado no combate à evasão fiscal?
Um dos elementos para efectuar esta economia fiscal passa, precisamente, pela localização de residência fiscal. A escolha de localização é um instrumento fundamental de planeamento fiscal pelo que a atenuação desse factor pela eliminação das dificuldades de colaboração entre Estados é uma via fundamental de captação de receita para o Estado.
De acordo com o Jornal de Notícias, “as transferências de investimentos para "off-shores" atingiram, no ano passado, valores que estão entre os mais altos de sempre”. De entre estas transferências, muitas podem ter origem em fraudes fiscais.
Assim, o estabelecimento de acordos com as administrações tributárias que, deliberadamente, ocultam informações fiscalmente relevantes de contribuintes deve ser uma política fiscal prioritária como captação adicional de receita, não se limitando esta apenas ao IRS, IRC e IVA. Além do mais, este esforço adicional tem a incomensurável vantagem de devolver a base de justiça fiscal ao sistema, ao revelar por parte da Administração um verdadeiro combate a uma fuga ilícita aos impostos, que são um instrumento essencial do Estado Social e não um combate exclusivo ao esgravatar de todos os cêntimos do cidadão cumpridor das suas obrigações fiscais.

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