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quarta-feira, 5 de maio de 2010

As Mais-Valias Bolsistas

O Estado fiscal social radica na ideia de um empenhamento da diminuição das desigualdades por via fiscal. Neste sentido, e uma vez que cabe ao Estado Fiscal suportar o Estado social a decisão do Governo de tributação das mais-valias bolsistas é, socialmente, justa. Uma vez que as despesas do Estado não têm cessado de aumentar esta iniciativa legislativa é inteiramente legítima de forma a responder a esse acréscimo. Não obstante, à boa maneira portuguesa, o regime de tributação em Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) das mais-valias mobiliárias está em envolto em polémica devida a deficiências legislativas no seu processo de elaboração. Tudo porque este novo regime terá um efeito retroactivo ao abranger as mais-valias realizadas desde 1 de Janeiro de 2010, prescindindo de um regime transitório, ao contrário do que defendiam diversos fiscalistas. Num Manifesto revelado público recentemente, eis o que se argumenta no seu ponto 5 e 6:

“A fazer fé no Comunicado de quinta-feira da Presidência do Conselho de Ministros e na posição pública posteriormente assumida pelo Ministro das Finanças, a Proposta de Lei que terá sido aprovada no Conselho de Ministros não inclui regime transitório. Assim, e por omissão, poderá pretender-se a tributação das mais-valias mobiliárias realizadas desde 1 de Janeiro. Ou seja, aquilo que não foi introduzido em Janeiro, Fevereiro ou Março para o ano de 2010, poderá, agora, aplicar-se para esses mesmos meses. Ora, não é juridicamente irrelevante introduzir tributação anual em IRS no dia 1 de Janeiro ou em Junho ou Julho (meses da provável publicação da lei ora em causa), ou, no limite, no dia 31 de Dezembro.”

“Esta tributação, pelo menos na parte em que atinja quem alienou acções, quotas, obrigações ou outros títulos de dívida antes da publicação e entrada em vigor da lei nova, é, ou pode ser, na opinião dos subscritores, inconstitucional, por violação dos princípios da segurança jurídica e da não retroactividade da lei fiscal.”

O princípio da segurança jurídica, ínsito na ideia do Estado de direito democrático constante do art. 2º da Constituição da República Portuguesa (CRP), impõe-se fundamentalmente ao legislador, limitando este em dois sentidos:
1. na edição de normas retroactivas e
2. na livre revogabilidade e alterabilidade das leis fiscais.
A proibição de normas retroactivas fica, de resto, bem clara nos dizeres do art. 103ª CRP, que consagra o dito principio da não retroactividade dos impostos: “ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei”.
Segundo Saldanha Sanches, “poderá haver razões para a aplicação retroactiva da lei fiscal – e isso põe em causa a bondade da sua absoluta proibição constitucional – para tributar adequadamente comportamentos evasivos claramente abusivos. Mas não vemos como pode ser ela aplicada a situações em que o contribuinte agiu de boa fé e com o zelo exigível para a situação concreta: em tais casos a mudança de posição administrativa deverá respeitar os efeitos já produzidos”.
A decisão do Governo de prescindir de um regime transitório é cobarde. E é cobarde por se aproveitar da actual onda de raiva para com as bolsas, actualmente olhadas como casinos, para tributar não a realização de mais-valias avultadas, mas somente aquelas realizadas pelos pequenos investidores residentes em Portugal. Os investidores graúdos escapam a esta tributação ao investirem com outra morada fiscal – essa sim fica, cobardemente, isenta. Assim sendo, assumir estes comportamentos como comportamentos abusivos é sim abusivo da parte do Governo.
Sérgio Vasques, Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, assinou uma coluna de opinião no “Expresso” em que diz o seguinte – “A entrada em vigor de um novo regime a meio do ano não envolve uma verdadeira retroactividade, mas o que a moderna doutrina designa de mera retrospectividade”. Caro Dr. Sérgio Vasques, desconhecemos que modernices estuda sua excelência. Todavia, nós ignorantes como somos, consultamos um simples dicionário para apurar o significado da palavra retrospectividade. Eis as conclusões a que chegamos:

Retrospectividade – s.f. qualidade de retrospectivo

Ainda insatisfeitos, tratamos de averiguar o que seria a qualidade de retrospectivo.

Retrospectivo – adj. que considera ou contempla o passado; relativo a factos anteriores ou passados

Caro Dr. Sérgio Vasques, V. Ex.ª será, com certeza, um ilustre fiscalista, mas de português parece perceber pouco.

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