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sexta-feira, 14 de maio de 2010

O Direito de Morrer com Dignidade

Quero começar por dar as boas-vindas a M. Pompadour. É com agrado que vejo que os colegas blog consideraram a inclusão de outro membro feminino neste cantinho de opiniões. Ao contrário do que sucede em muitos sectores da sociedade, não podemos, aqui, queixar-nos de desigualdade, mas elogiar a igualdade de consideração que os nossos colegas Lord Nelson e Carlos Jorge Mendes tiveram no momento em que endereçaram convites de participação neste blog.

A reflexão que trago hoje recai sobre a eutanásia. Dada a discordância que inunda este tema, quero fazer a ressalva de que o actual post reflecte apenas a minha opinião e, enquanto adepta da liberdade de pensamento e opinião, aceito e respeito divergências a esse nível (ainda que possa discordar delas). Aliás, é graças à discórdia que certas posições se podem tornar mais sustentáveis (num tema em que todas as opiniões e argumentos convergem, uma posição diferente seria mais dificilmente defensável).

Este é um tema muito controverso, nomeadamente quando tal nos remete para a eutanásia passiva e/ou não voluntária, como é o caso de pessoas que se encontram em estado vegetativo. Num outro momento poderei abordar a questão a partir desse prisma (pois, como o leitor sabe, é uma questão complexa que assume diferentes formas), mas neste post irei reflectir apenas sobre a eutanásia activa e voluntária no caso de pessoas portadoras de incapacidade/doença crónica, onde o sofrimento físico e psicológico é uma constante, mas onde há capacidades mentais para tomar decisões reflectidas, justificadas e conscientes. Ora, a eutanásia activa e voluntária é, como o nome indica, levada a cabo de forma planeada, depois de determinada pessoa manifestar o seu desejo em morrer de forma assistida, breve e sem dor.

Quando estamos perante pessoas com cancro em fase terminal, totalmente conscientes da sua condição, não vejo porque deva ser-lhes negada a possibilidade de terminar o seu tormento com brevidade e sem sofrimento, sendo esse o seu pedido e o seu desejo. É certo que, por exemplo, uma pessoa com cancro teria ainda a possibilidade de se suicidar, mas isso envolveria um sofrimento maior e, nestas situações, parece-me mais desumano ignorar o desejo e o pedido da pessoa do que ajudá-la a realizá-lo sem sofrimento adicional. A oposição à eutanásia parece-me ainda mais ininteligível quando o doente não tem sequer a capacidade física de se suicidar, ainda que queira morrer, como é o caso de uma pessoa irreversivelmente paralisada do pescoço para baixo com dores intoleráveis. Embora, hoje seja possível, em muitos casos, eliminar a dor em fase terminal, não podemos esquecer-nos de que a dor física é apenas uma parte do problema e há situações, onde mesmo a dor física sendo atenuada, tal não compensa o sofrimento inerente a situações espinhosas e incontroláveis, como é o caso de um ser humano tetraplégico com incontinência fecal e urinária, alimentado por sonda e com respiração dependente de meios artificiais.

Acredito que se queremos respeitar a liberdade e a autonomia, legalizar a eutanásia poderá ser mais um passo nesse sentido, pois só o paciente, enquanto ser individual e único (com a sua própria visão da realidade) saberá e sentirá se as circunstâncias em que se encontra são ou não insuportáveis e até que ponto fará sentido, para ele, continuar com uma lenta agonia que é irreversível. O direito à auto-determinação e dignidade são universais (estando consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos) e, se viver com dignidade é um direito, morrer dignamente também o deverá ser.

Como é óbvio, concordo que a eutanásia só pode ser válida dentro de condições específicas e penso que as condições impostas pela Holanda, aquando da legalização da eutanásia em 2002, são bastante razoáveis: o sofrimento do doente é sentido por si como insuportável e não se perspectivam melhorias do ponto de vista médico; o pedido é voluntário, livre, definitivo, devidamente ponderado e o doente encontra-se inteiramente consciente da sua condição e opções (trata-se de uma decisão informada). O médico que o acompanha deve estar convicto de que os critérios anteriores são preenchidos e, para que não restem dúvidas, a situação é também discutida com outro médico independente que deve concordar com o facto de se preencherem os critérios necessários. Na Termination of Life on Request and Assisted Suicide (Review Procedures) Act, o leitor poderá constatar o que acabei de dizer.

O que costumo dizer às pessoas que se opõem intransigentemente à eutanásia, enquanto processo devidamente assistido, voluntário e ponderado é simples: se não concordam, não precisam de o fazer. Mas negar essa possibilidade indolor e controlada de outra pessoa (consciente e com capacidade de processos de tomada de decisão) pôr término à vida, é uma espécie de devaneio de superioridade (por acreditar que se pode decidir a vida de outra pessoa) mal equacionado, onde se considera o outro como débil mental quando, na realidade, não o é.

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