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sexta-feira, 7 de maio de 2010

Da Igualdade Teórica à Desigualdade Prática

Gostaria de começar por cumprimentar o leitor e, como não poderia deixar de ser, agradecer o delicioso convite que me foi feito por Carlos Jorge Mendes para participar neste blog, bem como a gentil nota de boas-vindas de Lord Nelson.

O tema de hoje remete-nos para uma reflexão sobre a aplicação prática (e, lamentavelmente, a não aplicação) da igualdade de género.

Tal como refere o III Plano Nacional para a Igualdade - Cidadania e Género (2007-2010), “A Igualdade entre Mulheres e Homens é um princípio da Constituição da República Portuguesa e uma das tarefas fundamentais do Estado Português, que deve, não só garantir o direito à Igualdade, mas, também, assumir a sua promoção. Esta é, assim, uma responsabilidade inequívoca de todos os poderes públicos, em particular da Administração Central e Local e, consequentemente, de todas as pessoas que asseguram o serviço público”. No entanto, como o plano supracitado acrescenta, há uma “subalternização das mulheres em muitas esferas da sociedade", a qual continua a impedir que a Igualdade consagrada na lei tenha os necessários reflexos práticos. Todos sabemos que os homens continuam (apesar do direito universal à igualdade de género) a ocupar a maioria dos cargos mais relevantes na política, nas empresas e nas universidades, apenas para citar algumas situações.

São múltiplos os obstáculos que enfrentamos para que a aplicação prática deste direito universal se torne efectivo; de onde destaco a persistência de estereótipos sociais, que resultam na manutenção dos mecanismos que transformam as diferenças (neste caso, as diferenças inerentes ao facto de nascer homem ou mulher) em desigualdade. É sabido que, muitas vezes, as pessoas tendem a fazer uma recolha selectiva de dados, enfatizando determinados aspectos e ignorando outros, com o fim de alcançar um enquadramento que valide exclusivamente o seu interesse pessoal. Mas, quando falamos sobre questões que afectam todos os seres humanos, torna-se benéfico procurar o interesse universal e, entre os vários interesses que podem ser apontados como sendo “o” interesse universal, acredito que a igualdade de consideração é o mais relevante para que haja respeito pela integridade e pelo bem-estar de todos.

É o esforço pela igualdade de consideração que permitirá o desenvolvimento de uma sociedade mais justa e democrática. Com efeito, para vivermos num mundo justo, não poderemos abdicar da igualdade de género: torna-se imperativo encarar todos os seres humanos como indivíduos igualmente considerados, independentemente da sua condição de homens ou mulheres. Já Simone de Beauvoir alertava para o facto de não existir propriamente uma natureza feminina e uma natureza masculina. No seu livro O Segundo Sexo, publicado em 1949, mas, infelizmente, ainda passível de ser transposto para a sociedade actual, fez uma análise relativa ao facto de a cultura encarar a mulher como sendo o segundo sexo e alertou para a necessidade da sociedade se libertar desse preconceito.

Com efeito, podemos admitir que os seres humanos diferem como indivíduos mas que, apesar disso, não existem diferenças moralmente significativas entre os sexos. Como refere Peter Singer “saber que uma pessoa é do género masculino ou feminino (...), não nos permite tirar conclusões sobre a sua inteligência, sentido de justiça, profundidade de sentimentos ou qualquer outra coisa que nos pudesse dar azo a tratá-la como menos do que igual”. Neste sentido, apenas encarando as pessoas como indivíduos (sem agrupá-las em “mulheres” e “homens”) as poderemos realmente conhecer. Temos, então, de manter a flexibilidade dos papéis desempenhados por homens e mulheres, com o objectivo de que as pessoas possam fazer aquilo para que estão mais bem preparadas. Já todos ouvimos falar, por exemplo, de homens que são excelentes “donas de casa” e mulheres que são ilustres engenheiras mecânicas, quebrando todos os estereótipos.

Importa salientar que as várias opiniões sobre o tema da igualdade, ainda que não possam ser “arrumadas” em categorias de absolutamente verdadeiro ou falso, devem ser sempre úteis e adequadas. E, provavelmente, o leitor concordará ser útil e adequado permitir o desenvolvimento pleno de cada ser humano, visto que o desenvolvimento colectivo (sociedade) tem na sua base o desenvolvimento pessoal (indivíduos).

Dar liberdade ao outro para ser tratado como igual e considerá-lo como igualmente capaz (independentemente do género) é, na minha opinião, dar também liberdade a si próprio, não deixando acorrentar-se pelas algemas do egoísmo.

2 comentários:

M. Pompadour disse...

Não podia estar mais de acordo com o ilustre Peter Singer (que para ser sincera não sei quem é, mas é ilustre só por essa frase que disse). A verdade é que dá muito jeito que as pessoas percebam depressa essa (in)distinção e que os homens entendam , também, que não é porque as mulheres se assumem nesta sociedade machista que deixam de se apreciar os gestos de cavalheirismo e sensibilidade que outrora eram sinal de respeito e boa-educação.

Ahimsa (posts Maio-Julho 2010) disse...

Obrigada Daniela pelo teu comentário; a tua última frase complementaria perfeitamente o texto! E sim, Peter Singer é realmente ilustre (especialista em ética aplicada, fundador da revista e fundação internacional de bioética); quase tudo o que escreve vale a pena, sem dúvida, ser lido.