A semana estava a correr bem... Os media divulgavam cada vez mais medidas de austeridade das quais o Governo abria generosamente mão, a selecção portuguesa tropeçava na própria fama na Covilhã e deixava-se encantar pela morna dos Cabo-Verdianos e o tempo estava a ajudar, com horas intermináveis de chuva passadas dentro de um gabinete com um computador do século XIX semelhante a um avião constantemente em processo de descolagem. Mas para tornar os meus dias medonhos com o que é que me deparo? Semi-final do Festival da Eurovisão!! Ou seja, aquela fase do concurso à qual só chegam os países que na edição anterior não obtiveram pontuação suficiente para usufruir de um acesso directo à Final, (ou países que simplesmente não são a França, o Reino Unido, a Alemana ou a Espanha). Como almas solidárias que somos e, porque ainda insistimos em participar nestas coisas mesmo após levarmos imensas e diversas abadas, até daqueles países de nomes estranhos que só fazem parte da União Europeia de Radiodifusão desde ontem, pois é claro que estávamos presentes.
À segunda canção estava decidida a mudar de canal, desligar a televisão ou até fugir de casa. Mas depois reflecti, inspirei fundo, deixei que a música tenebrosa terminasse e voltei a mudar de canal suspeitando ter ali companhia promissora, capaz de me suscitar umas belas gargalhadas ou fumfumfuns...e tinha razão. O pouco esforço de atenção que fiz foi suficiente para chegar ao fim com uma opinião formadíssima que, se a memória não me falha, é bastante semelhante à de anos anteriores.
Depois de passar o choque com a segunda canção, o propósito de fugir de casa surgiu de novo no meu intímo quando a Letónia, na voz de uma bela moça, interpretava uma Ode ao suicídio questionando o para quê de se viver, morrer, chorar, sonhar, um autêntico empurrãozinho para quem está neste momento a passar uma fase depressiva da vida. Aposto que hoje, ou amanhã, o raio da canção vai servir de banda sonora a um enforcamento noticiado no 24 Horas. Dentro daqueles países cujos meus fraquíssimos conhecimentos de geografia não me permitem localizar em mapas-mundo, surge um esquisito rapaz loiro, com um penteado assustador (que espero não ser moda na terra dele, nem em lado nenhum do planeta), que se dizia vencedor dos Ídolos da Sérvia e que cantou um refrão totalmente sintetizado. Será que ele era assim tão bom? Para quê os efeitos vocais então? Se calhar se a Sérvia não se tivesse separado de Montenegro não deixavam aquela espécie de cantor participar num evento deste calibre, mas enfim, mania das independências...
Para além da pecinha de teatro apresentada pela Polónia, a pedra de lava cuspida pelo vulcão da Islândia e o facto de termos passado à final com a nossa musiquinha dos contos de fadas da Disney que, se não fossem os vibratos graves da nossa cantora, tinha todos os predicados para me fazer sentir criança outra vez, os Festivais da Eurovisão são cada vez mais e melhor chachada. Longe vão os tempos em que se disputavam músicas, agora é tudo uma questão de luz, cor, saltos acrobáticos no ar e coreografias de cariz sexual duvidoso. E nós, Portugal, somos todos os santos anos considerados o povo mais simpático e afável. Com certeza olham para nós como os anjinhos inocentes que ainda lá mandam pessoas que cantam e não alinham nos teatros e passagens de modelos com vestidos que se mexem ou ganham asas.
As coisas que se devem ouvir naqueles bastidores em dialectos que ninguém percebe: "Olha os portugueses...! Eheheh já viste? Mandaram outra vez uma gaja que sabe cantar!".
segunda-feira, 31 de maio de 2010
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1 comentário:
realmente é problemático. nem quando mandamos a rita guerra com um decote até ao umbigo fomos recompensados. este ano podíamos ter-nos redimido com a floribella e o seu "yes we can", mas os nossos brandos costumes já não admitiam mais cedências lol
só tive pena que os homens da luta não tivessem, ao menos, logrado chegar ao nosso festival da canção, por a canção deles não ser inédita. éramos miseravelmente classificados na mesma, mas ao menos tinhamos mais vontade de ver a eurovisão para nos rirmos um bocado com razão.
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