A mais bela, a mais pura e a mais duradoura glória literária de prosa da blogosfera

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segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Connections




Com certeza que não há ninguém neste planeta, à excepção de alguns representantes da terceira idade menos propensos ao avanço das tecnologias, que não tenha sido já introduzido a essa nova realidade do nosso quotidiano que são as redes sociais. Quem não tem uma página pessoal certamente já viu alguma ou, pelo menos, ouviu falar das aventuras provincianas que por lá acontecem. Actualmente há quem chegue mais longe e considere que, a falta de um perfil em redes sociais equivale à inexistência virtual, o que me parece constituir uma enorme preocupação para pessoas como os meus progenitores que, não possuindo a dita existência virtual mal dormem à noite por se sentirem tão ostracizados numa sociedade que comunga com valores tão high tech. Quem, portanto, decidiu não ser excomungado deste novo tipo de comunidade, facilmente avança com as infinitas possibilidades e convenientes de ter uma página pessoal na internet. Desde os parentes, amigos e afins que se descobrem e já não se viam aos anos e os que não se conhecem e se revelam tão interessantes, às horas de puro e divertido entretenimento possibilitadas pelas aplicações e jogos que nunca têm fim, aos inúmeros e tão promissores (e agora chegamos onde quero) contactos profissionais em rede.
E aqui é que bate o ponto.
Eu tenho uma página no Facebook há já algum tempo e, até agora, ainda não fui presenteada com nenhuma abordagem profissional. Nada de: "Olá, estás interessada em trabalhar na minha empresa?" ou "Boa tarde dra. Vi as suas fotos e tenho ideia que será uma excelente profissional no nosso ramo. Deseja ponderar uma entrevista com os nossos representantes?", nada, nadinha. Ora, isto só me faz crer que esta coisa dos contactos profissionais em rede não passa de uma farsa, uma desculpa ligeiramente mais rebuscada e decente de se justificar uma futilidade como a de expor a vida toda (ou parte dela) nas redes sociais. Para além do mais, quem é que quer que o patrão, ou futuro patrão, veja aquelas fotos tiradas na praia, nas férias em Benidorm ou aquelas outras, que tirámos com amigos de copo na mão a fazer figuras ridículas mas que ficam tão bem nestes espaços cibernéticos? Arrisco-me a dizer que ninguém. Em que é que isso nos pode vir a beneficiar? Em nada.
Daí que na Alemanha (sempre cheia de boas ideias) surja uma medida, a meu ver muito bem aplicada sim senhora, que visa proibir que os empregadores metam o nariz nas páginas pessoais do Facebook dos futuros empregados chegando-se ao limite de, em caso de desconfiança sobre a decisão de contratar estar a ser influenciada por publicações em redes sociais, o candidato ao emprego poder processar a entidade empregadora. Considero de uma sensatez tremenda, do tempo daquela que se observava antes da decisão de testar a inteligência dos imigrantes e, se aqui não se inventa nada semelhante, àquilo que eu tenho o (des)prazer de ver nas páginas alheias, sugiro a toda a gente uma emigração em massa para a Alemanha, não vão os empregadores portugueses começar a ficar mais sensíveis a estas questões virtuais.

domingo, 29 de agosto de 2010

Universidade de Verão do PSD 2010

Amanhã, dia 30 de Agosto, em Castelo de Vide, começará a 8.ª edição da Universidade de Verão do PSD.

Desde 2003 que são realizadas as Jornadas da Universidade de Verão, promovidas conjuntamente pelo PSD, JSD, Instituto Sá Carneiro e PPE. São jornadas de estudos intensivos que reúnem formadores e oradores, militantes da JSD, jovens quadros do PSD e independentes que, nas autarquias locais ou em qualquer tipo de actividade associativa, demonstram a sua contribuição social em harmonia com os ideais do PSD.

A Universidade de Verão, que decorrerá até ao dia 5 de Setembro, marca a rentrée oficial do partido e contará com a presença de ilustres figuras do PSD e de personalidades de outros quadrantes político-partidários e sociais.
Marcelo Rebelo de Sousa marcará a sua já habitual presença, com uma intervenção, no dia 31, com o tema "A Social-Democracia em tempo de crise". O Presidente do Tribunal de Contas, Guilherme d'Oliveira Martins, ele próprio dirigente da JSD em 1975, intervirá no dia 3 de Setembro num painel intitulado "Como funciona o Estado português: dos mecanismos de controlo ao combate à corrupção". Carlos Pimenta, ex-Ministro do Ambiente do PSD, falará dia 2 sobre "Ambiente e Energia: o que temos de decidir já!". O padre Lino Maia, actual Presidente da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade, foi também convidado para falar acerca da emergência social, segundo tema, a par do combate à corrupção, da agenda actual que o PSD escolheu para o encontro. Carlos Coelho, ora eurodeputado do PSD, organizador da iniciativa, explica que o grande objectivo da Universidade de Verão é a formação pedagógica e pluridisciplinar de jovens quadros da elite nas áreas da Ciência, Economia e Cultura. O evento encerrará com o discurso do actual Presidente do PSD, Pedro Passos Coelho.

Um partido como o PSD demonstra também a sua abertura e independência ao convidar para as conferências-jantar cinco personalidades, com ou sem ligação ao partido e com sucesso a nível internacional, como sejam: Leonor Beleza, Presidente da Fundação Champallimaud; Miguel Maduro, especialista em Direito Europeu e prémio Gulbenkian de Ciência; Jorge Guimarães, gestor; Alexandre Relvas, ex-Presidente do Instituto Sá Carneiro e gestor; e Elvira Fortunato, cientista de microelectrónica condecorada pelo Presidente da República no passado dia 10 de Junho.

É notoriamente uma iniciativa de saudar e que permite a reflexão dos mais jovens acerca das mais diversas temáticas da actualidade e um convívio entre os militantes e os simpatizantes do PSD bastante estreito e enriquecedor.

Todos os anos, cem jovens alunos deslocam-se a Castelo de Vide, para participarem nesta Universidade de Verão, rondando a sua média de idades os 23 anos.

Para mais informações, consulte o programa no site http://www.juventudesocialdemocrata.com/. A única má notícia é que as inscrições já desde há muito se encontram encerradas. A boa notícia, laranjinhas (e não só, ressalve-se!), é que para o ano há mais!

Os marqueses também por lá vão andar. Aos que vão, estejam atentos, não vá alguém opinar aveludadamente!

sábado, 28 de agosto de 2010

Calculismo Político

Hoje em dia, a França é notícia pelas piores razões. No século XIX, a grande nação intelectual do Mundo, pela sua Arte, pela sua Ciência, pela sua Literatura, pela sua Pintura, pela sua Cultura – hoje a França reduz-se a ser notícia por ser uma nação cuja cúpula governativa julga que todos os males do País derivam de uma raça – a cigana e que, por isso, necessita de ser deportada. A troco de 300 euros por adulto e 100 euros por criança, estas pessoas, voluntariamente, abandonam a França, como se de cabeças de gado se tratassem. A Comissão Europeia guarda sobre este assunto um silêncio escandaloso numa latente violação duma das suas históricas premissas – o respeito pela diversidade. Não falamos, neste aspecto, da constituição de um regime especial de circulação criado para a Roménia e para a Bulgária. Há que atender às dificuldades concretas que alguns países vivem e a liberdade de circulação total do povo romeno e do povo búlgaro iria causar maiores problemas do que vantagens – não iria ajudar à redução da pobreza, mas tão-só generalizar a mendicidade um pouco por toda a Europa. Este pequeno ajustamento das regras da União Europeia tem, porém, de ser contrabalançado por uma efectiva ajuda dos Estados-Membros à Roménia e à Bulgária na diminuição das desigualdades nestes países – isso ajudaria a reduzir os problemas que uma emigração maciça poderia provocar. Outro facto: os Estados-Membros que recebem estes emigrantes não podem adoptar comportamentos discriminatórios, invocando falsas razões de segurança para encobrir uma agenda política. A atitude que a França vem adoptando em relação aos emigrantes romenos e búlgaros é inaceitável.
Esta prática discriminatória tem apenas um objectivo oportunista – desviar a atenção mediática dos problemas que atingem a França. Numa altura em que todos os países são chamados a colocar em prática um conjunto de políticas de austeridades, pouco populares a nível eleitoral, a política nacionalista de Sarkozy não é mais do que uma escapatória deplorável de enfrentar os problemas do País. Ao optar por uma medida populista e demagógica, mas atraente aos olhos de certas franjas da população xenófobas que vêem nos imigrantes a causa de todos os problemas do País, Sarkozy tem em vista a recuperação da sua popularidade, abalada por sucessivos escândalos e que esta ofensiva discriminatória procura ocultar.
Não negamos – e tal sim seria ilusório – que a raça cigana poderá apresentar índices de delinquência – tal como qualquer outra raça. Ao centrar, porém, a sua atenção sobre uma raça em concreto e fazer dela o seu alvo particular, o governo francês está, claramente, a ser discriminatório no tratamento deste problema. A delinquência não é produto de uma raça e para a solucionar não se deve olhar à etnia – a delinquência deve ser enfrentada como sendo contrária à vida em sociedade e, por isso, não tem raça. Não negaremos, igualmente, que, por vezes, a própria raça cigana é propícia ao isolamento, dificultando a integração. Mas isso não é motivo suficiente para abandonar as políticas de integração na comunidade. Parece algo incoerente acusar os ciganos de respeitar os seus deveres de cidadão e, ao mesmo tempo, desprezando os mais elementares deveres de um Estado de respeito, de não discriminação, de tolerância e de abertura, submeter estas pessoas a um tratamento vexatório. Estas pessoas não necessitam de exclusão, mas sim de inclusão: carecem de ir à escola desde a tenra idade, velando os serviços de Segurança Social pelo cumprimento desta obrigatoriedade, onde será possível demonstrar a estas pessoas os princípios do Estado e da vida em comunidade.

No dia 25 de Agosto, no Washington Post, o filho de Martin Luther King Jr., Martin Luther King III escrevia sobre o sonho do seu pai – um sonho que não se limitava à igualdade racial, mas de expansão de direitos para uma raça única. Martin Luther King III falava que mesmo nas circunstâncias mais adversas, é necessário superar as diferenças através de uma maior compreensão, reconciliação e cooperação.

Quarenta e dois anos após a morte de Martin Luther King, num projecto europeu que se pretende cada vez mais integrante e, simultaneamente, tolerante da diversidade e respeitador da diferença, a França opta por seguir o caminho do calculismo e do oportunismo político em detrimento do respeito dos direitos das pessoas.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Ao emigrante

Ahhh...acabaram-se as férias e, como diria uma estimada vizinha minha que não reside no nosso país, é uma "catastrófe" voltar à rotina das 9h às 17h30. Por momentos, ao constatar que no primeiro dia de trabalho a minha cabeça estava a estourar de tanto sono e não me apetecia por nada deste mundo levantar da cama pensei: "Minha amiga, tu estás com stress pós-férias, é melhor deixares-te estar sossegada antes que te aleijes", mas depois de sentir a minha consciência pesar-me ainda mais que o meu sono percebi que a via não era essa, ia levantar-me e sair de casa às 9h e não iria sofrer de ressaca pós-férias com muita pena minha, porque até tenho uma certa curiosidade em saber o que é padecer destas doenças da moda.
Ainda assim, mesmo deprimida por já se ter acabado o meu "bem-bom", sinto-me regozijar por me encontrar numa das zonas do interior do país mais próximas da fronteira e, assim, poder deleitar-me com esse fenómeno da chegada dos emigrantes à terra natal e deixar-me levar pela alegria que essa gente traz ao núcleo esquecido do nosso querido Portugal. Público citadino que não tem a oportunidade de apreciar a grandeza deste êxodo: não sabeis o que andais a perder!
Podem achar ridículo, mas a verdade é que os nossos compatriotas trabalhadores no estrangeiro são capazes de fazer renascer qualquer pacato recanto durante o mês de Agosto. Mal chegam nas suas viaturas quitadas e brilhantes, nos seus Audis, BMWs e Jaguares, instalam o estado de sítio na passividade morna e pachorrenta de uma aldeia e concentram as atenções gerais nos símbolos da Federação Portuguesa de Futebol estampados nos vidros retrovisores e nas fieiras de ouro que pendem dos pescoços revelados pelas camisolas brancas de manga cava. E vêm todos! Os que a Portugal pertencem mais os amigos que mal falam português, trazem os seus IPhones de última geração e uma aparente riqueza no bolso que estranhamente contrasta com o nível de vida que se diz levarem nos países onde se encontram emigrados.
De nada valeriam os bailes de verão, as romarias e festas popularuchas sem o brilhante emigrante a espalhar a sua magia bilingue, o seu charme. Porque emigrante que se preze corteja sempre a menina da terra e deixa o seu coração vazio quando parte ou, numa outra área de acção, deixa sempre o brasão do anel de ouro marcado na face de qualquer velhaco mal intencionado que no seu caminho se atravesse. Emigrante que é emigrante sente no sangue as palavras de António Rocha da Costa:

O meu País aonde um dia eu vim nascer,
Comigo está constante, esse torrão natal;
Assim, o possa Deus p’ra sempre proteger,
E o povo lusitano grato possa ser!
Que viva para sempre o nosso Portugal!...



Amén!

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Acção e Inacção

Um dos mais arreigados hábitos portugueses para desprezar a suposta crise consiste em evocar, saudosamente, o passado – consiste nesse belo hábito de afirmar que Portugal irá superar as adversidades porque, até agora, sempre o foi capaz de fazer. Estas reminiscências do passado encontram sobretudo eco nesse período glorioso de Portugal das Descobertas e, por isso, é sempre eloquente ver um político declamando. É, por isso, com languidez e melancolia que eles olham sempre, de olhos marejados, para a Mensagem sebastinianista de Pessoa. O Quinto Império, para eles, encontra-se, fixo e imóvel, no passado e não compreendem que as palavras são sempre o mote da Revolução – são elas que instigam a acção presente. Porque as palavras servem sempre de lugar à incitação – as palavras de Voltaire, por exemplo, inspiraram a Revolução Francesa. A Revolução necessita de teorizadores, de sistemas, de teorias, ela alimenta-se de ideias, de imprecações, de debates – ela necessita da palavra para lhe dar forma e cor e, só então, só depois da Palavra poderá haver Revolução. Em Portugal, porém, tudo é diferente. Em Portugal, a arte oratória é a declamação de uma fraseologia inútil, profunda na pompa, nula na Ideia. Em Portugal, a Palavra é a enfatuação do status quo.

Dizer aos portugueses que estes irão superar as dificuldades só porque assim sucedeu até agora é do mais ridículo que pode haver. É cuspir no presente e sorrir ao passado – como se efectivamente vivêssemos desse passado; é garantir que Portugal irá para sempre ser grande porque um dia, há quinhentos anos atrás o foi – e essa memória distante cuja luz ainda resplandece nos crânios de muitos políticos hoje é o travão ao rompimento com o estado presente de coisas – ela não incita, ela descansa. O Opinador tem uma opinião contrária – o Opinador respeita essa nobre época, mas não vira os olhos da nação actual; e a nação actual não é mais do que um mísero espectro desse passado glorioso. Aos políticos que, enfaticamente, declamam que Portugal irá superar as dificuldades porque sempre assim tal aconteceu, o que se pretende dizer é – “Descansai! Preguiçai! Façam uma sesta! Não sacudam as varejeiras do vosso corpo!”. E isto porquê? Porque Portugal sempre foi capaz de superar as dificuldades. E se tal sempre aconteceu, com certeza que agora a história não será diferente. Não há necessidade de trabalhar; Portugal pode repousar, serenamente, à sombra da sua História.

Outros usam as palavras, mesmo as mais duras, porque servem de catalisador à acção – e dizem: «Portugal é pobre – é necessário que se trabalhe mais; Portugal é estúpido – é necessário que se estude mais; Portugal é preguiçoso – é necessário que se lute mais.» E, no fim de tudo, Portugal será um Pais mais rico, mais culto e mais trabalhador. Tudo porque alguém lhe teve a coragem de dizer a verdade que incita à acção e não a cobardia de lhe relembrar os heróis mortos do passado como forma de os fazer descansar no presente à custa das coroas de glória do passado.

Estas verdades para muitos políticos são indiferentes porque a sua cabeça vive há quatrocentos anos atrás e abandonam o povo na luta da vida contemporânea – isto não é amor pelo País; isto é desdém pelo País.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Ideias Monárquicas

Segundo o “Expresso”, o Sr. Presidente da Causa Real, o Dr. Paulo Teixeira Pinto, num jantar ocorrido no Porto há duas semanas declarava, com a mão na ilharga, numa voz vaga, repassada da solenidade e de nobreza da noite, o seguinte:
- Não queremos fracturas, títulos, honrarias, não somos uma classe, uma casta. O maior título que podemos ambicionar é o de vassalo, do rei e do país.
Estimado Dr. Paulo Teixeira Pinto, se o intimo ideal que brota do seu peito é ser um subordinado do rei – nós achamos muito bem, nós achamos lindamente. Agora, caro Doutor, não nos queira obrigar a dobrar o espinhaço para nos tornar um subalterno de Sua Alteza. Com efeito, como V. Ex.ª sublinha e bem, que a Causa Real não quer fracturas – ela desejará manter a sociedade portuguesa tal como está: esfacelada; a Causa Real não deseja honrarias: a Causa Real deverá pregar a sevandijaria; a Causa Real afirma não ser uma classe: porventura será uma anarquia.
Em suma, o que V. Ex. diz é:
- Nós queremos o vazio! Ajoelhem perante o vazio!
O que Sua Excelência fez foi pegar na monarquia, sacudir-lhe o pó, lava-la, seca-la, penteá-la, colocar-lhe um pesseguinho, vesti-la, traze-la à praça pública, dizendo:
- Vede, povo! Esta é a Monarquia! Ajoelhai perante ela!
E porquê, V. Ex.ª? Por nada, V. Ex.ª! Nós sacudimos o jornal à procura de um qualquer motivo, nós reviramos o jornal, nós – valha-nos Deus! – ajoelhamos, prostrados, escarafunchando no chão à procura do motivo que poderia ter escorregado do jornal, buscamos no tecto alguma ideia que poderia ter saltado para lá, relemos o texto – e nada V. Ex.ª! Não encontramos nenhum motivo! V. Ex.ª deseja, portanto, a monarquia – porque sim.
A Causa Real nada deseja na verdade a não ser que o português se curve perante Sua Majestade e se torne seu vassalo. Além disso, a Causa Real nada deseja nem nada possui – não possui doutrina, não possui sistema, não possui ideias, não possui teorias: a Causa Real possui apenas a nobre aspiração de ser vassala do Rei. A Causa Real não se pretende erguer à altura do Rei: a Causa Real pretende lamber os pés do Rei. A Causa Real não pretende olhar os olhos do seu semelhante: a Causa Real pretende olhar as peúgas de El-Rei. A Causa Real não pretende eleger, democraticamente, um dos seus concidadãos para ser a voz do Povo: a Causa Real pretende que um individuo, sobre o qual, arbitrariamente, desceu o Espírito Santo e, por isso, é dotado de poderes divinos, se aproprie, sucessoriamente, do trono como um filho se apropria da espreguiçadeira do jardim do pai falecido.
Porém, meu caro Dr. Teixeira Pinto, não queremos ser acusados de injustiça – afinal de contas, a sua declaração ocupa umas míseras três ou quatro linhas de uma coluna de jornal. V. Ex.ª então perguntará:
- Como posso eu construir um sistema sólido em três linhas de jornal?
V. Ex.ª interroga-se e interroga-se mais uma vez lindamente. Fomos então, sorrateiramente, furtivamente, consultar a mensagem de Sua Alteza Real, Dom Duarte de Bragança, e as suas ideias. Sua Alteza Real defende, pois:
“Saibamos apoiar as organizações de voluntários que generosamente trabalham para resolver os problemas, desde as mais antigas, como as Santas Casas da Misericórdia, até às mais recente, leigas ou religiosas”.
Mas que queria Sua Alteza? Que o Estado esbofeteasse as organizações de voluntários? Que lhes pedisse para virar costas e, enquadrando o pé às nádegas das organizações dos voluntários e pregasse um pontapé nas ditas?
Mais, Sua Alteza! Mostre-nos mais!
“Saibamos defender o equilíbrio do meio ambiente e da nossa paisagem humanizada”
Inspirador, Sua Alteza. Do alto do seu tribuno Sua Alteza, implora aos portugueses:
- Não escarrem para o chão! Não atirem papéis para o chão! Recolham o cocó do vosso cãozinho! Deixem de poluir os rios! Por favor, portugueses: isso é feio!
E que mais, defende Sua Alteza?
“Saibamos lutar pela promoção da Lusofonia e solidariedade entre os países membros da CPLP, como uma causa de importância decisiva do nosso futuro comum.”
Sim, sua Alteza! Abracemo-nos irmãos angolanos! Apertemos as mãos amigos moçambicanos, num comovido handshake! Venha de lá esse lombado, prezado cabo-verdiano! Se demonstrássemos mais vezes esta afecção, como Portugal estaria melhor…
E da União Europeia, que diz Sua Alteza?
“Com a União Europeia temos um válido projecto político e económico comum, mas falta-lhe uma “ alma “, porque, infelizmente, quem decidiu recusou-se a reconhecer a matriz cristã da nossa cultura…”
Oh! Terrível, Sua Alteza! Pois a União Europeia, essa desalmada, quando fenecer ao peso dos anos não irá ter lugar no Céu e terá de suportar as chamas sulfurosas de Lúcifer? Tudo isto porque os decisores não lhe deitaram água benta quando era pequena? Terrível, terrível, Sua Alteza!...
Mas, por favor, por quem sois, Sua Alteza, ilumine-nos com a autoridade do seu saber.
“Saibamos preservar instituições fundamentais da Sociedade como a Família.”
Ah! A Família, Sua Alteza. Essa maltratada instituição pelos portugueses. Outras instituições não têm a mesma importância da Família – são elas a verdade, o dever, a justiça, a honra, a rectidão, o carácter, a coragem. Não, Sua Alteza. Com efeito, Sua Alteza. É o facto do Papá não beijar a Mamã quando sai, de manhã, para o trabalho que é a causa dos males do País.
Pôs-te Deus sobre a fronte a mão poderosa:
O que fada o poeta e o soldado
Volveu a ti o olhar de amor velado,
E disse-te: “mulher, vai! sê formosa!”

E tu, descendo na onda harmoniosa,
Pousaste neste solo angustiado:
- Estrela envolta num clarão sagrado,
Do teu límpido olhar na luz radiosa –

Mas eu…posso eu acaso merecer-te?
Deu-te o Senhor, mulher! o que é vedado,
Anjo! Deu-te o Senhor um mundo à parte.

E a mim, a quem deu olhos para ver-te,
Sem poder mais…a mim o que me há dado,
Voz que te cante…e uma alma para amar-te!
[Antero de Quental]

domingo, 15 de agosto de 2010

A injusta justiça

A. tinha 20 anos. Não gostava muito de estudar, portanto abandonou os estudos cedo, mas não passava os dias esparramada no sofá, como tantos colegas seus faziam. A. queria prover ao seu próprio sustento e também ajudar os seus pais, humildes comerciantes que tinham dedicado toda a sua vida à exploração de um pequeno minimercado em Benavente. A. conseguiu então um emprego na Câmara Municipal da sua terra natal. A. era tida como uma funcionária exemplar, sempre pontual e muito solícita a todos os que a ela acorriam. A. era muito extrovertida e simpática, o que levava a que possuísse muitos amigos. Um desses seus amigos veio a tornar-se seu namorado. Já falavam em casar-se e nos nomes que, um dia, iriam dar aos filhos que tivessem juntos. Quem os via, dizia que eram um casal muito feliz.

No dia 6 de Dezembro de 2000, quarta-feira, o seu namorado veio buscá-la a casa para irem espairecer um pouco, como era habitual todas as quartas-feiras. O carro entrou na estrada nacional n.º 118 (Benavente - Samora Correia). A conversa ia animada. Falavam acerca do fim-de-semana prolongado que iriam passar juntos, dado o feriado 8 de Dezembro calhar a uma sexta-feira. Subitamente, uma acácia, com cerca de 18 metros de altura, sita a 3 metros da estrada, cai sobre a viatura.

A. tem hoje 30 anos. É tetraplégica. Em consequência do acidente, A. tem apenas sensibilidade do pescoço para cima e nos ombros, sofre de diminuição acentuada da função respiratória e foi-lhe atribuída uma incapacidade funcional de 95%, com incapacidade total para o trabalho. Desloca-se em cadeira de rodas e necessita da assistência permanente de terceiros, o que obrigou os seus pais a fecharem o minimercado que exploravam para a poder acompanhar.
A. e os seus pais intentam uma acção no Tribunal Administrativo de Lisboa, reclamando uma indemnização/compensação à Estradas de Portugal por danos patrimoniais e morais, presentes e futuros. A acção é julgada procedente, sendo a EP condenada a pagar 1,2 milhões de euros a A. e 252,50 mil euros aos seus pais.

Não se conformando com a douta decisão, a Estradas de Portugal interpõe recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, questionando, por um lado, a sua responsabilidade nos factos e, por outro, a quantificação dos danos indemnizáveis. Os mandatários das EP pugnam a tese segundo a qual a árvore, embora colocada a 3 metros do limite da EN 118, se localizava já num terreno privado, contíguo à berma da estrada. E, por conseguinte, se presumia a culpa da dona do terreno onde a árvore se situava, devendo ser esta a responsável civil pelos danos provocados pela queda da acácia sobre a viatura. Porém, os Juízes Conselheiros defendem que este facto de per si não permite ilibar a EP, porquanto a árvore estaria há mais de 10 anos inclinada sobre a faixa de rodagem e constituía um perigo manifesto, sendo obrigação da entidade tutelar das estradas nacionais vigiar a perigosidade para a circulação rodoviária das árvores próximas das vias públicas. Todavia, chegados a este ponto de argumentação que em tudo nos parece válida e, assim, alicerçar a responsabilidade civil das EP, logo os juízes inexplicavelmente afirmam no acórdão que proferem que, "apesar do dever de vigilância, seria leviano pensar-se que a EP tem a obrigação de vigiar todas as árvores que, aos milhões, bordejam as estradas nacionais a partir de terrenos privados". Sustentam ainda que não há factos que indicam como provável a queda daquela árvore e que mostrem que a mesma configurava uma ameaça. Por isso, concluíram, "a EP não é responsável pelo sinistro". É desta forma que a EP fica totalmente ilibada do pagamento daquela indemnização, no valor de quase 1,4 milhões de euros.

Este acórdão é de uma crueldade chocante. Como é que, passados 10 anos que se adivinham de difíceis tormentos, uma jovem tetraplégica em virtude da supra citada queda de uma acácia, vê toda e qualquer hipótese de recebimento de uma indemnização pelos seus danos ser-lhe cerceada? E aqueles pais, que tamanhos sacrifícios fizeram para poderem prover aos cuidados básicos da sua filha, que tipo de ajuda lhes é concedida? Que mundo é o nosso que permite que tamanhas injustiças como estas ocorram? E se é leviano pensar-se que a EP tem a obrigação de vigiar todas as árvores que, aos milhões, bordejam as estradas nacionais, então digam-me, caríssimos Conselheiros, quais são as árvores que a EP deve vigiar? Se A. não fosse uma pobre rapariga natural de uma localidade interior e de parcos recursos económicos, será que a referida decisão possuiria o mesmo conteúdo? Todas as noites, quando estão prestes a adormecer, aqueles dois Juízes Conselheiros (dos três Juízes Conselheiros, só um é que votou o acórdão vencido), não sentirão o peso das suas consciências ao relembrar tal acórdão por eles subscrito? Se os tribunais existem como órgãos onde a justiça deve ser realizada, onde é que ela se encontra neste Supremo Tribunal Administrativo, instância máxima existente na jurisdição administrativa? De todas as vezes que aqueles Juízes contemplassem os seus filhos, deveriam lembrar-se de A. Porque A. não vai poder mais realizar o seu sonho de infãncia: ser mãe. Este facto é indelével. Mas a dignidade e a justiça de receber uma compensação por todo o seu sofrimento foram cruelmente reitradas a esta pobre jovem. São decisões estas que desacreditam a justiça e que nos fazem tantas vezes afirmar que esta se encontra mesmo nas ruas da amargura!

sábado, 14 de agosto de 2010

What happens if we leave Afghanistan

Uma capa da Revista norte-americana “Time” está a causar polémica nos EUA. Titulando “What Happens if we leave Afghanistan“, nela se mostra a imagem de Aisha, uma jovem afegã de 18 anos, cujas orelhas e nariz foram cortados pelo seu marido como acto de vingança pela fuga de Aisha. Na fotografia apenas se nota a ausência do nariz de Aisha, pois o véu o seu longo cabelo impedem que se torne visível a ausência das suas orelhas. Esta história está a causar polémica nos EUA e o reavivar do interesse da discussão sobre a raison d’être da presença americana no Afeganistão, num momento em que documentos confidenciais sobre a guerra foram recentemente divulgados pelo site WikiLeaks.

A nossa posição inicial sobre a invasão do Afeganistão e do Iraque era de oposição. Apesar dos fundamentos adiantados pelo Presidente Bush se centrarem sobretudo em motivos de segurança interna, passados estes anos torna-se cada vez mais claro as verdadeiras e erradas razões que levaram à invasão dos dois Países. Mas não podemos deixar de enfrentar a cruel realidade que se vive em alguns países e a verdade é que a capa da “Time” é capaz de desafiar as posições mais acérrimas daqueles que opõem à presença americana no território afegão.

Mas situações semelhantes de desrespeito pelos direitos humanos vivem-se um pouco por todo o mundo. No Zimbabwe, no regime de Robert Mugabe; na Guiné Equatorial no regime de Obiang; porque agem então os Estados nalguns casos e outros se abstêm dessa mesma acção? Nalguns casos, não se limitam apenas à ausência de acção, como a uma adulação encapotada desses regimes pelo dinheiro – os diamantes no Zimbabwe; o petróleo na Guiné Equatorial.

Na nossa opinião, a capa da revista “Time” volta a colocar o debate onde sempre ele se deveria ter centrado – na questão da flagrante violação dos direitos humanos que se vive em determinados países. No caso particular dos países muçulmanos fundamentalistas – a violação dos mais elementares direitos das mulheres. Aqueles que se recusam a comentar a imagem com base num argumento de chantagem emocional recusam simplesmente confrontar-se com a realidade. E a realidade é esta, perturbadoramente, espelhada na capa da Revista “Time”. Ao apresentarem razões de chantagem emocional para se furtarem ao debate, essas pessoas apenas demonstram, pelo seu silêncio, a ausência de argumentos para rebater uma imagem tão poderosa – ainda que sem palavras. Casos como o de Aisha acontecem num país onde as tropas americanas marcam uma severa presença; num país que é governado por um Presidente que é do agrado dos Aliados. Ora, situações como estas são inadmissíveis. E é necessário que o Presidente afegão não só não pactue com elas, como puna os culpados por estas situações. A ausência de punição sobre os homens que realizam estes actos bárbaros não é mais do que um pactuar e um capitular perante o regime talibã – significa a manutenção do status quo. As razões do combate no Afeganistão não podem ser apenas preventivas no sentido da defesa do espaço atlântico contra eventuais ataques terroristas; a guerra tem também ela de ser activa e agir perante situações de desrespeito perante os direitos humanos. Os homens que realizam este tipo de acções são tão perversos quanto aqueles que se encontram numa gruta insalubre conspirando contra os americanos. Progressos foram realizados – nomeadamente no acesso de raparigas à escola. Mas, a verdade é que o domínio tribal e o jugo dos homens sobre as mulheres no Afeganistão continua a ser um cenário real, apesar dos progressos. Como evitar estas situações? Será a invasão destes países a opção para haver respeito pelos direitos humanos? Será a guerra o meio legítimo de restabelecer o primado de uma lei justa nestes países? Como moderar o fundamentalismo religioso que se vive em alguns países humanos?

Infelizmente, hoje, deixamos o leitor com mais perguntas do que propriamente com esclarecimentos.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Discurso Laudatório

O Opinador de Veludo não desejando ser acusado de não avivar as forças vivas do País vem chamar a atenção para dois bons – excelentes, na verdade – exemplos de um caminho bem trilhado pelo nosso Governo.

O primeiro deles é noticiado pelo Jornal “Expresso”, na sua edição do passado Sábado. Titulando “portugueses criam duas invenções por dia”, sublinha-se o facto do número de patentes registadas em Portugal para protecção de inventos estar a crescer 40% ao ano. Ora, este é um facto de enorme importância atendendo ao actual paradigma de modelo económico em que vivemos – centrado sobretudo na necessidade de inovação. E qual é a forma de proteger essas mesmas inovações? Precisamente os pedidos de patentes. O número elevado de pedidos de patente constitui um indicador revelador da progressiva modernização da economia. Portugal atravessa um período económico complicado, marcado sobretudo, por uma metamorfose da sua actividade económica – de uma economia ainda muito ligada aos sectores tradicionais da indústria para uma economia cada vez mais empreendedora e inovadora. Esta transição foi devidamente promovida pelo Governo – neste plano, destaca-se o papel do Plano Tecnológico. A aposta em eixos como o conhecimento, a tecnologia (a banda larga e as tecnologias de informação e comunicação), a inovação (apoiando e incentivando a modernização do tecido empresarial português), a simplificação da Administração Pública (através do programa SIMPLEX), a constituição de parcerias com universidades de prestígio, como o MIT – todos estes esforços começam a produzir resultados.
O Inquérito ao Potencial Cientifico e Tecnológico de 2008 demonstra o comprovado sucesso desta aposta do Governo:

• A despesa do PIB em I&D no início da década era de, aproximadamente, 0,8%; no final da década, a despesa fixou-se nos 1,51% do PIB;
• O número de investigadores no início da década era de, aproximadamente, 18 000; no final da década, mais do que duplicou, fixando-se em mais de 40 000;
• O número de doutoramentos no início da década era de 859; em 2008, eram 1496.


A verdade é que as empresas portuguesas têm uma necessidade vital de aposta na qualidade dos seus produtos para a sua sobrevivência. A globalização a liberalização do comércio, introduzindo a China e a Índia como actores dominantes no mercado global na componente dos custos – com os quais nenhum País Europeu pode competir – obriga a que a aposta das empresas portugueses se centre na qualidade – em criar valor para os clientes através da valorização dos produtos. Como se cria valor para o cliente? Inovando. Como se protege a inovação? Através de patentes. Neste sentido, o crescimento do número de patentes é um óptimo sinal para a economia portuguesa. E esta mesma imperiosidade é reconhecida já pelas empresas portuguesas – em 2009, pela primeira vez, o investimento privado em inovação superou o investimento público. Basta atentar nas palavras de pensadores económicos americanos para nos apercebermos da importância da inovação – sejam eles Drucker, Hamel, Porter ou Christensen.
Estes sinais positivos são reforçados por António Cruz Serra, presidente do Instituto Superior Técnico (IST), ao “Expresso” – “É quase demasiado bom para ser verdade, mas o certo é que, no que diz respeito à inovação e ao desenvolvimento tecnológico, Portugal está a crescer a um ritmo muito superior à média da União Europeia. Ao nível da ciência, já temos um desempenho comparável ao dos países mais desenvolvidos da Europa e até do Mundo.”
Esta estratégia do Governo Português é, de resto, consonante com a política económica da União Europeia, designadamente, a que resultou do Conselho de Lisboa: tornar a Europa a economia mais competitiva do mundo, sendo que para tal suceder deverá ser realizado um investimento na adopção e difusão de novas tecnologias, um aumento do investimento no conhecimento, capacidades e infra-estruturas ou o incentivo à inovação. Neste aspecto, Portugal tem feito o seu trabalho de casa e é um exemplo entre os Países Europeus.

A segunda boa notícia e que mereceu inclusive honras de menção internacional – o New York Times – relaciona-se com a política energética nacional – as energias renováveis. Portugal é mesmo apontado como um exemplo a seguir pelos EUA. O diário nova-iorquino chama a atenção para que quase 45% da electricidade produzida em Portugal provir de energias renováveis, aproveitando o potencial hídrico e eólico do País; que Portugal espera ser, em 2011, o primeiro País a inaugurar uma rede nacional de estações de recarregamento de carros eléctricos; cita um relatório da Agência Internacional de Energia que classifica o processo de transição português para energias renováveis como “um sucesso extraordinário”.
A aposta do Governo é a correcta – permite reduzir a dependência de Portugal do petróleo, que apesar de distante dos picos de preços verificados no passado, é uma forma de energia dispendiosa e finita. Portugal reduz assim a sua dependência e a sua exposição a eventuais crises no preço do petróleo que, certamente, no futuro voltarão a suceder, resguardando o impacto que essas oscilações possam ter no défice público.
Não se tratando de uma epístola laudatória, há que referir o bom trabalho que por cá, ainda, se faz – e que, neste caso, resultou duma política e duma estratégia deliberada e concertada do Governo. A Sua Excelência os nossos parabéns – momentâneos. Esperamos, novamente e irreversivelmente, más notícias suas para divulgar brevemente.
Em fumo se vai tudo, amigo! Olhando
Para as nuvens do céu, nuvens daquelas,
E até não sei se diga que mais belas,
Anda a gente fazendo e desmanchando!

Dá-me uma saudade em me lembrando
Do belo tempo que passei com elas,
Por essa imensa abóbada de estrelas,
Por esse mar de fogo viajando!

Andasse ainda eu lá, que não me havia
De ver por estes charcos atolado,
Onde nem sol nem lua me alumia!


Andasse ainda eu lá…desenganado,
Mesmo já como estou, de achar um dia
A pátria de onde ando desterrado!

[João de Deus]

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Da questão dos chumbos

Uma onda de demagogia e populismo têm chegado às praias portuguesas este Verão. A Oposição é o responsável pela espuma que a onda traz e que chega ao areal. O motivo? A suposta polémica entrevista de Isabel Alçada, Ministra da Educação ao jornal “Expresso” em que, sanguinolentamente, a Ministra jurava jorrar o sangue dos chumbos! A Oposição tremeu e, aterrada, murmurava numa prece contínua:
- Valha-nos Deus! Valha-nos Deus!
A Ministra, mais grave, mais furiosa, mais escarlate, gritava:
- Há-de jorrar! Por minha palavra de honra, há-de jorrar! E sem ouvir ninguém! Sorrateiramente, hei-de fazê-lo jorrar!
Por motivos de dignidade intelectual, reproduzimos, portanto, as palavras da Ministra da Educação ao jornal “Expresso”, para que o leitor retire a sua conclusão:

Também vai definir metas quantitativas de sucesso a atingir pelos alunos?
O que é importante é termos os instrumentos que permitam às escolas e aos professores perceber se estão a melhorar. Temos uma monitorização externa, com os exames e as provas de aferição, e temos a repetência, que é uma fórmula aplicada sobretudo nos países do Sul da Europa e que não tem contribuído para a qualidade do sistema. As crianças repetem o não e essa repetição quase nunca é benéfica em termos da evolução da aprendizagem.

Qual é a alternativa?
O que todos os países do Norte da Europa fazem. Se disser a um inglês que o seu filho passou, ele nem percebe do que está falar. A alternativa é ter outras formas de apoio, que devem ser potenciadas para ajudar os que têm um ritmo diferenciado. E nós já temos muitas: temos aulas de apoio ao aluno, estudo acompanhado, projectos especiais com mais professores e técnicos.

Pondera então alterar as regras de avaliação durante o seu mandato?
Pondero. Mas ainda não chegamos a um consenso. Deve haver uma audição dos parceiros sociais, das escolas e dos docentes para encontrar uma alternativa em que as pessoas se reconheçam.

E está disposta a lançar esse debate para acabar com os chumbos?
Sem dúvida. As reformas impostas, concebidas por um grupo de pessoas que propõem uma alternativa radical e em que as pessoas não se revêem, não são compreendidas.

“Deve haver uma audição dos parceiros sociais, das escolas e dos docentes para encontrar uma alternativa em que as pessoas se reconheçam”. A tirania e o absolutismo reinam no Ministério da Educação – a Ministra tem uma ideia própria relativamente à repetência, pretende ouvir os parceiros sociais, as escolas e os docentes para saber as suas ideias, e a Ministra é Luís XIV. Que os portugueses não têm por hábito ler os jornais é um hábito facilmente compreensível; que os políticos portugueses não tenham o hábito de estar actualizados sobre o assunto do seu dia-a-dia – a política – é já lamentável. Pelos vistos, suas excelências não foram correctamente educados pelo sistema de ensino e faltaram à lição de português: à interpretação. Isto explica, em grande parte, o estado latrinário do País. Porque, minhas caras excelências, vocês só fazem borrada. Das palavras “deve haver uma audição dos parceiros sociais”, a oposição portuguesa nota uma férrea e intratável vontade de estabelecer o fim dos chumbos, sem escutar a opinião de ninguém. Este sistema foi adoptado há uns anos pela antecessora de Isabel Alçada, que tentou fazer algo pelo sistema de ensino português – a avaliação dos professores – mas que chocou no corporativismo duma classe. Querer premiar o mérito entre os professores? Poder distinguir entre bons e maus professores? Velar atentamente pelo funcionamento das aulas do nosso sistema de ensino? Estabelecer padrões de excelência nas aulas? Afrontar os interesses da classe dos professores e vigiar a boa execução das aulas? Impossível, impossível! Escândalo, escândalo o querer avaliar as pessoas do nosso País! Gritou em uníssono a oposição.
A demagogia foi tal que, em algumas ocasiões, juntaram a sua voz na própria rua e não apenas na Assembleia da República. É que, ao contrário do que o Governo julga, a Assembleia da República ainda tem poder. Assim, se uma classe de 130 000 pessoas berra estridentemente ao ouvido do partido político «Isto é uma afronta! Uma afronta quererem avaliar o nosso trabalho, tal como se faz em qualquer empresa privada! Isto ainda é o Estado! E o Estado português, ainda por cima, caramba!». O partido político, esfregando as mãos, faz os seus cálculos. Chega à conclusão que seria uma boa medida para o melhor funcionamento do sistema de ensino. Mas depois faz outro raciocínio fatal – toma em consideração o seu próprio interesse e realiza o cálculo eleitoral. Desprezar o apoio de 130 000 votantes seria politicamente estúpido. Ruinoso para o País, mas politicamente estúpido. Prevalece então a espertice política e a ruína do País. Esta é a perfídia do nosso Governo – velar pelos interesses do País. E foi assim que no decurso da nova legislatura, o esforço de quatro anos foi pela latrina abaixo.

A OCDE tem recomendando a redução dos chumbos pelos motivos apontados pela Ministra – os benefícios produzidos por este sistema de retenção são nulos; este facto tem sido demonstrado por diversos estudos. Além do mais, o sistema de chumbos representa um elevado e dispendioso custo para o País Ao contrário, a solução deve passar por outro tipo de intervenção, nomeadamente pelo desenho de estratégias individualizadas e direccionadas para os alunos com maior dificuldade de aprendizagem. Este é o caminho que tem sido seguido pelos países nórdicos. Um problema – o sistema de ensino nórdico não é o português. Não é possível implementar uma realidade particular - a redução dos chumbos - inserida numa realidade geral – o exigente sistema de ensino nórdico - noutra realidade geral completamente diferente – a barafunda facilitista do sistema de ensino português. Realizar reformas, imitando e copiando realidades pontuais de outros sistemas de ensino que têm as suas virtudes, sem alterar, em primeiro lugar, o pano de fundo do sistema de ensino português é inócuo. Há, por isso, que pensar em realizar outras alterações em primeiro lugar – a remodelação dos currículos; a focalização nas disciplinas essenciais e a eliminação do acessório; introduzir uma maior exigência no ensino e findar com o facilitismo. Enquanto um conjunto de mudanças no panorama geral da educação portuguesa não for efectuada, a reles imitação de certas particularidades do sistema de ensino de outros países nunca produzirá os devidos efeitos – porque Portugal não é a Finlândia em termos de ensino; há que atender à realidade concreta do País. É, por isso, que somos contra a eliminação dos chumbos em Portugal, sem primeiramente, serem efectuadas outras alterações que coloquem ordem no sistema. Não possuímos, portanto, uma posição dogmática sobre o assunto depois de realizadas as respectivas mudanças.

domingo, 8 de agosto de 2010

Era uma vez um pobre aspirante a estagiário...

Por deliberação do Conselho Geral da Ordem dos Advogados de 31 de Agosto de 2009, foi instituído o exame nacional de acesso ao estágio de advocacia.

Até àquela data, os licenciados em Direito, caso fosse esse o percurso profissional perfilhado, podiam iniciar o seu estágio de advocacia, inscrevendo-se para o efeito junto da Ordem. O estágio possui (na última das suas versões, porquanto foi prolongada a sua duração quase "ad eternum") a duração de 30 meses, sendo que ao longo de todo o estágio, os advogados estagiários são reiteradamente avaliados. Após os seis primeiros meses de estágio (1.ª fase), o estagiário tem de realizar três exames de aferição de conhecimentos e obter aprovação em todos eles, sob pena de ter de começar o estágio novamente do zero. Uma vez aprovado, durante os restantes 24 meses de estágio (2.ª fase), o advogado estagiário tem de trabalhar arduamente e de sol a sol no escritório do seu patrono e, não bastando isso, sem qualquer tipo de retribuição, regra geral. Finalmente, depois de concluído todo este período, o estagiário é submetido ao exame final de agregação que possui uma componente escrita e uma oral. Só depois é que poderá requerer à Ordem a sua inscrição como advogado. Actualmente, são estas as montanhas que um licenciado em Direito aspirante a advogado tem de escalar, com um pequeno aditamento. É que desde o dia 31 de Agosto de 2009, para iniciar tão desditoso percurso, o advogado estagiário tem ainda de realizar um exame para poder iniciar o próprio estágio!

Este exame é a bandeira do actual Bastonário da Ordem dos Advogados, o Dr. Marinho Pinto, que entende que a Ordem dos Advogados tem o direito de fazer este exame de acesso aos licenciados em Direito da mesma forma que o CEJ (Centro de Estudos Judiciários) os faz para ingresso na magistratura por parte desses mesmos licenciados. Justifica igualmente a necessidade da sua existência dada a imensa distância existente entre um recém-advogado e um recém-magistrado no que tange à panóplia de conhecimentos e aptidões profisssionais que um e outro possuem. Para além disso, defende, que "o ensino do Direito se degradou do ponto de vista científico, mas tornou-se um bom negócio. Quantos mais alunos conseguirem aliciar para entrar, mais dinheiro recebem as universidades" (in Rádio Renascença, emissão de 12/07/2010) e ainda que o processo de Bolonha (que reduziu a licenciatura em Direito de 5 para 4 anos) permitiu a saída ao desbarato de licenciados em Direito das faculdades.

Ora começo por afirmar que tenho toda a legitimidade para opinar aveludadamente sobre o assunto, dada a minha condição de advogada estagiária (já na 2.ª fase de estágio). Comecemos, então, por analisar a comparação do Dr. Marinho Pinto relativamente às aptidões práticas e técnicas de um recém-advogado e de um recém-magistrado. Sempre julguei que jamais se deveria comparar realidades incomparáveis.Ora é justamente isto que o Bastonário faz quando coloca no mesmo patamar de igualdade de análise um profissional liberal e um funcionário público. No entanto, o mais irrisório prende-se com o facto de ser a Ordem a criticar a formação que ela própria ministra aos seus estagiários. Se se afirma que um advogado chega ao fim do seu estágio deficientemente preparado, pergunta-se: não deveremos antes apostar numa melhor e mais rigorosa formação por parte da Ordem dos Advogados ao invés de instituir tal exame de acesso ao estágio? Ademais, se é notória a saturação do mercado de licenciados em Direito, não é, salvo o devido respeito, à Ordem que cabe reconhecer/acreditar os cursos de Direito, mas sim à Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior. A solução não passa pela exigência de um exame que permita o acesso à profissão, mas sim pela diminuição do número de vagas de licenciaturas em Direito e até, mais radicalmente, pela extinção desta licenciatura em algumas das faculdades nacionais.

É certo que o número de advogados aumentou exponencialmente nas últimas décadas, fruto da abertura de numerosas vagas em Direito que o mercado não necessitava e, por outro lado, foram aprovados estudantes que quotidianamente prejudicam o prestígio da classe. No entanto, que justiça é esta de estarmos a culpar os estudantes e os recém-licenciados em Direito de hoje pelas faltas e erros cometidos no passado? E como é que se tem coragem de distinguir os licenciados consoante tenham obtido o seu grau pré ou pós-Bolonha? Os programas ministrados pelas faculdades de Direito, embora ajustados à redução da licenciatura para 4 anos, mantiveram-se, não tendo sido em nada diminuída a qualidade ou a exigência do ensino.

Este exame é profundamente atentatório dos valores constitucionais da igualdade, da liberdade de educação, da organização do sistema do ensino superior e da liberdade de acesso à profissão. E se quiseremos ser mais formalistas, podemos ainda afirmar que o próprio Estatuto da Ordem dos Advogados, no seu artigo 187.º, dispõe: "Podem requerer a sua inscrição como advogados estagiários os licenciados em Direito por cursos universitários nacionais ou estrangeiros oficialmente reconhecidos ou equiparados.". Posto isto, questionamos qual a disposição estatutária onde vem prevista a obrigatoriedade de tal exame? Obviamente esta disposição é inexistente. Por conseguinte, o Bastonário optou, assim, pela prepotência ao violar a lei e ao impor tal exame.

O 1.º exame de acesso ao estágio foi realizado a 30 de Março de 2010, tendo sido aprovados apenas 10% do total dos examinandos.
O Tribunal Administrativo de Lisboa (decisão essa confirmada pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no âmbito de recurso interposto pela Ordem dos Advogados) deu razão a duas licenciadas em Direito que a ele acorreram e obrigou a Ordem dos Advogados a admiti-las ao estágio de advocacia directamente, sem necessidade de prévia realização do supra citado exame.
O actual Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior enviou uma carta ao Procurador-Geral da República a indagar da constitucionalidade deste exame. O Procurador-Geral já providenciou pela intervenção do Ministério Público junto do Tribunal Central Administrativo Sul, de modo a que este interponha recurso no sentido de possibilitar a pronúncia do Tribunal Constitucional sobre a eventual inconstitucionalidade da exigência de realização do exame.
O Provedor de Justiça já requereu a fiscalização sucessiva do exame de acesso à Ordem. Os próprios candidatos a Bastonário já se insurgiram contra esta medida, contestando a sua notória ilegalidade.

O Dr. Marinho Pinto continua peremptoriamente a querer levar a sua avante. Até um dia.

A vida está má, está... Até para os marqueses (sobretudo para os licenciados em Direito, aspirantes a advogados!)!

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

A Justiça (?) em Portugal

O processo Freeport não só não terminou com o último despacho dos procuradores Paes Faria e Vítor Magalhães, como abriu uma nova frente de batalha no Ministério Público. Em primeiro lugar, o despacho dos procuradores não termina com o clima de suspeição sobre José Sócrates. É inadmissível que os procuradores mantenham a Espada de Dâmocles sobre a cabeça do Primeiro-Ministro quando ele em nada contribuiu para esta situação – a opção de ouvir ou não ouvir José Sócrates é da competência dos procuradores; senão o ouviram, por falta de tempo, porque se esqueceram, porque estiveram ocupados, porque estavam tomando propósito, isto é, por um facto que só a eles lhes seja dirigível, a inclusão de um conjunto de perguntas a efectuar que não foram realizadas por extemporaneidade é vergonhosa. Em sua defesa, os procuradores alegaram desconhecer uma figura processual que protelasse o prazo imposto pelo Vice-Procurador. Esta é a dogmática a que chegou o Ministério Público. Se o Vice-Procurador impôs um prazo, não vale a pena aos magistrados incomodarem sua excelência com a maçada de um pedido de adiamento do prazo de forma a concluir satisfatoriamente a investigação – é aborrecido sequer tentar.
Em segundo lugar, o despacho pôs, mais uma vez, em aberto as feridas que existem no seio do Ministério Público e, mais profundamente, em toda a Justiça portuguesa. Há uns tempos, Jorge Bacelar Gouveia, deputado do PSD, num artigo de opinião no “Público”, a propósito da Revisão Constitucional, e apontando armas sobretudo à Justiça, falava na necessidade de se rever o salário dos Juízes que, como representantes dum órgão de soberania, não poderiam ficar isentos do esforço de contenção da despesa do Estado; divagou, igualmente, pela necessidade dos tribunais velarem mais atentamente pelo controlo dos seus custos. Ora, nós questionamos – é esta a ideia que o PSD tem para remediar os males da Justiça? A poupança? Os tribunais são completamente desprezados pelo poder executivo e pelo poder legislativo; ambos descartam as suas responsabilidades uma vez que a turba tende a apontar o dedo aos próprios agentes do sistema: os juízes e o Ministério Público. Uma atitude de desdém tem apenas servido para agravar a crise latente que se vive na Justiça Portuguesa.

Esta semana, a entrevista de Pinto Monteiro ao “Diário de Notícias” não é mais do que um reflexo do caos que se vive na Justiça. A Justiça em Portugal está actualmente para os portugueses como o Faroeste para os americanos. Ainda assim, sua excelência, o Procurador-geral da República preferiu comparar-se não a um valente e corajoso cowboy, não a um destemido e firme xerife, mas tão-só a uma delicada e frouxa Rainha de Inglaterra. Ainda assim, nesta entrevista Pinto Monteiro ainda ensaiou uns quantos disparos um pouco por todo o lado: foi nos procuradores que apesar dos seis anos de investigação não tiveram tempo para ouvir José Sócrates – coisa que ele, como responsável pelo MP não sabe explicar; foi aos procuradores pelo conteúdo do despacho; foi ao Sindicato dos Magistrados do Ministério Público que acusou de actuar como um pequeno partido político. Enfim…muitos disparos para o ar. Mas eis que uma das balas perdidas atinge…o Sindicato dos Magistrados do MP. Ferido de morte, o Sindicato pretende vingança. E, por isso, riposta. Como se riposta em Portugal? Através dos letais…comunicados! No comunicado, o Sindicato considera-se a ele próprio como “instituição respeitada e ouvida”, num deleite baboso e falso. Se sua excelência, o Sindicato é ouvido, nós não discutimos. O que discutimos é se sua excelência ouve efectivamente. E ouve porque não deve escutar as conversas que se fazem nas tabernas ou nas distintas soirées sobre o MP – nelas não se inclui respeito. Em conclusão, achamos que o Sindicato é uma “instituição respeitada e ouvida”, como diz o Sindicato do Sindicato, mas também uma instituição mouca (afirmação nossa) O Sindicato, porém, erguendo o gládio da Justiça na direcção do Procurador-geral numa mão, apertando o peito com a outra mão, brame o seguinte no dito comunicado:
- A hierarquia do Ministério Público está moribunda. Não por falta de poderes, agora reforçados, mas da falta de capacidade para os exercer.
O Opinador, ternamente, apela ao Procurador e ao Sindicato para que, sorrateiramente, deponham as armas, as couraças, os guantes, limpem os fios de suor que escorrem por debaixo do elmo e…abracem-se! Entendam-se! Compreendam-se! Rebolem juntos! Dêem as mãos! Amem-se!

Em primeiro lugar, estimado Pinto Monteiro, sua excelência não se insere num modelo de Rainha que reina, mas não governa – “the Queen reigns but does not rule”; ou melhor, de facto, é assim, mas por inabilidade sua. V. Ex.ª não é o Procurador-geral da República, v. Ex.ª é um ornato na Procuradoria: e, por isso, se pode dizer, então, em concordância com o Dr. que você tem apenas poder simbólico de representação da Procuradoria. Mas se o Dr. Pinto Monteiro assim o pensa, porque diabos aceitou ser designado Procurador? Se julga que as prerrogativas de poder do Procurador não são adequadas para o cabal desempenho da função, porque em primeiro lugar, a aceitou sequer? Face aos desenvolvimentos recentes, apenas vemos uma solução – demita-se.

Em segundo lugar, se a existência do Sindicato dos Magistrados do MP pugna, como sua excelência indica no seu comunicado “pela dignificação da magistratura do Ministério Público”, então – não se incomode, estimado Sindicato. Extinga-se: ninguém o respeita – apenas você próprio; e convenhamos: a adulação em causa própria e as tendências narcisistas não lhe ficam bem. Assim, tal como o constitucionalista Jorge Miranda não vislumbramos motivos para a existência deste Sindicato, e em cenário de revisão constitucional, deve ser contemplada a sua proibição.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Derivas Nacionalistas

A França do século XXI é uma sombra da França do século XIX. No Paris do século XIX havia Musset, Baudelaire, Chopin, Mallarmé, Verlaine, Rimbaud, Balzac, Renan, Michelet; na França do século XXI há Woerth e Le Pen. De mais não nos lembramos.
No século XIX, Paris era a notícia; no século XXI, os subúrbios são a notícia; no século XIX, Paris era a luz; no século XXI, os subúrbios são a sombra.

Sarkozy descobriu o motivo para todos os males da França – é o imigrante! Ora aí está! A França bane o imigrante, os problemas são resolvidos. Falhando em todos os outros aspectos da Governação, Sarkozy aposta tudo numa questão – a delinquência. O porta-voz do seu partido, o UMP, fez o papel de papagaio ao Le Monde:

La question des étrangers, c'est un problème majeur dans notre pays, a-t-il lancé. La délinquance, chacun sait qu'il y a des liens avec l'immigration, chacun le sait. C'est souvent pas correct de le dire, mais c'est une réalité que chacun connaît."


Uma etnia em particular tem suscitado a atenção de Sarkozyles gens du voyage: os ciganos. Oito anos após o seu mandato como Ministro do Interior, Sarkozy não esqueceu as raízes. Esta política que rasa a ideologia de extrema-direita é perigosa – não tem por efeito acalmar a tensão social, mas tão-só agravá-la. Este agravamento resulta de decisões conscientes provenientes do Palácio do Eliseu desde há uns anos: o debate em torno da identidade francesa.

A essência do problema da delinquência envolvendo estrangeiros parece-nos bem captada pelo Courrier International:

«Si un officiel roumain avait fait de telles allégations, il aurait été immédiatement mis dos au mur par ses collègues européens et accusé de racisme. Mais, venant d'un Français, elles ont été immédiatement adoptées par les autres capitales européennes »


A propaganda nacionalista é, usualmente, arma da direita mais extremista, mas tem sido, habitualmente, usada por Sarkozy, sobretudo por um motivo: a perda de popularidade. As eleições presidenciais são apenas em 2012, mas o PS francês tem vindo a reforçar o seu posicionamento, uma vez que a controvérsia Aubry-Royal foi já ultrapassada e o partido não é já a manta de retalhos que foi. A deriva nacionalista de Sarkozy, no entanto, não deverá produzir os resultados do passado: o âmago do problema está colocado em torno da crise financeira, económica e social, e não em torno da pureza do sangue francês. A proximidade do Presidente com o ministro do Trabalho, Woerth, e a explosão do caso envolvendo Liliane Bettencourt completam o resto do cenário. A corrupção não é um problema exclusivo de Portugal, e os franceses são cépticos quanto à probidade e honorabilidade dos seus políticos. Esta missão, que Sarkozy elegeu como uma das prioridades do seu mandato, em sido um desastre completo. Todas as semanas rebentam escândalos de corrupção envolvendo políticos e abalando a cada vez mais ténue popularidade do Presidente.


Um fenómeno semelhante sucede do outro lado do Atlântico, nos Estados Unidos. O Partido Republicano pretende alterar a 14ª Emenda à Constituição. O objectivo? Eis as palavras do promotor da iniciativa, o Senador Lindsey Graham:

"People come here to have babies, they come here to drop a child. It's called, 'drop and leave.' To have a child in America, they cross the border, they go to the emergency room, have a child, and that child's automatically an American citizen. That shouldn't be the case. That attracts people here for all the wrong reasons."

A expressão “drop a child” deixa-nos particularmente admirados. Não sabemos se V. Ex.ª se estará a referir ao acto da cegonha, da ponta do seu largo bico, largar a criancinha. Caro Mr. Graham, sua excelência, é um conservador; porventura, ainda não estará ao corrente das leis de reprodução humana – pois bem, sua excelência, as pessoas não largam filhos, as pessoas têm filhos. Ou terá V. Ex.ª a consciência de que veio ao mundo trazido pela mesma cegonha num cabaz ornado de mantinhas cor-de-rosa, ou ocasionalmente encontrado entre a horta, guarnecido somente de uma folha de couve, resguardando as suas partes íntimas? Se tal assim pensa, comunicamos, despudoradamente, a V. Ex.ª que está equivocada.

Este discurso reflecte bem a ausência de ideias que varre a direita em dois países – os EUA e a França. A crise financeira mundial roubou-lhes o modelo económico – o seu motor – e ficaram órfãos de teorias. Vazios de ideias resta-lhes apregoar para as ideias vazias que têm.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Sondagens

Lord Nelson, na sua despedida temporária em lágrimas deste blog, aliviou a dor do adeus ao desenhar um cenário idilicamente social-democrata. Na sondagem do jornal “i”, o PSD liderava as intenções de voto com 39,2%, enquanto que o PS detinha 34,4%.

Numa recente sondagem, o jornal “Público”, confirma o cenário de queda do PSD num eventual cenário de eleições legislativas. Segundo o Barómetro TSF/Diário Económico, o PSD mantém a liderança, com 37,3% dos votos, logo seguido do PS com 33,3%. Numa análise comparada entre a sondagem do jornal “i” e a sondagem publicada pelo jornal “Público” ambos os partidos surgem em cenário de perda:

• o PSD de 39,2% para 37,4% e
• o PS de 34,4% para 33,3%.

Esta queda nas sondagens quer do PSD, quer do PS seria motivo para o nosso Lord continuar em êxtase eleitoral, cenário que não nos agrada. Exigem-se, portanto, maiores estudos. O mesmo jornal “Público”, realça dois cenários:

• em Junho o PSD recebia 47,7% dos votos e
• na mesma data, o PS recebia 24,1% dos votos.

Neste caso, o cenário é diferente. Enquanto o PSD cai cerca de 10% nas sondagens, o PS faz o caminho inverso – sobe quase 10%. Motivo? Simples – o programa de revisão constitucional do PSD.
Passos Coelho tem total mérito por ter recolocado o debate político em torno dos temas sobre os quais sempre deveria ter assentado – o debate de ideias. Qual o problema deste debate de ideias? São precisamente as ideias do PSD. Temos observado diversos analistas comentarem, num tom de quase condenação, a revelação do programa do PSD. Tal apenas nos parece inverosímil. Com efeito, um político que tem as suas ideias, os seus valores, os seus planos, a sua estratégia, o que deve fazer com ela? Ocultá-la? Falsificá-la? Omiti-la? Travesti-la? Nada mais ridículo – os analistas deveriam valorizar a atitude do líder do PSD em expor as suas ideias. Plano diferente será não só comentar o timing de revelação dessas ideias – a revisão constitucional, no nosso entender, deve ser assunto a ser discutido após as presidenciais -, como também a substância dessas mesmas ideias – com as quais, igualmente, não concordamos. Não obstante, o líder do PSD age como um verdadeiro político – age de acordo com as suas próprias ideias, defendendo-as, pugnando por elas, mesmo tendo consciência que elas colocam em causa o pensamento tradicional na política portuguesa. Este facto tem sido menosprezado pelos analistas e não alvo de um aplauso merecido. Compreendemos que tal não é habitual na política portuguesa – o político português, geralmente, trapaceia, engana, mente, trai e, recentemente, furta. A honestidade intelectual devia ser parte natural do perfil político. Mas, raramente, temos lido ou escutado isto entre os supostos analistas, que se focam apenas no facto dessas ideias virem a ser prejudiciais ao líder do PSD. E, assim, assalta-nos outra dúvida. Mas qual é a surpresa? Mais uma vez, o líder do PSD nunca fez questão em esconder as suas ideias de cariz mais liberal. A sua revelação escrita, positivada em letra firme e concreta, traduzida na alteração, sobretudo de três artigos da Constituição, causou assim tanto espanto ao espectro político nacional? Pelos vistos, muitos portugueses já adquiriram o hábito de tomar por falsas as declarações dos políticos. Então, quando Passos Coelho fala em privatização da saúde, privatização do ensino e liberalização dos despedimentos, a maior parte interpreta-o como sendo um defensor acérrimo do Sistema Nacional de Saúde, um patriota do Ensino Público ou um sindicalista do PCP no que toca ao mercado de trabalho.

No nosso entender, esta maior clivagem entre PS e PSD apenas pode beneficiar o debate de ideias. Os portugueses terão oportunidade de analisar as diferenças de ideias mais profundas que existem entre os dois partidos e estudar as vantagens do modelo económico, social, político e cultural que cada um deles defende. As nações progridem apenas por uma coisa – o pensamento. O debate de ideias terá esse condão – o de pôr Portugal a pensar. Com certeza, caro leitor…Uma nuvem espessa de fumo irá cobrir os céus por altura dos debates legislativos e temos sérias dúvidas de que tal se deverá à época de incêndios. Mas é uma oportunidade de se repensarem as instituições, o modelo económico, as opções políticas na Educação, as prioridades estratégicas – obras públicas ou apoio às PME? -, a dívida pública, o défice público. Enfim, uma oportunidade para se repensar o futuro de Portugal.

Aplauso dos Homens

Não é meu coração sagrado e cheio de mais bela vida
Desde que amo? Porque é que mais me estimáveis
Quando era mais orgulhoso e brutal,
Mais verboso e mais vazio?

Ai! À turba agrada o que é bom para o mercado
E o servo só sabe honrar o violento;
No divino só crêem
Aqueles que o são.


[Holderlin]

Os Sonetos a Orfeu

então, só quando o voo
pelo voo em si mesmo não se tente,
nem, quando em céu silente,
ouse subir, pois se bastou,

nem que em perfis de luz,
o êxito de instrumentos
jogue ao favor dos ventos,
só porque um belo baloiçar seduz, -

só quando um puro alvo
puser de orgulhos juvenis a salvo
as máquinas que crescem,

só então os ganhos favorecem
esse que será, perto do longe vário,
tudo quanto é seu voo solitário.

[Rilke - Tradução de Vasco Graça Moura]

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Vacances

Queridos leitores desta opinadora aveludada, queiram perdoar tamanha falha da minha parte, mas estou no modo férias e, neste modo, pouco ou nada me apetece fazer e a realidade actual acaba por me passar um pouco ao lado. Como quero deixar os comentários sobre as bizarrices que por aí vão acontecendo igualmente de férias e, como a época é de caipirinhas e estar ao sol de papo para o ar, escolhi deixar-vos com uma música muito linda e bem adequada ao mote deste texto.
Na próxima semana tentarei brindar-vos, de novo, com uma sugestão musical para acompanhar as saídas sexys da água a abanar o cabelo deixando escorrer a água do corpo molhado.
Caso entretanto não nos "vejamos":

Belas Vacaciones pour tous les vous! Au revoir mes petits!