A mais bela, a mais pura e a mais duradoura glória literária de prosa da blogosfera

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domingo, 8 de agosto de 2010

Era uma vez um pobre aspirante a estagiário...

Por deliberação do Conselho Geral da Ordem dos Advogados de 31 de Agosto de 2009, foi instituído o exame nacional de acesso ao estágio de advocacia.

Até àquela data, os licenciados em Direito, caso fosse esse o percurso profissional perfilhado, podiam iniciar o seu estágio de advocacia, inscrevendo-se para o efeito junto da Ordem. O estágio possui (na última das suas versões, porquanto foi prolongada a sua duração quase "ad eternum") a duração de 30 meses, sendo que ao longo de todo o estágio, os advogados estagiários são reiteradamente avaliados. Após os seis primeiros meses de estágio (1.ª fase), o estagiário tem de realizar três exames de aferição de conhecimentos e obter aprovação em todos eles, sob pena de ter de começar o estágio novamente do zero. Uma vez aprovado, durante os restantes 24 meses de estágio (2.ª fase), o advogado estagiário tem de trabalhar arduamente e de sol a sol no escritório do seu patrono e, não bastando isso, sem qualquer tipo de retribuição, regra geral. Finalmente, depois de concluído todo este período, o estagiário é submetido ao exame final de agregação que possui uma componente escrita e uma oral. Só depois é que poderá requerer à Ordem a sua inscrição como advogado. Actualmente, são estas as montanhas que um licenciado em Direito aspirante a advogado tem de escalar, com um pequeno aditamento. É que desde o dia 31 de Agosto de 2009, para iniciar tão desditoso percurso, o advogado estagiário tem ainda de realizar um exame para poder iniciar o próprio estágio!

Este exame é a bandeira do actual Bastonário da Ordem dos Advogados, o Dr. Marinho Pinto, que entende que a Ordem dos Advogados tem o direito de fazer este exame de acesso aos licenciados em Direito da mesma forma que o CEJ (Centro de Estudos Judiciários) os faz para ingresso na magistratura por parte desses mesmos licenciados. Justifica igualmente a necessidade da sua existência dada a imensa distância existente entre um recém-advogado e um recém-magistrado no que tange à panóplia de conhecimentos e aptidões profisssionais que um e outro possuem. Para além disso, defende, que "o ensino do Direito se degradou do ponto de vista científico, mas tornou-se um bom negócio. Quantos mais alunos conseguirem aliciar para entrar, mais dinheiro recebem as universidades" (in Rádio Renascença, emissão de 12/07/2010) e ainda que o processo de Bolonha (que reduziu a licenciatura em Direito de 5 para 4 anos) permitiu a saída ao desbarato de licenciados em Direito das faculdades.

Ora começo por afirmar que tenho toda a legitimidade para opinar aveludadamente sobre o assunto, dada a minha condição de advogada estagiária (já na 2.ª fase de estágio). Comecemos, então, por analisar a comparação do Dr. Marinho Pinto relativamente às aptidões práticas e técnicas de um recém-advogado e de um recém-magistrado. Sempre julguei que jamais se deveria comparar realidades incomparáveis.Ora é justamente isto que o Bastonário faz quando coloca no mesmo patamar de igualdade de análise um profissional liberal e um funcionário público. No entanto, o mais irrisório prende-se com o facto de ser a Ordem a criticar a formação que ela própria ministra aos seus estagiários. Se se afirma que um advogado chega ao fim do seu estágio deficientemente preparado, pergunta-se: não deveremos antes apostar numa melhor e mais rigorosa formação por parte da Ordem dos Advogados ao invés de instituir tal exame de acesso ao estágio? Ademais, se é notória a saturação do mercado de licenciados em Direito, não é, salvo o devido respeito, à Ordem que cabe reconhecer/acreditar os cursos de Direito, mas sim à Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior. A solução não passa pela exigência de um exame que permita o acesso à profissão, mas sim pela diminuição do número de vagas de licenciaturas em Direito e até, mais radicalmente, pela extinção desta licenciatura em algumas das faculdades nacionais.

É certo que o número de advogados aumentou exponencialmente nas últimas décadas, fruto da abertura de numerosas vagas em Direito que o mercado não necessitava e, por outro lado, foram aprovados estudantes que quotidianamente prejudicam o prestígio da classe. No entanto, que justiça é esta de estarmos a culpar os estudantes e os recém-licenciados em Direito de hoje pelas faltas e erros cometidos no passado? E como é que se tem coragem de distinguir os licenciados consoante tenham obtido o seu grau pré ou pós-Bolonha? Os programas ministrados pelas faculdades de Direito, embora ajustados à redução da licenciatura para 4 anos, mantiveram-se, não tendo sido em nada diminuída a qualidade ou a exigência do ensino.

Este exame é profundamente atentatório dos valores constitucionais da igualdade, da liberdade de educação, da organização do sistema do ensino superior e da liberdade de acesso à profissão. E se quiseremos ser mais formalistas, podemos ainda afirmar que o próprio Estatuto da Ordem dos Advogados, no seu artigo 187.º, dispõe: "Podem requerer a sua inscrição como advogados estagiários os licenciados em Direito por cursos universitários nacionais ou estrangeiros oficialmente reconhecidos ou equiparados.". Posto isto, questionamos qual a disposição estatutária onde vem prevista a obrigatoriedade de tal exame? Obviamente esta disposição é inexistente. Por conseguinte, o Bastonário optou, assim, pela prepotência ao violar a lei e ao impor tal exame.

O 1.º exame de acesso ao estágio foi realizado a 30 de Março de 2010, tendo sido aprovados apenas 10% do total dos examinandos.
O Tribunal Administrativo de Lisboa (decisão essa confirmada pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no âmbito de recurso interposto pela Ordem dos Advogados) deu razão a duas licenciadas em Direito que a ele acorreram e obrigou a Ordem dos Advogados a admiti-las ao estágio de advocacia directamente, sem necessidade de prévia realização do supra citado exame.
O actual Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior enviou uma carta ao Procurador-Geral da República a indagar da constitucionalidade deste exame. O Procurador-Geral já providenciou pela intervenção do Ministério Público junto do Tribunal Central Administrativo Sul, de modo a que este interponha recurso no sentido de possibilitar a pronúncia do Tribunal Constitucional sobre a eventual inconstitucionalidade da exigência de realização do exame.
O Provedor de Justiça já requereu a fiscalização sucessiva do exame de acesso à Ordem. Os próprios candidatos a Bastonário já se insurgiram contra esta medida, contestando a sua notória ilegalidade.

O Dr. Marinho Pinto continua peremptoriamente a querer levar a sua avante. Até um dia.

A vida está má, está... Até para os marqueses (sobretudo para os licenciados em Direito, aspirantes a advogados!)!

1 comentário:

Chicken disse...

1º acto...

Já la vão alguns dias que leio este blog, e compreendo a vossa angústia. A primeira lição de hoje consiste em formar um governo-sombra, a partir do hi5 é muito útil, nesta matéria, podemos mandar beijinhos e assim para um maior número de pessoas.
Repensar na Democracia de hoje em dia, e penso eu, que todos devemos é ser ciganos, receber 900 euros/mês de rendimento social de inserção e não fazer nenhum, amigo é aquele que se reforma de vez.
Confesso aos eventuais interessados, que todos terão a oportunidade de auferir o dobro ou nada destes privilégios, assim quando estiverem na política ou na banca. Mais não digo. Surpressa depois na campanha. Pedir dinehiro vai ser mais fácil carissimos (nao esquecer ler as letras pequenas), o governo passa a sustentar essa cáfila de empreendimentos. Impostos? O Estado encarrega-se de os fazer, sem stress. Crise? Vasta sonhar, não há crise, bom remédio caseiro cura males piores.
Vamos dar papel higienico feito em notas de 500, eventuais interessados cá do local terão de frequentar a universidade de verão....