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sexta-feira, 11 de junho de 2010

Praxe - qual é (ou qual deveria ser) a sua essência?

O tema que trago hoje é o da aplicação prática da praxe, a qual só deveria ser feita tendo por base o conceito original. Visto que alguns praxantes (ou “doutores”) por vezes tendem a esquecer-se do significado e objectivo real da praxe académica vou começar por apresentar a sua definição. Ora, por definição, a praxe académica deve “permitir a integração dos mais novos no meio académico”.

Como sabemos, muitos caloiros vão, frequentemente sozinhos, para um meio novo, uma “escola” diferente, com colegas desconhecidos e, muitas vezes, numa cidade também ela pouco familiar. E, como seres sociais que somos, além dos objectivos académicos óbvios (tirar o curso), também temos o objectivo de nos integrarmos no novo meio, conhecê-lo e estabelecer laços com os demais.

Contudo, a recepção ao caloiro nem sempre se limita a receber e integrar os novos alunos. Já todos ouvimos falar de abusos de poder, por parte dos “doutores”, que se traduzem em situações de submissão, humilhação gratuita e desrespeito pela integridade física e psicológica das chamadas “bestas” (caloiros). É certo que tais situações não constituem a regra, mas é fundamental reflectir sobre elas para evitá-las.

Com efeito, as relações hierárquicas que se estabelecem entre doutores e caloiros (que estão, claramente, numa posição de fragilidade por se encontrarem num mundo novo, no qual desejam ser aceites) podem ser perigosas e até passar uma ideia errada, a vários níveis, do que uma integração deve ser. Isto porque, a verdadeira amizade não pode ser criada em situações onde o elemento mais forte subjuga o elemento mais frágil. A submissão perante hierarquias pré-determinadas é igualmente perigosa ao incentivar os caloiros a aceitar passivamente uma “ordem”, onde é desejável nunca negar o superior. Neste sentido, o postulado de que ninguém é obrigado a ir à praxe não é assim tão simples, pois a pressão para participar é evidente (por exemplo, é um hábito os doutores esperarem os caloiros à saída das aulas, exigindo explicações quando um caloiro diz que não quer ou não pode participar) e o medo de marginalização, decorrente da não participação, torna-se real. Há situações em que os caloiros não concordam apenas com algumas das actividades da praxe; mas, para não as experienciarem, são por vezes obrigados a declararem-se anti-praxe, perdendo o direito de participar em tunas, usar o traje, etc. Por esta razão, os praxantes devem ser relembrados de que as situações não são sempre pretas ou brancas. Como em tudo na vida há áreas cinzentas e obrigar uma pessoa a adoptar uma posição ou outra, sob pena de ter acesso total ou privação total de certas vivências académicas (ex: participação em tunas) é extremo e injusto.

Se for praticada de forma equilibrada, sem abusos de poder e sem aproveitamento das fragilidades dos novos alunos, a praxe pode ser muito vantajosa, proporcionando uma verdadeira integração. À semelhança do que sucede em todas as outras áreas da sociedade, encontramos pessoas mas conscientes e outras menos ponderadas: há doutores óptimos, cujo único objectivo é auxiliar a integração; no entanto, também há veteranos com agendas escondidas (mesmo que por vezes não tenham total consciência disso). Agendas escondidas essas que assumem uma forma de vingança pelo que lhes foi feito no ano anterior, em que alguns chegam a dizer coisas como, por exemplo, “a mim disseram-me para fazer isto e eu obedeci, embora fosse desagradável, por isso também posso fazer agora o mesmo aos outros”. A essência da praxe é integrar, não é fazer algo porque alguém o fez a si no passado. Assim sendo, acredito que, se os veteranos têm o direito de praxar, terão igualmente o dever de ponderar a forma como conduzem a praxe, realizar uma introspecção onde vejam qual a sua verdadeira motivação para praxar, não caindo em erros abusivos e vinganças projectadas em pessoas que não têm culpa. Quando isto a acontece, a praxe deixa de o ser e transforma-se em estupidez, com pessoas frustradas a descarregarem as suas frustrações em inocentes e procurando, de forma inadequada, auto-afirmarem-se.

Enquanto oportunidade de integração, a praxe deverá apenas preocupar-se em promover o convívio, a partilha de experiências e de conhecimento, bem como a criação de laços de apoio entre as pessoas. Ao invés de um espírito de superioridade arrogante a ameaçador, deve reinar um espírito de acolhimento, para que os novos alunos se sintam verdadeiramente ligados e aceites na nova faculdade, na nova cidade e com as novas amizades. E, para tal, basta que os praxantes usem o seu bom-senso e o seu sentido humano, assumindo um papel de “guias” para os caloiros e levando-os a conhecer os locais mais relevantes da Universidade e da cidade: biblioteca, papelarias, centros comerciais e hipermercados, alojamentos/residências, centros culturais, transportes públicos disponíveis, restaurantes e cantinas mais frequentados pelos estudantes, cafés, organizações de cariz cultural e social para os diversos gostos pessoais (ex: grupos de fotografia, grupos de cinema, grupos de teatro, voluntariados, tunas, grupos de defesa ambiental e animal, organizações de eventos culturais e desportivos variados), etc. Na minha opinião, é (ou deveria ser) esta a essência da praxe: um verdadeiro espaço de integração com socialização positiva, divertida e enriquecedora para o indivíduo.

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