A mais bela, a mais pura e a mais duradoura glória literária de prosa da blogosfera

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sábado, 26 de junho de 2010

Os efeitos da Política sobre o Homem Médio

Este senhor é Sérgio Vasques. Sérgio Vasques é o actual Secretário de Estados dos Assuntos Fiscais e o seu passado é um entrave à sua actuação no campo público. O passado deixa um rastro inapagável. Assim, o actual Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais escreveu obras!, obras essas escritas em período anterior à sua entrada no Governo que não podem ser escamoteadas e com as quais Sua Excelência deve ser confrontada.

Queira V. Ex.ª ser confrontado com a sua obra “Regime das Taxas Locais: Introdução e Comentário”. Nessa altura, o Dr. Sérgio Vasques era apenas um singelo professor da Universidade, longe do bafo corruptor do poder político – V. Ex.ª era uma rosinha, delicada e livre.
Foi por essa primaveril e pitoresca ocasião que o Dr. Sérgio Vasques, no mencionado livro, escreveu as seguintes palavras a propósito das taxas locais, nomeadamente o seu artigo 4.º, n.º1 (“O valor das taxas das autarquias locais é fixado de acordo com o principio da proporcionalidade e não deve ultrapassar o custo da actividade pública local ou o beneficio auferido pelo particular.”):

“Como facilmente se compreende, sempre que a administração obriga os particulares a pagar taxas com montante superior ao custo ou valor das prestações que lhes dirige, o resultado está em fazer com que um grupo isolado de pessoas suporte as despesas que aproveitam ao todo da comunidade, produzindo-se uma discriminação sem fundamento objectivo. (…) Vale a pena notar que, consagrado o principio embora de forma pouco hábil, o legislador nos deixa ver no art.4 que da equivalência não pretende extrair a mera proibição do excesso manifesto ou intolerável, como por vezes se vê sustentado pelos nossos tribunais. (…) O legislador diz-nos, é verdade, que o valor das taxas locais deve ser fixado de acordo com o princípio da proporcionalidade mas logo de seguida acrescenta no art. 4 que esse valor não deve ultrapassar o custo da actividade pública local ou o beneficio auferido pelo particular. Não é, portanto, apenas o excesso manifesto ou intolerável que o legislador proíbe na quantificação das taxas locais.”

O que poderemos concluir deste trecho dessa sua obra-prima? Na verdade, o Dr. Sérgio Vasques apenas admite que, marginalmente, as autarquias locais, pelos seus serviços prestados, possam exceder o custo ou o valor do respectivo serviço. A taxa é superior ao custo ou valor do serviço prestado? Ora, nas palavras do Dr. Sérgio Vasques, pimba!, desrespeito pelo art. 4.º RTL, por violação do principio da proporcionalidade, desfigurando o carácter bilateral da taxa, transmutando a taxa num verdadeiro imposto, inconstitucionalidade orgânica em nome do art. 165.º, n.º1, al. i), da Constituição pois só por Lei da Assembleia da República ou Decreto-Lei do Governo com a devida autorização legislativa da AR se podem criar impostos. Segundo o Dr. Sérgio Vasques, não é uma qualquer desproporção manifestamente excessiva que apenas compromete esta bilateralidade das taxas com o desrespeito pelo princípio da proporcionalidade. Não, nada disso! O custo que marginalmente, repetimos marginalmente!, caro leitor, ultrapasse o valor ou custo do serviço prestado pode ser alvo de ponderação. A tudo o restante, sua fiscal excelência aplica o labéu da inconstitucionalidade. O Dr. Sérgio Vasques critica, inclusive, jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que não segue esta posição venerável de defesa do contribuinte que consiste no facto da taxa não poder ultrapassar uns míseros cêntimos do custo efectivo do serviço para a autarquia.

Esta relíquia histórica data de 2008. Desde então, o Dr. Sérgio Vasques tornou-se Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. E que maravilhosa transformação ocorreu nos seus hábitos de pensamento!...

Actualmente, Sérgio Vasques entende que a aplicação, decretada a meio do ano, de um imposto especial sobre os rendimentos dos portugueses não é retroactiva e, portanto, inconstitucional por violação do art. 103.º, n.º 3 da Constituição. Vejamos…Em cerca de dois anos, Sua Excelência que, defendia a inconstitucionalidade das taxas criados pelos municípios cujo valor fosse superior ao valor ou beneficio da prestação, passou a advogar a constitucionalidade de um imposto especialmente criado para captar os rendimentos retroactivos dos portugueses, rendimentos esses que estão já conformados no tempo, apesar de apenas serem considerados, para efeito de imposto, no ano seguinte. Acontece, porém, que os rendimentos foram já temporalmente delineados e enquadrados, não obstante a sua incidência se efectuar no ano seguinte.
O opróbrio! A ignominia! A consumpção! Oh!, terrível transmutação! Ó malévolo poder!...Os efeitos perniciosos que tens que transformas o mais delicado botãozinho de rosa jurídico numa terrível flor devoradora de rendimento em atropelos constitucionais!...

A admissão da inconstitucionalidade desta retroactividade e o seu sacrifício face à imperiosa necessidade que o País enfrenta de captação de receitas é perigosa pela abertura de um precedente. A Constituição existe, precisamente, para nos defender de situações como estas de flagrante abuso de poder – e o próprio Estado tem não só um dever de respeito, como de promoção dos direitos nela consagrados (art. 18.º, n.º 1 da Constituição).
Não pode haver sacrifício dos direitos invioláveis dos portugueses como forma de perdoar os sucessivos anos de incompetência governativa. Caso contrário, será então admissível que, em nome da asnice política, se violem os princípios mais fundamentais da Constituição. Isto tem um nome – a subversão do Estado de Direito, consignado no art. 2.º da Constituição.

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