Na última quarta-feira rebatemos o ponto de vista do Sr. Schauble quanto ao problema que na óptica de sua excelência a zona euro enfrenta – o endividamento. Como vimos, isso não é verdade, a não ser para a Grécia. Para Portugal isso será verdade, mas apenas em parte: o problema português não está no endividamento – está na falta de crescimento. O endividamento é a consequência directa da ausência de crescimento. Ora, para se solucionarem os problemas, combatem-se directamente as causas, não os seus efeitos. Anulando-se a causa, eliminam-se os efeitos.
Porque Portugal estagnou uma década inteira, com um crescimento económico anémico, o país sobrefinanciou-se nos mercados. Porque não crescia o suficiente para manter o seu estilo de vida, o país endividou-se. Mas note-se: o endividamento não é exclusivamente público: o endividamento privado é bem mais grave do que o endividamento público e, no entanto, ninguém fala dele. Quando o faz, a imprensa logo atira as culpas para cima dos mutuantes – pretendiam habitação, pretendiam o recheio da habitação, pretendiam carro, pretendiam tudo. Mas então e os bancos, excelências? Esses mesmos que agora sufocam a economia com as suas apertadas restrições no acesso ao crédito? Os bancos não sabiam perfeitamente dos riscos que corriam ao concederem este tipo de empréstimos? A ganância reparte-se em igual medida entre os dois – mutuantes e mutuários.
Mas voltando ao que estávamos a dizer – porque é o que o endividamento não é o principal problema de Portugal: façamos uma análise comparatistica. Bélgica: dívida pública de 120% do PIB. E, no entanto, os mercados não pressionam as taxas de juro das obrigações belgas. Porquê? Porque a Bélgica cresce. Em sentido inverso: a Itália. A Itália tem um nível de dívida pública semelhante ao da Bélgica, mas os mercados pressionam como nunca as obrigações italianas. Qual é a diferença? A Itália não cresce e os seus responsáveis políticos não são capazes de seriamente se comprometer com uma responsabilidade orçamental a médio longo prazo.
Por aqui bem se vê que a actual política seguida pelos responsáveis políticos europeus está errada: austeridade só não chega. Responsabilidade orçamental sim, mas a médio prazo, e conjugada com uma política de crescimento da economia.
Mas só isto também não chega: é necessário que os líderes europeus se apercebam claramente das tremendas dimensões desta crise sistémica. Exemplo: o Reino Unido. O Reino Unido tem um dos mais elevados défices públicos da União Europeia e a sua dívida pública é também elevada. E todavia, as taxas das obrigações do Reino Unido nunca estiveram tão baixas. Porquê? Porque o Reino Unido tem moeda própria e não faz parte da zona euro; depois porque o Governo do Sr. Cameron tem, de facto, seguido uma forte política de contenção e restrição orçamental. No entanto, o Reino Unido tem o seu próprio Banco Central que não é uma entidade frágil como o BCE: o seu Banco Central pode facilmente adquirir a dívida do Reino Unido com dinheiro recém-criado sem que a sua política seja fortemente criticada como vem sendo a do BCE e que recentemente levou à demissão do Sr. Stark. Mas mais: ao contrário de uma decisão que se revelou desastrosa do BCE, o Banco de Inglaterra mantém as suas taxas de juro perto do zero. Inflação? Que se lixe a inflação com a economia neste estado! O que acham V. Exas. mais gravoso – a inflação ou a bancarrota de uma série de Estados?
O que pretendemos dizer é que a crise da zona euro é uma crise sistémica porque neste momento abrange países que valem um cerca de um terço da economia da zona euro. A ausência de uma resposta firme e cabal permitiu que a crise se alastrasse da periferia para o centro e a cada dia que passa o preço do resgate da zona euro é cada vez mais caro e cada vez menos provável.
Dito isto: todos sabemos o que se passa na Grécia. Porque os governantes europeus (que para todos os efeitos asseguram a nossa solvabilidade) apenas vêem no endividamento o cancro da zona euro, Portugal não tem outra alternativa senão cumprir escrupulosamente o memorando da troika sob pena de se tornar insolvente. Como Portugal não tem acesso aos mercados em condições sustentáveis, essa seria a consequência directa do incumprimento do programa. Porque sejamos claros: no actual estado de coisas, parece que os políticos europeus vêem de bons olhos que o pecador pague pelos seus pecados, mesmo que isso encaminhe a Europa e com ela o Mundo, para uma recessão profunda.
Atentas as exigentes metas de consolidação orçamental que nos são impostas, resta-nos pouca margem de manobra para pôr em prática um conjunto de medidas: seja porque elas implicam um aumento da despesa ou uma diminuição da receita e assim, logo ficam irreversivelmente comprometidas as metas de consolidação orçamental. A descida da TSU, por exemplo, não pode ser feita senão à custa de uma compensação no aumento de receita através do IVA para compensar a perda de receitas da Segurança Social. E ainda assim, a redução da TSU seria marginal. Isso não impede, porém, o Governo de reflectir e pensar, desde já, num plano estratégico de crescimento da economia a colocar em prática e em execução em breve. Mas sobre isso falaremos numa próxima oportunidade.
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