Os responsáveis europeus apressam-se a negar a possibilidade de uma recessão no futuro próximo da Europa. Os responsáveis europeus falam, a realidade trata de os desmentir. É um padrão lógico e coerente de acontecimentos que vem ininterruptamente sucedendo desde há mais de um ano. No dia de ontem, o Eurostat divulgou os dados estatísticos relativos ao crescimento da zona euro no 2.º trimestre. Segundo o Eurostat, o PIB da zona euro cresceu 1,6% face ao mesmo período do ano anterior, abaixo das previsões iniciais de 1,7%. Não é este o dado mais relevante: o que o Eurostat confirma é que a zona euro cresceu 0,2% neste 2.º trimestre face ao 1.º trimestre – ou seja, estagnação e limiar da recessão. Mas mais: qual é o factor que está na origem deste abrandamento? Nada mais, nada menos do que a retracção do consumo privado. Parece óbvio o que está, por sua vez, na origem da retracção do consumo privado: o sufoco da economia com sucessivas medidas de austeridade cegas. Conclusão: meus amigos, comecem a pensar noutra coisa que isto não está a resultar.
Exemplo concreto: há pouco mais de um ano atrás, a Grécia solicitou um pedido de ajuda externa face à sua incapacidade de se financiar nos mercados em condições sustentáveis. Nessa altura, a taxa de juro das obrigações gregas situava-se nos 12%; hoje, decorrido um ano e um programa de assistência internacional e a iminência de um outro, os juros gregos estão acima dos 50% no prazo a 10 anos, e superam os 80% a 2 anos. Nova conclusão: meus amigos, comecem a pensar noutra coisa que isto não está a resultar.
No entanto nem perante as evidências que aqui expomos suportadas na cruel frieza dos números, os cegos defensores da via austeridade desarmam: segunda-feira, o orgulhoso e casmurro Sr. Schauble, assinava um artigo no Financial Times intitulado «Austeridade é a única cura para a zona euro» (aqui disponível no Diário Económico). É graças a este tipo de declarações estrondosas conjugadas com a divulgação de cenários económicos modestos que os mercados reagem, curiosamente, desta forma – caem. Ontem, Wall Street caiu 2%; Milão, 3%; Madrid, 2%.
Diz o Sr. Schauble: «Independentemente do papel desempenhado pelos mercados na catalisação da crise da dívida soberana na zona euro, é um facto incontornável que o excesso de despesa estatal gerou níveis de endividamento insustentáveis e défices. Aumentar agora o endividamento vai pôr em perigo o crescimento a longo prazo. Os governos não devem apenas comprometer-se com a consolidação orçamental e o aumento da competitividade - devem avançar imediatamente nesse caminho.»
O Sr. Schauble está, porém, ligeiramente equivocado ou parcialmente correcto. Sejamos claros: existe um problema de endividamento que necessita de ser controlado, mas tomá-lo como o único problema é errado. Dito isto, vejamos – a Irlanda. A Irlanda tem um défice público elevado, tal como um elevado endividamento. Mas não chega dizer isto: é necessário saber as causas desse endividamento. E a resposta é que o problema da Irlanda esteve e está no sistema bancário e na falta de regulação que obrigou o Estado a abrir a torneira e a jorrar dinheiro sobre o sistema bancário sob pena dele falir. Não se pode dizer que a Irlanda viveu acima das possibilidades pois as suas debilidades resultam do sistema bancário e foi tão só em função deste problema que o défice e a dívida pública cresceram. O que não se pode dizer é que há aqui um problema endémico de endividamento.
Mas mais, Excelência: veja V. Ex.ª a Espanha. A Espanha tem um dos mais elevados défices públicos, mas o seu endividamento está abaixo da média da zona euro – abaixo de V. Ex.ª, por exemplo, o que certamente o fará corar de vergonha. E, no entanto, os mercados pressionam as obrigações espanholas. Porquê? Porque a sua economia estava assente sobre o sector imobiliário que, como sabemos, colapsou com a crise imobiliária de 2008. Logo, a economia espanhola ficou sem a sua força motriz. O governo espanhol para evitar uma recessão profunda da sua economia, optou por uma política económica expansionista e estimulou economia, alargando, desse modo, o défice. O endividamento, porém, permanece sustentável. Claro que senão houver crescimento, a situação poderá tornar-se menos sustentável, mas esse é um argumento que joga contra V. Ex.ª e que não colhe a seu favor. O seu problema reside, pois, numa economia assente num sector imobiliário ainda frágil e numa taxa de desemprego de 20% que resulta da falta de competitividade do mercado laboral e da rigidez das suas leis. Não falaremos agora do caso português porque, patrioticamente, merecerá uma reflexão à parte.
Apenas a Grécia, Excelência, tem um problema estrutural: 8,6% do PIB de défice público segundo as previsões mais recentes e o tal problema de endividamento de 160% do PIB que, esse sim, parece fora de controlo. Mas note, Excelência, a sua pretensa cura que V. Ex.ª reputa como única não está a ajudar o paciente: está a matá-lo lentamente, mas fatalmente. Pelo que seria conveniente que Sua Excelência reconsiderasse os fundamentos da sua posição e suportasse-a na análise dos factos e não no domínio das quimeras.
De sua excelência um prezado e humilde amigo.
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