Segundo noticia o Público, o Sr. Marinho e Pinto, bastonário da Ordem dos Advogados, recomenda a todos os portugueses como forma de retribuição terrena para com a mediocridade, o oportunismo e incompetência dos políticos portugueses, que os cidadãos, nas eleições legislativas a realizar no dia 5 de Junho, façam uma espécie de «greve à democracia», ao não votar.
Estranho não deixa de ser a finalidade desta greve. Segundo o Sr. Marinho e Pinto, ela destinar-se-ia a uma «refundação da República, sem velhos recursos a estereótipos revolucionários». Vejamos se compreendemos bem: V. Ex.ª pretende pegar naquele que é o estandarte da democracia – o voto, decretar-lhe greve e ao mesmo tempo refundar a República? Compreenderemos bem? V. Ex.ª pretende refundar a República e a Democracia, abolindo aquilo que a distingue dos regimes tiranos e autoritários? Ou melhor: V. Ex.ª, recusando as revoluções sanguinárias, sugere aos portugueses que façam greve ao meio pelo qual se estabelecem as mudanças em democracia, a forma pela qual o povo expressa de forma soberana a sua vontade, mas tudo isso como forma de refundar a República. Ora, se V. Ex.ª decreta a greve ao voto, o instrumento pelo qual se efectuam e concretizam as mudanças em democracia como quer V. Ex.ª que se faça a refundação? V. Ex.ª exclui a via democrática e ao mesmo tempo exclui a via revolucionária. Assim sendo, como se operará o processo que V. Ex.ª deseja? Compreendemos o seu silêncio, Sr. Dr. De maneira nenhuma, não é verdade? V. Ex.ª limitou-se a produzir uma declaraçãozinha oca e sem sentido, não é verdade?
De facto, com maior insistência vimos aflorando à costa portuguesa meia dúzia de tribunos popularuchos e demagogos que não são apenas exclusivos à restante Europa. Vimos a Sra. Le Pen na França ou o Sr. Wilders na Holanda, por exemplo. Em Portugal, não sendo um representante da extrema-direita, temos, no entanto, igualmente, um fala-barato na figura do Sr. Marinho e Pinto. Estas figuras, pelo lugar de destaque que ocupam na sociedade portuguesa, regularmente são forçadas a emitir opiniões sobre o Estado actual da sociedade portuguesa. O problema destas figuras é que têm, de facto, bastantes opiniões; ideias, no entanto, têm poucas. E é assim que aparecem produzindo estas declarações que são tristemente reproduzidas com destaque pela nossa imprensa na ânsia do rumor.
O Sr. Marinho e Pinto é Bastonário da Ordem dos Advogados. A Lei para o advogado é, usualmente, um instrumento importante, bem como para o Estado de Direito: é através dela que se assegura o respeito do Estado pela liberdade e os direitos dos indivíduos, impedindo o Estado de cometer arbítrios e caprichos para com os cidadãos. O voto, em democracia, é a figura pela qual os cidadãos expressam livremente o modo como desejam ver conduzidos os destinos do País, o modo pelo qual escolhem os representantes que serão a sua voz nas instituições políticas. O que acharia o Sr. Marinho e Pinto se o Estado decidisse fazer uma greve à Lei? Não era bonito, pois não, Sr. Doutor? O Sr. Marinho e Pinto, no entanto, um homem das leis, encabeçando a Ordem dos Advogados e, portanto, um dos pilares do Estado de Direito, considera o voto uma coisa desprezível e o instrumento ideal para que a Europa se aperceba da idiotice da nossa classe política. Seria através da greve às eleições – no entender do Sr. Marinho e Pinto - que a Europa olharia para a sem vergonhice de políticos que temos. Como se neste momento Portugal necessitasse de atrair ainda mais a atenção do resto da Europa com um conjunto de acontecimento surreais como um boicote às eleições em vez do regular funcionamento das instituições democráticas. E aqui remetemos V. Ex.ª para o Estatuto da Ordem dos Advogados que V. Ex.ª parece desconhecer. V. Ex.ª de acordo com o art. 5.º, n.º 1 do Estatuto é um representante da Ordem, certo? Certo. V. Ex.ª concede e isso nós registamos com apreço. Agora siga o nosso raciocínio: art. 3.º, alínea a), Excelência: lá consta que uma das atribuições da Ordem é defender o Estado de Direito! Oh, Excelência! Pois então o Dr. como representante da ordem anda por aí a apregoar que se faça greve a um dos pilares do Estado de Direito quando V. Ex.ª está estatutariamente vinculado a defendê-lo? Oh, Excelência! Não lhe fica bem, Doutor! V. Ex.ª a desancar na praça pública no Estado de Direito, aos pontapés!
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