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quarta-feira, 22 de junho de 2011

Da Democracia

As democracias são construídas para responder às ambições do povo, para que a sua vontade seja respeitada através dos seus representantes eleitos, forma pela qual se harmonizam o interesse individual e o interesse colectivo. Algures pelo caminho, o ideal perdeu-se: hoje, temos uma democracia que é uma mera sombra desse ideal. Há dias, o Sr. Paul Krugman, anunciava: os representantes do povo não governam para o povo, para o interesse colectivo: governam para os rentiers, para o interesse de uns quantos. Os representantes corromperam-se; e se os representantes do povo respondem, não perante o povo, mas perante grupos de interesse, podemos ter, com efeito, uma democracia – mas apenas na forma, não na substância. A actual democracia material carece de ideias e de dignidade; sem isso, não se distingue de um regime arbitrário, dominado pelos fortes, oprimindo os fracos. Às câmaras electivas falta-lhes tanto o génio, como a justiça; falta-lhes a influência fecunda pela qual possam conduzir o povo pela força e pela autoridade do seu exemplo; falta-lhes ser a instituição altiva na qual o povo se possa moralizar.
Em Portugal, os partidos sucedem-se revezadamente no poder; as ideias, no entanto, mantém-se as mesmas de há três décadas atrás. Os portugueses bocejam de tédio; não vêem na Política motivo de interesse; alheiam-se. Olham para o lado e vêem as outras nações europeias avançando, prosperando; e Portugal sempre o mesmo desde há uma década – continuamente estagnado. A vontade e a força popular afrouxa-se, torna-se passiva; a sociedade esteriliza-se, as forças vivas adormecem – não há dinâmica, tudo é inércia. Não existe iniciativa privada que puxe pelo País; todos esperam pelo Estado.
Não creio que estejamos numa daquelas eras que prenunciem tremendas movimentações na evolução das sociedades, mas a verdade é que os políticos se têm revelado incapazes de responder às ambições e às aspirações do povo. E quando os representantes do povo não se revelam à altura da missão que o povo lhes delega, o povo torna-se insatisfeito. Essa insatisfação pode demorar anos a amadurecer – foi o que aconteceu no Médio Oriente. Foi necessário esperar a conjugação necessária de factores que permitisse desencadear a revolução e o elemento fundamental que permitiu essa eclosão de liberdade foi o aparecimento de uma juventude educada, culta, enérgica e livre. Nenhum déspota a conseguiu parar; pode atrasá-la, mas não abafá-la. Nas democracias ocidentais a conjuntura é claramente diferente, mas os mesmos ventos de desarmonia entre o povo e os seus representantes. Mais uma vez, também aqui essa insatisfação poderá levar o seu tempo a sedimentar. Mas conjugados os factores, na altura certa ela eclodirá. E os actores políticos têm desprezado os ventos de mudança, têm negligenciado os protestos do povo. Certamente que esses protestos resultam da degradação das economias nacionais e da incapacidade dos políticos inverterem esse ciclo de uma forma definitiva e cabal. Decerto esses protestos resultam da fragilização da qualidade de vida dos cidadãos, da austeridade da tributação, do elevado desemprego, da ausência de uma perspectiva de futuro. Tudo isso é verdade – mas nada disso impede que se reconheça a existência de um problema de fundo – a qualidade da democracia. Mais uma vez – certamente que a qualidade não resulta apenas da valia dos representantes do povo; o próprio povo, os próprios cidadãos, pela sua intervenção, pela sua dinâmica, pelo seu inconformismo, pelo seu trabalho, pela sua cultura, pelo seu estudo, pelo seu interesse pela dignidade da causa pública são também responsáveis. Mas os actores políticos são sempre, em última instância, os executores das decisões e é sobre eles quem recai a última e a decisiva das responsabilidades.
O perigo para a verdadeira democracia material não virá, decerto, deste tipo de movimentos – eles são antes benéficos para a democracia (acontecimentos, no entanto, como os que sucederam no Parlamento da Catalunha são verdadeiramente condenáveis); os riscos virão antes de uns quantos demagogos populistas que, com o discurso político certo, poderão aproveitar-se do descontentamento popular, fortalecer os seus movimentos e implementá-los e enraizá-los solidamente junto das sociedades. Aos poucos, as suas ideias vão prosperando. Na Europa, é a emergência da extrema-direita. Foi o que sucedeu, por exemplo, nas recentes eleições legislativas finlandeses com o resultado alcançado pelo partido dos “Verdadeiros Finlandeses”. O mesmo sucede na Holanda; na França onde o Partido da Sra. Le Pen vai ganhando um apoio crescente; na Suécia onde, recentemente, se elegeram deputados para o Parlamento. Por todo o lado, lentamente, mas progressivamente, os movimentos de extrema-direita vão prosperando. Também nos Estados Unidos – é o Tea Party com o seu discurso radicalista.

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