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quinta-feira, 28 de julho de 2011

A Fome em África

O Corno de África é vítima de um sol impiedoso: nas duas últimas épocas de chuva, quase não houve precipitação. A próxima época de chuvas apenas será para Outubro. Até lá, a região está condenada à seca – e à fome. E mesmo que a chuva caia em Outubro será necessário que as plantações cresçam, que os frutos frutifiquem, que o gado se alimente. Demorará semanas para que as populações possam recolher os benefícios da agricultura.

Esta não é uma crise imprevisível e certamente não será a última. Não será a última porque a abordagem à resolução do problema da fome em África tem sido feita da forma errada: em vez de conferir meios aos pequenos proprietários para que estes se tornem auto-suficientes, as explorações agrícolas são entregues aos grandes proprietários que exportam as suas produções. Os bens agrícolas não são para matar a fome de quem verdadeiramente necessita. Exemplo: a Somália é o país mais afectado por esta crise e, no entanto, a Somália é um importante exportador de bens alimentares, nomeadamente de arroz e açúcar. Outro exemplo: a Etiópia. A China compra terras, as quais servem os propósitos de pequenas elites que depois as usam para exportar os bens aí produzidos, nada deixando para os mercados locais. O que os países mais ricos têm como política para África é actuar em caso de emergência, pressionados pela opinião pública, como estão a fazer agora, e tarde, deixando milhares de pessoas a morrer.


Reunidos no dia 25 de Julho em Roma, os Ministros da Agricultura dos 20 países mais ricos do Mundo rapidamente acordaram na ajuda de emergência ao Corno de África. Chega tarde a ajuda; e chegará novamente tarde dentro de meses se os problemas de fundo não forem debatidos. Daqui a um par de meses haverá nova reunião dos 20 países mais ricos do mundo, mas enganem-se os mais ingénuos: com a grave crise económica mundial que se vive, o debate será centrado nos problemas que Europa e Estados Unidos atravessam e o problema de África será novamente ignorado.


Estas crises são sistemáticas: as alterações climáticas, o aumento da população mundial, a subida do preço dos bens alimentares e logo temos nova crise de fome. A única forma de a combater verdadeiramente é actuar preventivamente, alterando a política de concessão de terras, atribuindo-a aos pequenos proprietários, dirigindo a produção para os mercados, tornando a população auto-suficiente. Depois, é preciso recorrer à técnica e à ciência: são necessárias melhores infra-estruturas de transportes, sistemas de irrigação mais adequados, culturas mais resistentes para fazer face às alterações climáticas, armazéns apropriados para o acondicionamento dos bens. Eis a maneira como resolver estas crises: dotar a população a população dos meios necessários para a combater. Ao actuar apenas em caso de emergência, a actuação dos países mais ricos lembra o bombeiro que chega para apagar o incêndio quando a casa está já consumida pelas chamas.


O tema da fome em África mereceu honras de capa no Le Monde de terça-feira. O editorial do conceituado Frankfurter Allgemeine Zeitung dava-lhe atenção. Em Portugal, enquanto passava os olhos no Jornal de Notícias de terça-feira, tudo o que vi foi mais uma imagem de uma criança com os olhos profundamente sulcados, largamente abertos, os ossos das costelas nitidamente visíveis, aconchegada no ventre materno, acompanhada de uma pequena legenda. E foi toda a atenção que a imprensa julgou que o assunto devia merecer. Uma notícia nas últimas páginas do jornal, a um canto, limitada a uma foto com uma legenda. As edições online do Público e do Expresso nada dizem sobre o assunto.


Todos sabemos da importância da imprensa e do jornalismo na qualidade das democracias: é a intervenção permanente do país na sua própria vida política, moral, religiosa, literária e industrial. Em Portugal, exceptuando um ou outro caso, a imprensa é fraca. Em nada esclarece os cidadãos, nada discute, nada debate, nada informa, em nada eleva as consciências: o seu jornalismo é intriguista e mesquinho, gira em torno das pequenas fofocas e não para as grandes causas. Os portugueses não se interessam pela vida pública, pelo sentimento moral, pelas causas elevadas. Na imprensa temos um dos motivos para esse abatimento: em nada a imprensa eleva as consciências, apenas as rebaixa e as avilta.

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