A mais bela, a mais pura e a mais duradoura glória literária de prosa da blogosfera

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sábado, 15 de outubro de 2011

Acerca do Orçamento de Estado para 2012

As exigentes e severas medidas anunciadas pelo Primeiro-Ministro, o Sr. Passos Coelho, são difíceis, mas inevitáveis se as mesmas forem imprescindíveis para o cumprimento das metas orçamentais acordadas no programa de reajustamento financeiro. O cumprimento das metas orçamentais e o respeito pelos compromissos internacionais assumidos é a única coisa que medeia entre Portugal e a sua declaração de insolvência. E qualquer declaração de insolvência comportará sacrifícios bem mais gravosos do que aqueles que foram anunciados.
Portugal está a expiar a sua culpa pelos pecados e excessos de muitos anos. Como consequência directa desses pecados e desses excessos, perdeu a sua soberania e a usa independência que neste momento se resume a obedecer aos ditames que lhe são impostos pelos seus credores. A principal missão do Governo é manter o Estado solvente e para manter o Estado solvente, porque não o pode fazer pelos seus meios, o Governo necessita do auxílio dos outros. Esse auxílio, porém, não surge sem custos e o Governo tem de se conformar e resignar com os custos exigidos por uma Europa sanguinolenta que no seu piedoso espírito de solidariedade, apenas deseja que os pecadores sangrem, mesmo que a Europa como um todo sangre com eles. É por isso que se as medidas cuja publicidade se conheceu na quinta-feira forem imprescindíveis para cumprir com as metas orçamentais e permitir que Portugal mantenha a sua solvência, o seu financiamento e o seu lugar no Euro – pois seja.
Mas isto não impede que se faça o debate e o escrutínio público. Ao demonstrar a sua tenacidade e o seu respeito pelo cumprimento das obrigações internacionais, o Governo não fica privado de demonstrar a insensatez do que lhe é pedido em troca da ajuda externa. Queremos dizer: não basta que os Estados-Membros reduzam as taxas de juro dos empréstimos concedidos aos países em dificuldade, tal como alargar os seus prazos de pagamento – é preciso que se aumente o tempo de exequibilidade dos programas de ajustamento para que o esforço de consolidação orçamental aconteça como é imperioso, mas que não se torne de tal maneira violento que agrave o mal que pretende remediar.
Mas neste aspecto, Portugal não é isento de culpas. Não é porque teve um Governo incompetente que não soube controlar a execução orçamental em 2010 nas vésperas da ajuda externa, quando já se sentiam fortemente os efeitos da crise de dívida pública, e não o soube fazer também quando essa ajuda se concretizou, continuando a ter as mãos untadas em banha para controlar as contas públicas. E Portugal tem ainda culpa porque tem um Governo inepto que, não obstante o seu estreito tempo de legislatura, ainda nada fez para que País altere a sua estrutura produtiva e competitiva.
Portugal olha para Norte, para a Irlanda e só pode corar de vergonha. Porque a Irlanda também sofreu uma alteração governativa no seu processo de reajustamento: caiu o Governo do Sr. Cowen, ergueu-se o Governo do Sr. Kenny. Mas nessa transição governativa nunca o controlo das contas públicas foi descurado e desprezado, não houve buracos, derrapagens, descontrolos, incontinências, surpresas, truques, desvios – a Irlanda, discretamente, lá foi cumprindo com aquilo que lhe é pedido, tem passado ao lado dos destaques dos jornais, excepto para merecer louvores elogiosos, e já vai crescer 1,2% este ano.
Entre Portugal e Irlanda existe um tremendo potencial competitivo a separar-nos: a Irlanda está entre os três países mais produtivos da EU; Portugal não está nos três últimos lugares, mas quase – está em sexto. Até por isto se vai vendo que a governação do Sr. Passos Coelho vai sendo uma nulidade: por exemplo, a decisão de permitir trinta minutos adicionais de trabalho diário não remunerado. Diminui os custos unitários de trabalho? Diminui, sim senhor. Aumenta a produtividade ou a falta dela que é um problema crónico de Portugal? Não aumenta, não senhor; aumenta a produção, mas não a produtividade que continua a ser um problema por solucionar. De resto, a única medida de estímulo à economia prevista no memorando de entendimento acaba agora de ser ostracizada.
Concluindo, o Governo tomou medidas importantes para o cumprimento das metas orçamentais que são o único modo de assegurarmos a nossa solvência e o nosso financiamento. Mas a acção do Governo não se pode limitar a isto – tomar aquelas medidas exige coragem, mas não exige inteligência. E a acção do Governo não se pode limitar a acções corajosas – o Governo deve ir procurando discretamente, off the record, dialogar com as instituições europeias para um alargamento do programa de ajustamento financeiro de modo a suavizar o esforço de consolidação orçamental que está a colocar em causa o crescimento económico do país, e não apenas no curto prazo. Prosseguindo por esta via, sem mais nada fazer, caminharemos para uma longa e penosa recessão por vários anos. E para o evitar, há que atalhar já o caminho do crescimento económico do futuro e avançar já com as reformas económicas estruturais que precisam de ser realizadas. E não me venham com essa treta de serem Governo há 120 dias: V. Exas. eram oposição antes de ser Governo e à oposição também se exige estudo, programa e ideias que se traduzam em acções concretas quando chegam ao Governo.

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