Já dizia o Sr. Eça de Queirós – em Portugal, importa-se tudo: filosofias, ideias, sistemas, teorias ou mulheres. Sua Excelência, o Sr. Ministro da Economia, o Sr. Álvaro Santos Pereira, honra essa velha e secular tradição portuguesa. Se desconhecemos a situação conjugal de sua excelência e, portanto, se o Sr. importou a sua mulher, sabemos porém, que V. Ex.ª decidiu importar uma velha ideia do Sr. Olivier Blanchard, economista-chefe do FMI – fazer de Portugal o destino de sonho dos reformados. Ouvindo os rumores de uma ideia vinda do outro lado do Atlântico chegando à ocidental praia lusitana, o Sr. Álvaro Santos Pereira assumiu uma postura parental e embalou essa ideia no seu colo e enterneceu-se com ela.
A partir de então, nunca mais V. Ex.ª largou aquela ideia e cismou em fazer de Portugal um destino preferencial para os reformados esbanjarem as suas reformas. A mim sempre me ensinaram: devemos reverenciar e louvar as ideias pelo seu mérito e pelo seu valor, nunca directamente as pessoas que as emitem ou que as produzem. E da ideia do Sr. Blanchard que V. Ex.ª tão reverentemente, tão submissamente adoptou, temos a tecer as seguintes considerações.
Como fonte geradora de riqueza conhecemos um instrumento – o trabalho. É através do trabalho que se aumente e se desenvolve a prosperidade, a produtividade, a competitividade e com elas a civilização e o progresso. V. Ex.ª pelo contrário, desafia esta nossa ideia. Ao pretender fazer de Portugal um destino para reformados, V. Ex.ª está a dizer-nos uma coisa que nós consideramos insultuosa – que a fonte geradora de riqueza da economia portuguesa é a ociosidade. Sim, excelência – a ociosidade. Porque julga V. Ex.ª que os reformados vêm para cá fazer o quê? Trabalhar? Não seja ingénuo e pueril, excelência. Os reformados vêm para cá descansar de uma vida árdua e cheia de trabalhos. O que eles menos desejam é aquilo que fizeram toda a vida – trabalhar. O reformado não vem, pois, produzir – vem descansar.
Ora, nós pessoalmente, temos algumas objecções a colocar a quem pretende fazer do descanso a fonte geradora de riqueza. A nós, excelência, porventura erroneamente, sempre nos ensinaram que é a indústria, o comércio, a cultura que geram riqueza. O instrumento pelo qual se exercem todas essas actividades é o trabalho, não o descanso, excelência. Isto foi o que nos transmitiram, excelência. Lamentavelmente, excelência, fomos educados cá em Portugal e foi isto que nos ensinaram. Por isso, é possível que estejamos enganados. Por algum acaso do destino, é possível que em Toronto, onde V. Ex.ª residia, se produza riqueza a partir do nada.
Enquanto V. Ex.ª range a sua cabeça a tentar fazer de Portugal um destino para reformados e um harém de ócios, mensalmente saem deste País milhares de jovens que vão dar o seu trabalho a outros países (idiotas, obviamente) que fazem do trabalho o motor da sua economia. Esses jovens saem porque V. Ex.ª está demasiado ocupado e compenetrado a espanar o País para receber condignamente os reformados, nada fazendo pela sua economia – não cria trabalhos, não diminui as falências, não aumenta a sua competitividade e não lhe institui o progresso.
Mas mais Excelência: para lhe mostrar que nós até gostamos dos estrangeiros, nós dizemos-lhe: venham de lá esses estrangeiros, mas os estrangeiros com o capital com o qual se medram as indústrias, o comércio e a cultura. Mas nem esses V. Ex.ª os deseja porque V. Ex.ª nada faz para tornar Portugal um destino competitivo atractivo para esses capitalistas – porque V. Ex.ª está com o crânio ocupado em fazer de Portugal um destino para reformados.
E não, excelência: não venha com essas balelas de privatizações e da abertura da economia portuguesa ao estrangeiro. Porque há privatizações e privatizações: há sectores da economia onde o Estado pode perfeitamente deixar de estar presente sem que daí resulte prejuízo para o bem público, outras em que V. Ex.ª sob o pretexto de despedaçar uma economia estatizada, vende o capital das nossas empresas públicas por tuta e meia e a outras empresas…públicas.
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