A mais bela, a mais pura e a mais duradoura glória literária de prosa da blogosfera

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domingo, 10 de abril de 2011

Confissões

Só vejo televisão duas breves vezes por dia. Uma, enquanto almoço, no restaurante mesmo ao lado do escritório, entre dois dedos de conversa e um prego no prato. Outra, quando chego a casa, já quando a tarde acabou e a noite está a começar. Mas, nos curtos intervalos de tempo em que olho para ela, só vejo e ouço falar na crise, no FMI que virá/vem/claro que vem para Portugal, em ratings, taxas de juro que disparam até ao infinito, na mãezinha má chamada Merkel que puxa bem as orelhas a Portugal, no que aconteceu/está a acontecer à Irlanda e à Grécia (medo!), de que vamos ser declarados insolventes, vamos todos para a bancarrota, vai ser o descalabro ou, se preferirem, o fim do Mundo.

Posto isto, nos ínfimos intervalos em que me permito a respirar, saio à rua e parece-me que o Homem continua a (sobre) viver. As esplanadas estão cheias e este Verão antecipado convida a sentar e a apreciar a paisagem entre um cafézinho de 60 cêntimos e um sorriso que lançamos quando vemos uma criança adorável que passeia com os seus pais, junto à praia. Temos praia, sol, montanhas, paisagens lindas e muito ar puro para respirar. A senhora da mercearia queixa-se da crise, mas até parece que esta lhe trouxe mais clientes, porque os supermercados dos cartões e das músicas venha cá não vendem fiado.

Não compramos tanto, compramos menos música, livros, comida e aquelas sandálias lindas vão ter de continuar na montra e não no meu armário. Fazemos contas até aos cêntimos para que, chegados ao fim do mês, ainda possa sobrar uns euritos para pôr no mealheiro. Arrendamos casa em vez de a comprarmos, andamos mais tempo com o mesmo carro e as férias já não são passadas em Santo Domingo ou em Varadero. O gasóleo sobe a olhos vistos e temos de andar mais a pé e de autocarro. Pelo menos, combatemos a celulite de graça e já não precisamos de nos enfiar nos caros ginásios. Mas olho para a minha cidade-aldeia, como carinhosamente lhe chamo, e vejo filas intermináveis de automóveis, todos os fins-de-semana, rumo à beira-mar para assolhar as roupas e as cabeças.

Tenho muitos conhecidos que continuarão a viver à custa dos paizinhos durante anos incontáveis, porque, de canudo na mão, não encontram (ou não querem?) emprego, estão à rasca. Levantam-se para almoçar e têm como companhia o resto do dia a televisão. Não abrem um jornal para ver os classificados e só procuram emprego na sua área, porque lavar escadas ou ir para uma caixa não é para eles, pessoas que se julgam no pedestal, mas que não são santos. E depois é vê-los ao fim-de-semana nos bares da moda, em todos os concertos e festivais e nas Stradivarius e Zaras que por aí abundam a comprar o vestidinho que disfarça a gordura acumulada de tantos dias no sofá.

Estamos mais pobres, trabalhamos mais, dormimos menos, ganhamos mal, mas temos o nosso fim-de-semana para fazermos caminhadas, temos as conversas com os amigos a propósito de tudo e de nada, temos o cheiro daquele que adormece a nosso lado e que nos faz sorrir, temos os bons resultados nos empregos, temos o bolo de chocolate da nossa mãe, temos aquela música preferida que nos faz dançar até à exaustão. Temos cada vez mais filmes e séries para ver, temos passeios para dar, temos jornais online gratuitos para ler, temos a Internet que nos mostra o Mundo e que nos tira as dúvidas.

Trabalhamos sempre a olhar para o relógio, chateamo-nos com as horas extras que temos de fazer e temos a acéfala de unhas sempre impecavelmente pintadas e voz esganiçada a querer lixar-nos a vida. Trememos de cada vez que pensamos que os amanhãs são incertos e que podemos ficar sem meios para sustentar os nossos investimentos. Pensamos duas, três, quatro vezes antes de nos atirarmos de cabeça e gastar dinheiro em alguma coisa. Mas depois continuamos a sorrir com o namorado que nos mata de elogios, com a irmã que traz o novo namorado a jantar a casa, com o novo caso da vizinha do lado.

E depois páro e penso: que cacofonia é esta, que histerismo é este que a televisão me traz? O futuro é uma incógnita? Vamos passar ainda por mais dificuldades? Temos menos dinheiro e mais medos? Os políticos amedrontam-nos com os seus terríveis prognósticos? Sim, sim, sim!

Todo o Mundo anuncia que Portugal vai eclipsar-se, mas ninguém nos tira as praias, o sol, os pratos do dia, o cheiro a pão e a café logo pela manhã, as esplanadas e os olhos daquele que amamos que olham os nossos.

Não é vulgaridade, é a realidade!

A vida está má, está! Até para os marqueses!

3 comentários:

Joana Costa disse...

Concordo concordo e concordo.

Continuas como sempre a mulher é boa em tudo. =D

BeijinhoO

Juaninha***

Joana Costa disse...

*como sempre a mulher que é boa em tudo. :D

Anda cá cima mulher.

Juaninha***

Leticia, a Marquesa disse...

Boa em tudo não, em quase tudo! Ahahahah.

Eu vou aí acima, não te apoquentes. O tempo é que escasseia... Mas prometo que quando aí for, te levo um pão-de-ló de comer e chorar literalmente por mais para compensar a minha ausência durante tanto tempo! ;)