Surpreendentemente e ao contrário do que a mais avisada prudência poderia sugerir, Lord Nelson no espaço de prosa que lhe é reservado optou, nas duas colunas de que dispõe, por verberar contra o Estado Social. A primeira vergastada não discutirei por não se tratar da versão do Estado Social com a qual concordo: a medida do Governo Regional dos Açores em compensar a perda de vencimento dos seus funcionários públicos não se destina a compensar os mesmos em função da característica da insularidade da região: destina-se exclusivamente a contornar a medida de redução dos salários dos funcionários públicos decretada pelo Governo. A insularidade das regiões autónomas é, de resto, já contemplada no sistema fiscal português ao nível do IVA, por exemplo. Pelo que tratar, como o Sr. Carlos César insinuou, estes funcionários que auferem um vencimento duas vezes e meia superior à média nacional como se de pobres proletários se tratassem é desprezar todos os portugueses com um salário inferior a este. Não me alongarei mais sobre esta questão dos Açores pois não é esse o propósito - o que queremos salientar é que este pedaço de prosa do Lord é já revelador de um estilo que se concretizou dois depois: e aí veio toda a ideologia neo-liberal em força. Desde terça-feira até quinta-feira Lord Nelson fervia por dentro porque nessa semana não bradara contra o Estado Social. E para Lord Nelson, uma semana sem bradar contra o Estado Social é um arrastar lento e penoso do tempo. De sorte que na quinta-feira, uma vez vergastado o Estado Social logo a restante semana de Lord Nelson se torna leve e feliz.
Atentemos nas palavras do Lord - «menos Estado, logo menor corrupção», sublinhadas, inclusive a negrito. Esta pequena frase parece inatacável, mas o Lord não escrutina os factos ou analisa-os segundo os seus parciais ditames. Reclamo, por isso, o direito ao contraditório. Lord Nelson fala em discricionariedade. Eis o que V. Ex.ª diz:
«se o âmbito em que puder haver discricionariedade do poder público for menor, também as possibilidades de influenciar essas decisões serão menores – menos Estado, menos corrupção».
Isto diz, com efeito, V. Ex.ª. Mas será mesmo assim? Ou não andará V. Ex.ª dissecando os factos segundo as suas conveniências? Os decisores públicos dentro da sua ampla margem de discricionariedade tendem sempre para a corrupção? E uma vez que assim o é, o melhor, pois então, é eliminar a decisão pública, eliminando a esfera de actuação do Estado. Nada mais simples – mas nada de mais errado. Lord Nelson usa de uma artimanha: passar do ponto A para o ponto B, concluindo C, mas tratando as premissas A e B, segundo o seu juízo e não segundo a realidade dos factos. Assim, para Lord Nelson: A. existe discricionariedade na Administração Pública e B. essa discricionariedade termina, frequentemente, em corrupção, C. logo, a solução para diminuir a corrupção é diminuir o Estado. Usando o contraditório, digo, pois, que tenho uma opinião distinta: a discricionariedade na Administração Pública não é uma discricionariedade total, mas sim uma discricionariedade vinculada: e vinculada aos princípios gerais de Direito Administrativo e a um valor fundamental do Estado Social de Direito: o interesse público. V. Ex.ª poderá arguir que o interesse público é um valor vago e indeterminado. Pois assim o é, com efeito, o interesse público no intuito de se moldar ao caso concreto, segundo as circunstâncias concretas, não comportando senão uma visão abrangente. Mas se há coisa que o interesse público não é, é ser totalmente discricionário. Logo, o Estado quando decide, nunca decide discricionariamente, mas sim vinculado ao interesse público. Isto não invalida uma coisa que V. Ex.ª não diz, mas creio que pensa: é que o interesse público, hoje em dia, em Portugal serve apenas para ser espezinhado. Mas este problema não decorre da dimensão, antes advém das pessoas que formam o Estado. E aqui não falamos do Estado-comunidade, no sentido das pessoas que formam o Estado, mas do Estado político que guarda sempre um certo distanciamento da sociedade civil e que dela se distingue. E nesse caso eu direi: Portugal tem um problema no seu Estado Político, não de dimensão, mas sim de ética. Reafirmo que o Estado Social necessita de reformas, tal como o Progresso das Civilizações sempre o exigirá. O que V. Ex.ª pretende, no entanto, não é o Progresso das Civilizações – é um retrocesso temporal e civilizacional aos tempos do século XIX, aos tempos do Estado Liberal. O que V. Ex.ª sugere para cura das enfermidades portuguesas é um remédio que se desmoronou no século passado para curar a doença que V. Ex.ª diz que hoje temos. Mas, e regressando ao nosso problema, a falta de ética do Estado: será então ela um problema da dimensão do Estado? Não o é necessariamente: Lord Nelson transpõe um vicio da integridade moral e ética das pessoas para um vicio do Estado. Ora, eu direi, tomando o brocardo de Lord Nelson: mais ética, melhor Estado. Em lugar do compadre partidário escolha-se o homem honesto e trabalhador, em lugar do fraco escolha-se o forte, em lugar do vicio escolha-se a virtude, em lugar da lisonja escolha-se a integridade, em lugar da adulação escolha-se a independência, em lugar do interesse próprio escolha-se o interesse público. Este sim é o problema da corrupção em Portugal.
Atentemos nas palavras do Lord - «menos Estado, logo menor corrupção», sublinhadas, inclusive a negrito. Esta pequena frase parece inatacável, mas o Lord não escrutina os factos ou analisa-os segundo os seus parciais ditames. Reclamo, por isso, o direito ao contraditório. Lord Nelson fala em discricionariedade. Eis o que V. Ex.ª diz:
«se o âmbito em que puder haver discricionariedade do poder público for menor, também as possibilidades de influenciar essas decisões serão menores – menos Estado, menos corrupção».
Isto diz, com efeito, V. Ex.ª. Mas será mesmo assim? Ou não andará V. Ex.ª dissecando os factos segundo as suas conveniências? Os decisores públicos dentro da sua ampla margem de discricionariedade tendem sempre para a corrupção? E uma vez que assim o é, o melhor, pois então, é eliminar a decisão pública, eliminando a esfera de actuação do Estado. Nada mais simples – mas nada de mais errado. Lord Nelson usa de uma artimanha: passar do ponto A para o ponto B, concluindo C, mas tratando as premissas A e B, segundo o seu juízo e não segundo a realidade dos factos. Assim, para Lord Nelson: A. existe discricionariedade na Administração Pública e B. essa discricionariedade termina, frequentemente, em corrupção, C. logo, a solução para diminuir a corrupção é diminuir o Estado. Usando o contraditório, digo, pois, que tenho uma opinião distinta: a discricionariedade na Administração Pública não é uma discricionariedade total, mas sim uma discricionariedade vinculada: e vinculada aos princípios gerais de Direito Administrativo e a um valor fundamental do Estado Social de Direito: o interesse público. V. Ex.ª poderá arguir que o interesse público é um valor vago e indeterminado. Pois assim o é, com efeito, o interesse público no intuito de se moldar ao caso concreto, segundo as circunstâncias concretas, não comportando senão uma visão abrangente. Mas se há coisa que o interesse público não é, é ser totalmente discricionário. Logo, o Estado quando decide, nunca decide discricionariamente, mas sim vinculado ao interesse público. Isto não invalida uma coisa que V. Ex.ª não diz, mas creio que pensa: é que o interesse público, hoje em dia, em Portugal serve apenas para ser espezinhado. Mas este problema não decorre da dimensão, antes advém das pessoas que formam o Estado. E aqui não falamos do Estado-comunidade, no sentido das pessoas que formam o Estado, mas do Estado político que guarda sempre um certo distanciamento da sociedade civil e que dela se distingue. E nesse caso eu direi: Portugal tem um problema no seu Estado Político, não de dimensão, mas sim de ética. Reafirmo que o Estado Social necessita de reformas, tal como o Progresso das Civilizações sempre o exigirá. O que V. Ex.ª pretende, no entanto, não é o Progresso das Civilizações – é um retrocesso temporal e civilizacional aos tempos do século XIX, aos tempos do Estado Liberal. O que V. Ex.ª sugere para cura das enfermidades portuguesas é um remédio que se desmoronou no século passado para curar a doença que V. Ex.ª diz que hoje temos. Mas, e regressando ao nosso problema, a falta de ética do Estado: será então ela um problema da dimensão do Estado? Não o é necessariamente: Lord Nelson transpõe um vicio da integridade moral e ética das pessoas para um vicio do Estado. Ora, eu direi, tomando o brocardo de Lord Nelson: mais ética, melhor Estado. Em lugar do compadre partidário escolha-se o homem honesto e trabalhador, em lugar do fraco escolha-se o forte, em lugar do vicio escolha-se a virtude, em lugar da lisonja escolha-se a integridade, em lugar da adulação escolha-se a independência, em lugar do interesse próprio escolha-se o interesse público. Este sim é o problema da corrupção em Portugal.
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