A mais bela, a mais pura e a mais duradoura glória literária de prosa da blogosfera

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domingo, 5 de dezembro de 2010

Quero ser juíza!

Era esta a resposta que eu retorquia, desde os meus dez anos, a quem teimava em me perguntar: "O que é que queres ser quando fores grande?". Hoje, não estou tão certa.

A crise atravessa todos os sectores, incluindo o da justiça e até os próprios juízes e os procuradores estão a ser afectados. A proposta de Orçamento de Estado contém alterações que vão atingir profundamente estes profissionais. Mais tempo de serviço, reformas mais baixas, alteração do designado subsídio de residência, modificações nos regimes fiscais e redução dos valores pagos a magistrados em regime de acumulação são algumas das grandes mutações.

Até ao momento presente, os magistrados podiam aposentar-se com trinta e seis anos de serviço e sessenta anos de idade, mas pretende-se agora aumentar gradualmente este tempo, até 2014, para os quarenta anos. A fórmula de cálculo das suas reformas também vão ser modificadas, tendo agora por base os montantes deduzidos de contribuições para a Caixa Geral de Aposentações.

Os magistrados recebiam também um subsídio de compensação para fazer face às suas despesas com a sua colocação em comarcas bastante distantes das suas residências: o designado subsídio de residência e de fixação. Este, na proposta orçamental a ser submetida à aprovação do Parlamento, vai ser extinto e substituído por um suplemento de disponibilidade cujo valor não é especificado na referida proposta, mas que será tributado em sede de IRS quanto ao montante que excede o valor do IAS (actualmente fixado em € 419,22).

Mas há mais, muito mais. Os magistrados em regime de acumulação, isto é, aqueles que, dada a falta de magistrados, têm de fazer serviço em mais do que uma comarca, vão ver o seu salário reduido e fixado um tecto de 25% do seu vencimento em termos de remuneração por esta acumulação, quando, até à data, a remuneração da acumulação podia ir até à totalidade do seu salário.

Ademais, se esta proposta orçamental for avante, surgirá uma norma que consagra a sujeição de todos os rendimentos dos magistrados, incluindo as chamadas ajudas de custo, ao regime geral fiscal. Fica igualmente vedada para 2011 qualquer promoção ou abertura de concursos curriculares.

Como se tudo isto não fosse suficiente, os magistrados vão ver ainda os seus salários sofrerem um corte drástico. Esta proposta prevê em exclusivo para estes profissionais uma redução líquida global do rendimento superior a 10%. Note-se que os juízes e procuradores no topo da carreira que actualmente auferem cerca de € 6130 de salário bruto, irão ficar com menos € 750. No contrapólo, os magistrados em início de carreira, com um salário ilíquido de € 2550, verão este ser reduzido mais de € 300.

Com estas reformas profundas nesta classe profissional, o Governo estima, em 2011, uma poupança que ronda os 28 milhões de euros. Explica também que este elenco de medidas urge dada a necessidade de redução das despesas e de aumento da receita. Todavia, é importante atendermos ao facto de o Governo sentir ainda que tem algo mais para justificar, porquanto acrescenta que a proposta de lei orçamental garante plenamente a separação de poderes e a independência dos magistrados, com total respeito pela Constituição da Republica Portuguesa.

Caríssimos, de todo. Os juízes já afirmaram, através de uma deliberação do Conselho Geral da ASJP (Associação Sindical dos Juízes Portugueses) que compreendem que o país se encontre numa difícil situação e que a necessidade de corrigir o défice acarreta sacrifícios importantes para os portugueses e exige de todos um enorme sentido patriótico de responsabilidade e de solidariedade. No entanto, argumenta-se, estes ditos sacrifícios não estão a ser impostos de forma igualitária e justa, uma vez que estão a ser impingidos a uma classe que representa apenas 4,5% da população portuguesa, ao invés de serem impostos a todos os portugueses, por via fiscal, conforme as regras da progressividade dos impostos sobre o rendimento, como seja, quem ganha mais, paga mais; quem ganha menos, paga menos; quem nada ganha, nada paga. Os juízes não aceitam e bem esta discriminação negativa de que estão a ser alvo, sobretudo quando estas medidas foram tomadas sem qualquer tipo de audição das suas associações sindicais.

Se é facto notório que a remuneração dos magistrados é, em toda a Europa, superior à média salarial, isto deve-se, como se assinala num dos últimos relatórios do Conselho da Europa, a uma necessidade de se proteger o princípio da independência do sistema judiciário, estando os salários dos magistrados conformes ao seu estatuto e responsabilidade. E, como bem sublinha o Sr. Dr. Juiz Moura Lopes, contrariamente ao que sucede na maioria dos países europeus, em Portugal, a exclusividade dos juízes é absoluta, não podendo os magistrados dar aulas ou exercer actividades de consultadoria.

Mais uma vez, o Governo tem uma atitude persecutória quanto a estes profissionais do Direito. Porquê, interrogo-me eu. A resposta é evidente. A atitude não.

A vida está má, está! Até para os marqueses!...

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