A mais bela, a mais pura e a mais duradoura glória literária de prosa da blogosfera

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quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

A Reforma da Reforma

Caríssimo leitor,
Porventura vossa excelência saberá que o Governo pretende rever o Código Penal e o Código de Processo Penal? O estimado leitor está ciente de que o ano corrente é o ano da Graça de 2010. O bondoso leitor saberá, ainda, que os ditos Códigos foram alterados em 2007. Segundo os nossos cálculos, decorreram 2 anos desde essa Reforma.
Caro leitor, O Opinador de Veludo, labrego e imbecil, diligentemente foi procurar no Dicionário o significado da palavra reforma. Para nosso espanto, o resultado é o que se descreve: mudança para melhor, melhoramento, conserto. A nossa visão estaria, turvamente, a trair-nos. Relemos a dita definição e...eis que não! Os nossos olhos não nos haviam traído. Trémulos e pálidos devolvemos o Dicionário à treva da ignorância. Mudança para melhor? Melhoramento? Conserto? Ao Dicionário oferecemos uma risadinha altiva de desprezo. Neste belo recanto do mapa-múndi as reformas seguem um método diferente que passaremos a explicar ao leitor mais desatento. Em primeiro lugar, numa tarde de Estio, o Governo, esquecido e vago, nostálgico e entorpecido pela monotonia da vida portuguesa decide empreender uma Reforma. Em seguida, o Governo cria uma Comissão para avaliar o impacto das medidas da Reforma. Logo depois, normalmente num curtíssimo espaço de tempo, essa mesma Comissão chega à conclusão que a Reforma foi patética e cómica. Por fim, opera-se uma nova Reforma para reformar a anterior Reforma. Após um árduo e intenso estudo, a Comissão opta pela Reforma anterior á Reforma em vigor e que fora entretanto reformada pela Reforma corrente. Confuso, caro leitor? Pois bem, O Opinador de Veludo também considera este procedimento algo complexo mas é aquele que Portugal tem, sucessivamente, seguido e, por isso terá, seguramente os seus méritos.
Estimado leitor, a moribunda Reforma ainda em vigor é o belo resultado de algo que viola uma das mais simples características da norma jurídica. Não pretendemos enfastiar o leitor com os meandros tenebrosos do mundo jurídico, mas tal desventura é necessária. A norma jurídica é, em princípio, geral e abstracta. Somente em princípio, pois o Mestre Rui Pereira, actual Ministro da Administração Interna, que presidiu à dita Reforma, admiravelmente, subtraiu-a desta característica básica.
Segundo Baptista Machado, "geral é o preceito que, por natureza, se dirige a uma generalidade mais ou menos ampla de destinatários". Ainda segundo o mesmo autor, "diz-se abstracto o preceito que disciplina ou regula um número indeterminado de casos, uma categoria mais ou menos ampla de situações, e não casos, situações ou hipóteses determinadas, concreta ou particularmente visadas". Com certeza que o mesmo mal de que padecia o nosso Dicionário, tolhera o dito autor quando escrevera estas linhas.
O que o Mestre Rui Pereira fez foi, simplesmente, ignorar a generalidade da norma e aplicá-la individualmente aos arguidos do processo Casa Pia e desdenhar da abstracção da norma e aplicá-la casuisiticamente ao processo Casa Pia. O resultado é simples e aquele que se sucederá em breve: a Reforma da Reforma. A aplicação da prisão preventiva vai ser alargada, os prazos para investigar crimes graves e complexos vão ser estendidos, será possível deter suspeitos fora de flagrante delito, quando há risco de continuidade da actividade perigosa e o recurso ao processo sumário será alargado. Isto, previsivelmente, até cerca de 2 anos depois da entrada em vigor das alterações.
Por sua vez, sua imparcial e recta excelência, Alberto Martins, convocou o Conselho Consultivo da Justiça, sacudindo-o da poeira em que este se havia instalado pois nunca nenhum Ministro a ele havia recorrido, a fim de discutir as alterações necessárias. O Opinador de Veludo aplaude a perspicaz iniciativa. Com o contributo dos intervenientes na Justiça, os professores universitários, os advogados, os magistrados, talvez, ousadamente, esta Reforma venha a durar 3, quiçá, 4 anos.
Por seu lado, o laborioso Bastonário da OA, sua excelência Dr. Marinho Pinto, à entrada para a reunião, proferiu o seguinte comentário aos jornalistas presentes:
- A última reforma penal apresentou boas soluções, designadamente em matéria de segredo de justiça.
A vertente interna do segredo de Justiça deverá, no entanto, ser alterada.
Em seguida, o mesmo acrescentou:
- As corporações judiciais só aceitam as reformas quando estas satisfazem os seus interesses corporativos.
Malditos sindicatos culpados de todos os atrasos na justiça, dizemos nós, acompanhando o altruísta e amoroso Bastonário. Ao Dr. Marinho Pinto diremos ainda que o inquérito do caso Portucale, cuja acusação foi deduzida em 20 de Julho de 2007, continua adiado sine die, porque sua altruísta e amorosa excelência ainda não se pronunciou sobre o levantamento do sigilo profissional de uma advogada arrolada como testemunha pela defesa...Essa súcia das corporações judiciais, dizia ele...

1 comentário:

Helena disse...

Depois do Dr. Lebre de Freitas ter escrito a "Acção Executiva depois da reforma da reforma", parece-me que esta vai ser uma grande oportunidade para o Dr. Manuel da Costa Andrade repetir a proeza e escrever "Bruscamente nos Verões passados: as sucessivas reformas do Processo Penal". Que te parece? x)

P.S. É por este motivo que eu desisti de comprar códigos novos e aderi à moda dos papelinhos esvoaçantes :p