A mais bela, a mais pura e a mais duradoura glória literária de prosa da blogosfera

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sábado, 2 de janeiro de 2010

Um falhanço anunciado

Estimado leitor,
A crónica de hoje terá por tema a Educação. Com certeza, caro leitor. Da mesma forma que vossa excelência, O Opinador de Veludo não despreza um ligeiro sentimento de estremecimento quando escuta essa palavra madrasta. A esse respeito, reproduzimos apenas aquilo que Ramalho Ortigão e Eça de Queirós nos, oportunamente, legaram n'As Farpas: "A forte, a fecunda, a verdadeira lição não vem da autoridade dogmática dos mestres, vem do livre impulso dado ao espírito e dado ao carácter pela convivência dos condiscípulos e dos companheiros".
Na verdade, foi noticiado no decorrer desta semana que o Ministério da Educação (ME) e os Sindicatos ainda não chegaram a acordo no que concerne ao Estatuto da Carreira Docente (ECD) e ao novo modelo de avaliação dos professores. Nesta altura, o perspicaz leitor perguntar-se-á onde, exactamente, reside a verdadeira novidade nesta história? Caro leitor, interroga-se e interroga-se, acrescentemos, brilhantemente. Com efeito, eis uma história que, maliciosamente, à semelhança de outros lamaçais próprios desta altura invernosa do ano vêm obstruindo as sarjetas do País, que já de si atulhadas com a acumulação de outros detritos, irrompem à superfície desaguando no domicílio dos portugueses.
Em primeiro lugar, devemos apontar o nosso dedo acusador ao Governo. O atento leitor, por certo, não ignorará que a actual Ministra da Educação é Isabel Alçada. E quem é Isabel Alçada?Ora, é sobejamente conhecido que a dita senhora é, em conjunto com Ana Maria Magalhães, autora da colecção de livros "Uma Aventura" de cunho, essencialmente, juvenil. O leitor não queira mal interpretar as nossas palavras. O Opinador de Veludo nutre especial admiração pelos literatos. Quem ousará afirmar que, na sua puberdade, não se maravilhou com as aventuras misteriosas de Isabel Alçada e Ana Maria Magalhães? Ou dirá o leitor que nessa fase imberbe da sua vida se deixava seduzir, ao invés, pelos encantos do bigode finamente eriçado de Poirot? Em face deste raciocínio, à primeira vista, poderia pensar-se que Isabel Alçada dispõe de um perfil inato para desempenhar a função de Ministra da Educação. No entanto, carece de contextualização o exercício deste Ministério em Portugal. Nos tempos que correm, é profundamente documentado o carácter belicoso que assume a Educação em Portugal ao ponto d'O Opinador de Veludo questionar a utilidade da dispensa da fragata Álvares Cabral para combater a pirataria no golfo de Aden, na Somália em detrimento do seu uso na defesa da escola portuguesa. Munindo-nos da Constituição da República Portuguesa e socorrendo-nos do art. 18, face à conflitualidade dos valores em causa, a escolha parece-nos óbvia: os piratas somalis são verdadeiros cachorrinhos dúcteis quando comparados com a situação da Educação em Portugal. A aura nívea de brandura imaculada que cintila em Isabel Alçada é, claramente, incompatível com aquilo que se requer de uma Ministra da Educação em Portugal: o seu sorriso afável e terno, o olhar docemente maternal, os cabelos de tons doirados, a postura indulgente e delicada... Recordaremos a título meramente ilustrativo que, por exemplo, Manuela Ferreira Leite já ocupou essa pasta. O leitor que retire as devidas conclusões...
Caro leitor, atente nas palavras de João Dias da Silva, dirigente da FNE, na quarta-feira, após a tentativa falhada para se alcançar um acordo no que respeita ao ECD e ao modelo de avaliação:"O que é que terá acontecido?Falta de experiência negocial?Não sei e não vou clarificar isto. Vamos ver. O importante é resolver o problema dos professores." Resolver os problemas dos professores. Ora, na verdade, as mudanças propostas pelo ME no ECD e no sistema de avaliação dos professores foram, na sua essência, revistos de acordo com as reivindicações dos Sindicatos, nomeadamente a eliminação da divisão da carreira docente em duas categorias que, durante muito tempo, era um dos entraves à conclusão do acordo. Todavia, uma questão permanece: a questão das quotas. Os professores são uma das carreiras especiais da função pública com regras específicas para a avaliação e evolução na carreira. Para a maioria dos funcionários públicos, a avaliação e correspondente progressão na carreira é dependente de um sistema de quotas. Modestamente, as federações sindicais rejeitam liminarmente que este cenário seja aplicado aos professores, classe que, orgulhosamente, se distingue da restante massa inerte da administração, essa corja dos funcionários públicos. Anteriormente, os sindicatos, flexíveis e humildes, acusavam o Governo, inexorável e insolente, de intransigência nas negociações. Nós, acintosamente, questionamos agora que o Governo foi praticamente ao encontro das exigências dos Sindicatos, se não serão eles mesmos que se estão a demitir das suas funções limitando-se a defender um interesse estritamente e radicalmente corporativo de classe e não também o interesse geral do País?

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