A mais bela, a mais pura e a mais duradoura glória literária de prosa da blogosfera

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quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Um padre dos diabos

De quando em quando, a nossa mente que se pretende esclarecida e sã é assaltada pelo espanto e pela estupefacção. Com efeito, na manhã de segunda-feira, enquanto, pacatamente, relanceávamos os nossos olhos pelas páginas dos jornais fomos, de súbito, tomados de surpresa por uma notícia que nos pareceu absolutamente inversosímil. Eis o que o Sr. Tolentino de Nóbrega, correspondente do jornal Público na Madeira reporta: "É proibido falar de pobreza na Madeira". Este terrível juízo sustenta-se no facto da Diocese do Funchal, supostamente e alegadamente, ter dispensado o vigário geral da Sé, o cónego Manuel Martins, por pressões do Governo Regional da Madeira. Por pressões do Governo Regional da Madeira?! Pressões?! E ainda por cima do Governo Regional da Madeira?! Nunca! Jamais, pensamos nós. O nosso espírito abalou em veemente estrebuchamento, o nosso olhar era incrédulo, a sobrancelha franzida em descrença, a boca abertamente pasmada de assombro. O benevolente leitor queira compreender o nosso escândalo. Afinal de contas, não era esse mesmo Governo que, por altura das eleições legislativas, foi apontado como um referencial da Civilização e da Liberdade por contraposição com um Portugal Continental infecundo aos perfumados ares da Democracia e, portanto, sufocando,asfixiante, sob o jugo de uma vigorosa censura? Enquanto nós, os míseros continentais, embrutecidos e imbecilizados pelo ar pestilento que voga desde Valença a Faro, os madeirenses, de pulmão rico e viçoso, inspiravam e expiravam, requintadamente, os odores das mais belas flores de Jardim... Enquanto nós, os continentais, mortalmente condenados a asmas e bronquites, os madeirenses, sorvem, divinos, o éter que há nos mais altos céus.
Interroga-se, por esta altura, o leitor de que satânicos e tenebrosos assuntos terá falado o cónego para ter forçado o ponderado e avisado Governo Regional da Madeira, embutido de expiação, tocado da anuência divina pelo próprio Redentor, a ter tomado tal medida? Pois bem caro leitor, na verdade, o cónego Manuel Martins (Deus nos livre só de pronunciar tal nome) por ter diabolicamente mencionado assuntos invioláveis ao sacerdócio tais como a defesa das crianças (como ousa?!) e dos pobres (o atrevimento!) foi, suavemente, enxotado como se faz aos rafeiros, para outro recanto da Madeira para tomar novos ares. O Opinador de Veludo confessa também o seu espanto por ver um homem do clero macular-se em tais assuntos pois o seu hábito é serem religiosamente silenciosos nestas questões. A mesma surpresa deve ter tolhido Alberto João Jardim que face às homilias incómodas do cónego terá criado uma comissão para verificar se se tratava de algum comunista. Neste contexto, facilmente se entendem as declarações próprias de uma irreverente alcoviteira que toma as feições do gabinete de comunicação social da diocese do Funchal que saiu em defesa do bispo D. António Carrilho em resposta ao Padre Jardim Moreira que havia denunciado o caso. Citemos: "Devia meter-se (o Padre Jardim Moreira) mais na sua vida e não falar ou denunciar situações que desconhece porque está a leste do que aconteceu". O Opinador de Veludo, astuto e perspicaz, não ignorou o criativo e luminoso trocadilho feito pela dito Gabinete ao Padre Jardim Moreira e a sua subtil referência ao desconhecimento da situação do cónego. Nas palavras do Gabinete ele estaria a leste da situação associando, superiormente, a ignorância do Padre à Ideologia que caracterizou, durante certa fase do século passado, a Europa do Leste. Brilhante! E zeloso, igualmente. O talentoso Gabinete de Comunicação da Diocese não manifesta apenas a sua arte na área do trocadilho como se revela atento. Ciente da propalada sugestão de Alberto João Jardim de há uns tempos atrás banir o comunismo de Portugal o vemos velando, devoto e serviçal, à saúde democrática do povo madeirense.

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