Há umas semanas atrás tive de preparar uma escritura de compra e venda de um imóvel hipotecado, sem recurso a financiamento bancário.
Comecei por verificar as alternativas de que dispunha no concernente à elaboração da dita escritura. Podia optar por fazer a mesma num notário que, já com as devidas actualizações de propriedade do imóvel nas Finanças e na Conservatória do Registo Predial, iria cobrar a título de honorários cerca de € 750, no mínimo. Ou poderia recorrer a um Balcão Único designado "Casa Pronta", disponível nas Conservatórias do Registo Predial de todo o país, que concentra em si todas as questões relativas à compra e venda de imóveis, mormente a preparação e elaboração da escritura, liquidações de impostos e as subsequentes actualizações de registos de propriedade que, no caso em apreço, custaria € 325. Pensando sempre no mais elevado dos interesses dos clientes ("bom e barato"), lá acabei por optar pela segunda via. Pois bem, munida dos documentos de identificação dos respectivos vendedores e compradores e de uma minuta da escritura de compra e venda por mim elaborada, lá me dirigi à Conservatória mais próxima para agendar a escritura.
À partida, não iriam surgir complicações, uma vez que tudo o que está relacionado com compras e vendas de imóveis se concentra naquele serviço "Casa Pronta"; ademais, seria tudo muito mais célere e barato, pensei eu. Posto isto, qual não foi o meu espanto quando dei conta que a funcionária que me atendeu começou logo a colocar uma série de objecções ao agendamento da escritura. Em primeiro lugar, era necessário eu ir junto da Câmara Municipal do lugar do imóvel para obter a certidão da respectiva licença de habitabilidade (com um custo de € 30), porquanto tal era imprescindível para instruir a escritura. De seguida, deu conta de que eu ainda precisaria de apresentar o distrate da hipoteca constituída sobre o imóvel a favor do Banco, porque eles "não estavam para o contactar", tendo-me igualmente alertado para o facto da instituição bancária precisar de sempre, pelo menos, duas semanas para emitir o "papelinho de cancelamento da hipoteca" e de este ter um custo de € 50. Como se tudo isto ainda não bastasse para me fazer perder a cabeça, desde 01/01/2009 que é obrigatório apresentar o certificado energético sempre que se queira vender/arrendar um qualquer imóvel. "Mesmo que a casa esteja a cair, em completas ruínas?", perguntei eu. "Sim, mesmo nesses casos, sob pena de contra-ordenação", retorquiu-me a funcionária. "E a quem tenho de recorrer para obter então a devida certificação energética?", questionei. "Ai isso já não sei, deve ser tratado na Câmara ou na Junta, mas não sei!". E, pasme-se, ainda me disse: "E olhe, doutora, é melhor ser a doutora a tratar do pagamento dos impostos, porque aqui o sistema das Finanças não está a trabalhar muito bem e nós temos tido problemas com os cálculos.". Já com a paciência esgotada, interroguei-a: "Então mas não era suposto serem vocês a tratar de tudo o que fosse necessário para se celebrar compras e vendas de imóveis?". "Chinesices, doutora. É a mania de querer fazer parecer mais simples o que desde sempre foi e será complicado!".
Virei costas e, antes de regressar ao escritório, dirigi-me à Câmara não só para tentar obter a certidão da licença de habitabilidade, mas também obter mais informações sobre o tal Certificado Energético. "Tem de preencher um impresso e anexar a caderneta predial urbana e a descrição predial para conseguir a licença e olhe que isto aqui anda muito devagar, portanto vai demorar uns dias até ter a certidão da licença pronta", ouvi da boca da funcionária da Câmara. "E quanto à certificação energética, também a posso pedir aqui?". "Certificação energética? Mas está a falar de quê?". "Deus tenha misericórdia de mim", suspirei.
Com um ar sorumbático, regressei ao escritório e lá fui eu até à Internet em busca de mais informação a propósito do tal Certificado. Pois bem, são empresas privadas que o emitem, uma vez feita uma vistoria por um engenheiro ao imóvel, e cujo custo ascenderia aos € 400. "Maravilhoso!", pensei. "A Casa Pronta só podia ser obra do nosso "Primeiro"!". Contactei também o Banco em questão para poder obter o supra citado distrate hipotecário, ao que me responderam que teria de passar pessoalmente pela instituição bancária (que fica a km de distância do escritório!) e preencher mais um sem-número de impressos em nome do meu cliente tendo, portanto, de juntar procuração, e tendo ainda o Banco advertido para a necessidade das tais duas semanas para fazer os cálculos respectivos.
Dirigi-me ao Banco logo no dia seguinte e fiz o pedido. Contactei entretanto o engenheiro para ir fazer a certificação energética, tendo-me ele dito que estava com muito trabalho e que só teria vaga daí a um mês. Agendei logo com ele, de modo a conseguir a tal vaga. Uma semana mais tarde, fui à Câmara, não estando a certidão da licença ainda pronta. "Está lá para cima, a aguardar despacho!". "E quando estará pronta?" "Ai isso é sempre uma incógnita!". "Mas eu tenho de marcar a escritura e o meu cliente quer tudo resolvido antes do Natal!". "Ai não sei, não sei!". Passados uns dias, ligo para o Banco. "Ai isto está aqui pendente. Só podemos fazer todos os necessários cálculos depois de termos a data da escritura".
Duas semanas mais tarde fui novamente à Câmara e lá consegui a almejada certidão. Dirigi-me à Conservatória e agendei finalmente a escritura. Liguei para o Banco a dar conta da data e, mais uma vez, perguntei quanto tempo é que demorariam a fazer os cálculos, ressaltando o facto de o cliente querer saber o quanto antes o valor do montante hipotecário para poder preparar os seus dinheiros. "Não sei, não sei!". Pelos vistos, está na moda a expressão.
Apesar das minhas muitas interpelações antecedentes à escritura, o Banco, acreditem, só meu deu o montante em questão na véspera da escritura, no fim da tarde. E nesse mesmo dia ainda tive de ir às Finanças fazer as liquidações dos impostos, tendo esperado três infinitas horas, dado que só estavam dois funcionários para atender umas boas duas dezenas de pessoas.
Quando, no dia da escritura, o cliente me perguntou "Então, doutora, finalmente lá se fez o negócio! Isto agora com com a Casa Pronta e o Simplex é tudo muito mais fácil, não é?", eu sorri sobranceiramente, retorquindo um "se eu lhe dissesse que fui eu que tive de fazer a papinha toda, o senhor não acreditava, pois não?".
Não sei como é que este serviço funciona noutras Conservatórias, mas sei as semanas que passei à volta disto quando tudo aparentava ser tão fácil e eficiente. A "Casa Pronta" foi uma das muitas medidas contantes do "Simplex", tendo em vista alegadamente a simplificação e a desburocratização das compras e vendas de imóveis. "Mais rápido, mais simples e mais barato", nas palavras do Sr. Eng. José Sócrates, o grande impulsionador e responsável por este programa. Caríssimos, preciso de dizer mais alguma coisa?
A vida está má, está! Até para os marqueses!
Comecei por verificar as alternativas de que dispunha no concernente à elaboração da dita escritura. Podia optar por fazer a mesma num notário que, já com as devidas actualizações de propriedade do imóvel nas Finanças e na Conservatória do Registo Predial, iria cobrar a título de honorários cerca de € 750, no mínimo. Ou poderia recorrer a um Balcão Único designado "Casa Pronta", disponível nas Conservatórias do Registo Predial de todo o país, que concentra em si todas as questões relativas à compra e venda de imóveis, mormente a preparação e elaboração da escritura, liquidações de impostos e as subsequentes actualizações de registos de propriedade que, no caso em apreço, custaria € 325. Pensando sempre no mais elevado dos interesses dos clientes ("bom e barato"), lá acabei por optar pela segunda via. Pois bem, munida dos documentos de identificação dos respectivos vendedores e compradores e de uma minuta da escritura de compra e venda por mim elaborada, lá me dirigi à Conservatória mais próxima para agendar a escritura.
À partida, não iriam surgir complicações, uma vez que tudo o que está relacionado com compras e vendas de imóveis se concentra naquele serviço "Casa Pronta"; ademais, seria tudo muito mais célere e barato, pensei eu. Posto isto, qual não foi o meu espanto quando dei conta que a funcionária que me atendeu começou logo a colocar uma série de objecções ao agendamento da escritura. Em primeiro lugar, era necessário eu ir junto da Câmara Municipal do lugar do imóvel para obter a certidão da respectiva licença de habitabilidade (com um custo de € 30), porquanto tal era imprescindível para instruir a escritura. De seguida, deu conta de que eu ainda precisaria de apresentar o distrate da hipoteca constituída sobre o imóvel a favor do Banco, porque eles "não estavam para o contactar", tendo-me igualmente alertado para o facto da instituição bancária precisar de sempre, pelo menos, duas semanas para emitir o "papelinho de cancelamento da hipoteca" e de este ter um custo de € 50. Como se tudo isto ainda não bastasse para me fazer perder a cabeça, desde 01/01/2009 que é obrigatório apresentar o certificado energético sempre que se queira vender/arrendar um qualquer imóvel. "Mesmo que a casa esteja a cair, em completas ruínas?", perguntei eu. "Sim, mesmo nesses casos, sob pena de contra-ordenação", retorquiu-me a funcionária. "E a quem tenho de recorrer para obter então a devida certificação energética?", questionei. "Ai isso já não sei, deve ser tratado na Câmara ou na Junta, mas não sei!". E, pasme-se, ainda me disse: "E olhe, doutora, é melhor ser a doutora a tratar do pagamento dos impostos, porque aqui o sistema das Finanças não está a trabalhar muito bem e nós temos tido problemas com os cálculos.". Já com a paciência esgotada, interroguei-a: "Então mas não era suposto serem vocês a tratar de tudo o que fosse necessário para se celebrar compras e vendas de imóveis?". "Chinesices, doutora. É a mania de querer fazer parecer mais simples o que desde sempre foi e será complicado!".
Virei costas e, antes de regressar ao escritório, dirigi-me à Câmara não só para tentar obter a certidão da licença de habitabilidade, mas também obter mais informações sobre o tal Certificado Energético. "Tem de preencher um impresso e anexar a caderneta predial urbana e a descrição predial para conseguir a licença e olhe que isto aqui anda muito devagar, portanto vai demorar uns dias até ter a certidão da licença pronta", ouvi da boca da funcionária da Câmara. "E quanto à certificação energética, também a posso pedir aqui?". "Certificação energética? Mas está a falar de quê?". "Deus tenha misericórdia de mim", suspirei.
Com um ar sorumbático, regressei ao escritório e lá fui eu até à Internet em busca de mais informação a propósito do tal Certificado. Pois bem, são empresas privadas que o emitem, uma vez feita uma vistoria por um engenheiro ao imóvel, e cujo custo ascenderia aos € 400. "Maravilhoso!", pensei. "A Casa Pronta só podia ser obra do nosso "Primeiro"!". Contactei também o Banco em questão para poder obter o supra citado distrate hipotecário, ao que me responderam que teria de passar pessoalmente pela instituição bancária (que fica a km de distância do escritório!) e preencher mais um sem-número de impressos em nome do meu cliente tendo, portanto, de juntar procuração, e tendo ainda o Banco advertido para a necessidade das tais duas semanas para fazer os cálculos respectivos.
Dirigi-me ao Banco logo no dia seguinte e fiz o pedido. Contactei entretanto o engenheiro para ir fazer a certificação energética, tendo-me ele dito que estava com muito trabalho e que só teria vaga daí a um mês. Agendei logo com ele, de modo a conseguir a tal vaga. Uma semana mais tarde, fui à Câmara, não estando a certidão da licença ainda pronta. "Está lá para cima, a aguardar despacho!". "E quando estará pronta?" "Ai isso é sempre uma incógnita!". "Mas eu tenho de marcar a escritura e o meu cliente quer tudo resolvido antes do Natal!". "Ai não sei, não sei!". Passados uns dias, ligo para o Banco. "Ai isto está aqui pendente. Só podemos fazer todos os necessários cálculos depois de termos a data da escritura".
Duas semanas mais tarde fui novamente à Câmara e lá consegui a almejada certidão. Dirigi-me à Conservatória e agendei finalmente a escritura. Liguei para o Banco a dar conta da data e, mais uma vez, perguntei quanto tempo é que demorariam a fazer os cálculos, ressaltando o facto de o cliente querer saber o quanto antes o valor do montante hipotecário para poder preparar os seus dinheiros. "Não sei, não sei!". Pelos vistos, está na moda a expressão.
Apesar das minhas muitas interpelações antecedentes à escritura, o Banco, acreditem, só meu deu o montante em questão na véspera da escritura, no fim da tarde. E nesse mesmo dia ainda tive de ir às Finanças fazer as liquidações dos impostos, tendo esperado três infinitas horas, dado que só estavam dois funcionários para atender umas boas duas dezenas de pessoas.
Quando, no dia da escritura, o cliente me perguntou "Então, doutora, finalmente lá se fez o negócio! Isto agora com com a Casa Pronta e o Simplex é tudo muito mais fácil, não é?", eu sorri sobranceiramente, retorquindo um "se eu lhe dissesse que fui eu que tive de fazer a papinha toda, o senhor não acreditava, pois não?".
Não sei como é que este serviço funciona noutras Conservatórias, mas sei as semanas que passei à volta disto quando tudo aparentava ser tão fácil e eficiente. A "Casa Pronta" foi uma das muitas medidas contantes do "Simplex", tendo em vista alegadamente a simplificação e a desburocratização das compras e vendas de imóveis. "Mais rápido, mais simples e mais barato", nas palavras do Sr. Eng. José Sócrates, o grande impulsionador e responsável por este programa. Caríssimos, preciso de dizer mais alguma coisa?
A vida está má, está! Até para os marqueses!
2 comentários:
Como te percebo, cara amiga. Dias há em que me pergunto em que raio de país é que vivemos. Bom Natal. Cumprimentos ao teu pai.
Presumo que é Advogada e, como tal, opino - salvo o devido respeiti - que não fez os trabalhos de casa.....
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