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quarta-feira, 16 de março de 2011

Crise Política em Portugal?

A semana passada, o Governo Português apresentou o que a imprensa incorrectamente designou por «PEC4». Na verdade, este dito «PEC4» não constitui mais do que as grandes linhas orçamentais para 2012 que deverão ser apresentadas em Abril a Bruxelas por todos os Estados-membros da Zona Euro, depois de ano passado, na sequência da crise da zona euro, a União Europeia ter reforçado a coordenação orçamental entre os Estados. Este «PEC4», portanto, não é mais do que o respeito pelas regras europeias de coordenação orçamental dos Estados. É certo que a apresentação apenas tem lugar em Abril e não em Março como o Governo acabou por fazer, mas a antecipação da apresentação é bem compreensível: conciliar as decisões saídas do Conselho Europeu com o esforço de consolidação orçamental português de forma a reassegurar definitivamente os mercados para que isso se reflectisse nas taxas de juro da dívida pública portuguesa. Isso constituía inclusive, segundo se diz, uma exigência dos parceiros europeus, da Comissão e do BCE para que do Conselho resultassem decisões quanto ao reforço do FEEF e uma declaração conjunta de confiança no esforço de consolidação português.
O que não nos pareceu correcto foi o desprezo a que o Governo Português sentenciou os órgãos de soberania. É verdade que Bruxelas é cada vez mais importante para as decisões que se tomam em Portugal; é verdade que grande parte da nossa soberania está já alienada aos nossos credores; mas o Governo Português ainda é politicamente responsável perante a Assembleia da República; e ainda existe um poder moderador que controla a vida política portuguesa – o Presidente da República. A atitude do Governo português só pode ter uma intenção: hostilizar a Assembleia da República e o Presidente.
Imediatamente após o anúncio das linhas orçamentais para o próximo ano, logo o PSD levantou o espectro de uma crise política. O que o Governo anunciou, essencialmente, foi a recuperação da proposta da limitação das deduções fiscais (que deixara cair aquando da negociação do OE 2011 com o PSD) e o corte nas reformas superiores a €1500 de forma progressiva – à semelhança do que aconteceu este ano no corte da remuneração dos funcionários públicos.
Obviamente que o PSD, estrategicamente, se posiciona do lado do chumbo. Desde logo pelo conteúdo da proposta. A limitação das deduções fiscais foi liminarmente rejeitada aquando da discussão do OE 2011; já neste ano, o PSD sempre se demonstrou crítico com a imposição de novas medidas de austeridade, remetendo o sucesso da consolidação para um escrupuloso cumprimento do Orçamento, pelo qual o Governo era responsável. Pouca margem resta, pois, ao PSD para voltar atrás nas suas palavras sem suportar os devidos custos eleitorais de um recuo. Mas mais do que o conteúdo da proposta, a questão é sobretudo de oportunidade para o PSD. Como dissemos, este PEC representa a base daquilo que será o Orçamento do próximo ano. Manifestando concordância com o mesmo, ou abstendo-se, o PSD fica vinculado pela sua escolha agora, quando for necessário aprovar o OE para 2012 por uma questão de coerência. Não poderá rejeitar a posteriori aquilo com que concordou a priori. E assim se perde uma boa oportunidade para provocar a crise política que o PSD tão ansiosamente deseja. Por outro lado, aprovar estas medidas no Parlamento português será um sinal de confiança para os mercados que ajudará a aliviar a pressão dos juros da dívida pública portuguesa e afastar o espectro do FMI. Estará o PSD comprometido a esse nível? É que caso isso se verificasse, tal não poderia deixar de ser encarado como uma vitória do Governo. Provocar uma crise política nessa altura será perigoso para o PSD.
O Governo, por estes mesmos motivos, está também interessado numa situação de instabilidade política mas não em eleições antecipadas. Esta situação de instabilidade é favorável ao Governo porque permite deslocar o ónus de uma crise política para o PSD numa altura delicada para o País. Caso o PSD ceda, a estabilidade estará assegurada para os próximos tempos.
Mas e que tem o Presidente da República a dizer de toda esta situação? Ora, Sua Excelência declara que não tem nada a comunicar ao País. Sua Excelência, com efeito, já comunicou tudo ao País no discurso da sua tomada de posse. Sua Excelência, com efeito, que devia representar uma instituição que vela pelo interesse público provocou precisamente o efeito contrário. Se a magistratura activa for, de facto para isto, então faz V. Ex.ª bem em agir como agiu agora: calando-se.

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