A mais bela, a mais pura e a mais duradoura glória literária de prosa da blogosfera

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segunda-feira, 21 de março de 2011

Uma singela história de um bêbedo


Superadas as ânsias e acautelado o medo, o herói Alfredo salta da porta do seu lar vestido de Lycra e preparado para amar. Calcorreando as ruas da cidade, sob a luz alaranjada dos candeeiros luminosos, vai determinado em espalhar a magia condicente com o brilho radioso do seu acanhado traje, desfilando confiante e assobiando sinfonias.
Ultrapassada a mágoa do desastre e a dor da revolta, a sensação de solidão não sabe bem, amarga na boca. Então o aperaltado Alfredo desce as avenidas, procura o doce sabor da companhia. Baralhado com tanta purpurina e o tilintar estridente dos saltos no chão, a alma vazia de coração a latejar não consegue mais ver as damas em apuros, fica prestes a colapsar. Olha à sua volta, corre desenfreado, mata a sede com dois goles de uma má aguardente e pensa: És tu que já estiveste a ver melhor! Decide-se a procurar de novo, desta vez com renovada esperança, embora já com trôpegos passos e com algum peso na pança.
Adiantada meia-dúzia de copos, pensando alto demais para o seu habitual dolorido estado de apatia emocional, o herói da noite atenta, aparentemente, a mais formosa donzela daquele estrépito e acanhado espaço. Suando já em bica e tropeçando na própria existência, aproxima-se e chega-lhe ao ouvindo, forçando uma audição ruidosa num lugar pouco dado a conversas e expelindo o seu alcoólico bafo:
- Menina... Reparei que os seus delicados traços me fascinam. Arrancaria todas as flores do mais belo jardim do mundo apenas para a ver florir. Soar-lhe-ei tolo, alucinado e descompensado, mas na verdade apenas me sinto apaixonado.
Atarantada com a confissão e surpreendida pela erudição, a esguia moça assim ficou. Revirando-se em si mesma e fazendo esvoaçar altivamente os longos cabelos ondulados, deu as costas ao pobre coração embriagado.
Desfalcado de argumentos e abandonado de sobriedade, o herói bebeu mais três e, embora intermitente, voltava-lhe a confiança necessária novamente e, babadas, assim lhe saíram as palavras:
- Senhora. Estarei a ser inoportuno ao revelar-lhe tão nobre sentimento? Pois o que sinto por dentro será a maior pura das relíquias! Não verão nunca os teus olhos a pureza das minhas intenções?
Farta de ali estar, cansada pelo passar das horas e exasperada por tamanha inconveniência, a senhora, que mais de menina teria, rodou uma vez mais nos saltos dos seus sapatos e olhando-o de frente disse:
- Falas como um velho e estás a chatear-me! Se não te pões a mexer obrigas-me é a furar-te os olhos com os meus próprios dedos. Põe-te a andar bêbedo!
Atrás dele dois seguranças surgiram, com cara de poucos amigos e corpo a abarrotar pelas costuras das negras vestimentas. Atordoado pelas aparições o herói Alfredo apelou à paz, não queria sair a mal, embora a ajuda lhe conviesse já que os pés lhe falhavam o chão.
- Calma amigos... Calma... Eu vou já! Ajudem aqui se faz favor, que este vosso irmão já bebeu mais da conta.
Adiantada ia a madrugada quando, sozinho, abandonado e desprezado, o desbotado herói se arrastava pelas ruas à procura do caminho para casa. Nada ganhara e assim continuava. Outra noite viria e, o lustroso fato, decerto reapareceria.


3 comentários:

Street Fighting Man disse...

true story?

Street Fighting Man disse...

http://www.youtube.com/watch?v=dO6PzzkrLwQ

"So here’s to living life miserable
And here’s to all the lonely stories that I’ve told
Maybe drinking wine would validate my sorrow
Every man needs a muse
And mine could be the bottle"

M. Pompadour disse...

Certamente será, não sei. Esta saiu-me da cabeça simplesmente. :p