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quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Do poder espiritual

José Conceição é, por estes dias, um homem triste e decepcionado com a religião. Que motivos superiormente divinos e sagrados estarão na origem da desilusão do Sr. Conceição? A resposta vem do próprio, citando: “Nessa altura (13 de Maio, dia de Nossa Senhora de Fátima) há sempre magotes de gente a entrar, mas cada vez se compra menos. Levam só terços chineses a 50 cêntimos, um euro e pouco mais”.
E termina dizendo, pesadamente, olhando o céu com o olho turvo, e depois ao baixá-lo, novamente, riscando o chão com a ponta do pé, com mágoa, suspirando:
- O ano passado, então foi o pior.
José Conceição é um homem preocupado com a fé alheia. É, por isso, um verdadeiro católico. Não só se preocupa com a quantidade de terços que o fiel exibe enquanto se encontra a rezar, como também com a qualidade empregue nesses terços. Aos olhos do Sr. Conceição é óbvio que o terço de 15 euros exibe uma qualidade infinitamente superior para o acto da reza que permite uma comunhão intangivelmente superior com o respectivo Deus, atento ao preçário do terço do fiel que lhe roga. Torna-se, portanto, bastante claro a partir das palavras do Sr. Conceição que o bondoso Deus apenas escutará as preces que lhe são dirigidas em função do montante despendido no respectivo terço. Assim, quanto maior for o valor gasto no terço maior será a probabilidade de obter de Deus o pedido de favor que lhe é dirigido.
Neste aspecto, Cristiano Ronaldo é, de facto, um privilegiado dos Deuses. Ele é a prova concreta do raciocínio que acabamos de expor. Na realidade, Cristiano Ronaldo, ciente das exigências dos Deuses, ordenou à Farportugal a produção de cinco mil rosários com as suas iniciais. Assim, o CR9, como carinhosamente gosta de ser apelidado, não só corresponde aos desejos quantitativos e qualitativos das Altas Instâncias dos Céus, como também, delicadamente, Lhes recorda, expressamente, donde vem o pedido de favorecimento. Ora, essa prece, vem, precisamente, dele, o CR, como, diligentemente e em boa hora, ordenou embutir no seu rosário.
Caro leitor, o Sr. José Conceição se, porventura, por algum motivo, não se apercebeu é comerciante de objectos religiosos – dono de um pequeno império constituído por três lojas de artigos religiosos, uma fábrica de terços e imagens e um restaurante para grupos de peregrinos é um homem triste e decepcionado.
O Sr. Conceição não é, porém, um homem só no que toca a corações destroçados com a religião. O mesmo sentimento é, igualmente, partilhado por Manuel Espigueiro. Este bom homem temente a Deus encontra na figura do Papa Bento XVI a causa das suas mágoas. Com efeito, Manuel Espigueiro, desloca-se mensalmente a Fátima devido a uma promessa que em tempos efectuara, mas assegura, a pés juntos, que não o irá fazer no dia 13 de Maio, quando o próprio Papa, Bento XVI, se deslocar àquela terra sagrada.
Para o Sr. Espigueiro a sua ligação com o Papa Bento XVI é significativamente mais mole e frouxa do que aquela que sentia em relação a João Paulo II. Então, todo ele sorrindo, o olhinho pisco e feliz, diz, radiante:
- João Paulo II era mais popular, mais especial e mais próximo do povo.
O Sr. Espigueiro é um homem dos antigos. É um daqueles que respeita, efectivamente, o poder espiritual. Assim, e como o Papa Bento XVI é um homem menos entusiástico, ele prefere, simplesmente, não se deslocar a Fátima. Para o Sr. Espigueiro, a relação com o seu Deus só é possível através desse intermediário de Deus na Terra: o Papa. Como no momento presente, o Papa é um homem menos comunicativo, Manuel Espigueiro abstém-se de comunicar com o seu Deus, tarefa que se revela impossível sem o correspondente comunicador adequado ao perfil que ele, Manuel Espigueiro, previamente traçara. A oração directa com o seu Deus é, portanto, inútil com um Papa como Bento XVI e insusceptível de ser correctamente realizada sem essa participação. Para o Sr. Espigueiro, a sua oração é, em primeira instância, dirigida ao Pontífice e este como representante de Deus na Terra encarregar-se-á de transmitir a respectiva mensagem ao Altíssimo pela linha telefónica privilegiada que partilham.
Manuel Espigueiro é também ele um homem diferente. Não inicia as suas orações pelo tradicional “Pai-nosso que estais no Céu…”, mas sim pelo “Papa nosso que estais na terra e depois dirás estas palavras ao nosso Deus exactamente como eu tas rogo…”.

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