O Papa Bento XVI realizou uma visita ao Reino Undio entre os dias 16 e 19 de Setembro. Todas as visitas papais são sempre alvos de grande interesse e de ampla cobertura pelos órgãos de comunicação social. Contudo, esta visita ainda foi mais mediática face a todas as restantes. Não fosse o Reino Unido um país maioritariamente protestante. Não fosse ser a primeira visita de Estado de um Papa a este país.
A Inglaterra descobriu a sua identidade em consequência da Reforma. Retrocedendo alguns séculos, é facto notório a atribulada relação existente entre Inglaterra e Roma. No século XVI, Henrique VIII auto-declarou-se, através do Acto de Supremacia de 1534, Chefe da Igreja em Inglaterra, recusando a autoridade do Papa, porquanto este não reconhecia o seu divórcio com Catarina de Aragão e o seu casamento com Ana Boleyn. Estes acontecimentos, aliados à onda reformista que assolava o norte europeu, conduziu ao repúdio da figura papal durante anos a fio e à criação do vocábulo "papistas" para designar aqueles que permanecessem católicos fiéis.
Hoje o país é bastante diferente, tendo havido uma maior aproximação entre a Igreja Católica e a Anglicana sobretudo desde o Concílio Vaticano II. No entanto, ultimamente não se tem progredido como se desejava. Sobretudo desde o momento em que foi celebrada a constituição apostólica Anglicanorium Coetibus que permite aos anglicanos entrar para a Igreja Católica através de um ordinariato (note-se que apenas 10% dos habitantes do Reino Unido são católicos).
Do exposto decorre a grande importância que esta visita teve. Serviu não só para procurar atenuar quezílias, mas também para aproximar os povos. Temos inúmeros exemplos de povos de religiões distintas a habitar um mesmo país e sabemos que a convivência pacífica é inexistente. Mas acreditamos que é possível, basta haver convergência de vontades nesse sentido. Afinal, tanto o Catolicismo como o Protestantismo são ramos da mesma árvore: o Cristianismo.
Apesar de todas as polémicas que envolveram a presença de Bento XVI no Reino Unido, o Papa conseguiu fazer ouvir a sua voz, como reconheceu David Cameron, Primeiro-Ministro britânico, e centrar as atenções na mensagem que pretendia veicular. O clima de festa, o peso das suas palavras e a capacidade em abordar directamente temas deveras delicados como a relação entre a religião e o secularismo e os abusos sexuais de menores contribuíram para uma avaliação muito positiva à sua passagem por Edimburgo, Londres, Birmingham e Glasgow. O Papa revelou sempre uma postura de verdade e de humildade, relevando nos seus discursos a longa tradição cristã e democrática do Reino Unido, a coragem com que muitos enfrentaram o regime nazi e os desafios levantados por uma sociedade multicultural que propende para a infeliz marginalização da religião.
Bento XVI chegou mesmo a orar na Abadia anglicana de Westminster e no Westminster Hall. Quando o Papa disse "esta Abadia é dedicada a São Pedro", todos compreenderam que o Papa tinha tanto direito de se sentar naquele santuário quanto o Arcebispo de Cantuária, Rowan Williams. Andrew Brunn, editor de religião, escreveu mesmo, a propósito desta visita: "Este foi o fim do Império Britânico. Em todos os quatro séculos de Isabel I a Isabel II, a Inglaterra foi definida como uma nação protestante. Os católicos eram os Outros, às vezes terroristas violentos e rebeldes, às vezes meros imigrantes sujos. A sensação de que esta era uma nação especialmente abençoada por Deus surgiu a partir de uma leitura profundamente anticatólica da Bíblia. No entanto, ela foi central para a autocompreensão inglesa quando a rainha Isabel I foi coroada em 1592 e jurou defender a religião protestante pela lei estabelecida. Em todos esses 400 e tal anos, teria sido impensável que um Papa pudesse estar no Westminster Hall e louvar Sir Thomas More, que morreu para defender a soberania do Papa contra a soberania do rei. A rebelião contra o Papa foi o acto fundacional do poder inglês. E agora esse poder foi-se, e talvez a rebelião também.". Como a sabedoria popular costuma dizer: "Deus queira que sim!".
No Reino Unido, o actual Papa mostrou, mais uma vez, a força que as palavras certas na altura certa possuem, mas também não há dúvida que a força de milhares de católicos espalhados pelos locais onde passava foi essencial para que estas palavras não fossem abafadas por vozes contestatárias e fait-divers.
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