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quarta-feira, 17 de novembro de 2010

A Crise da Zona Euro

Mais uma vez no dia de hoje a notícia que absorve a atenção dos jornais é a crise da zona euro. Uma crise que ainda se vive porque na sequência da reunião dos Ministros da Finanças da zona euro de ontem – ainda não foi desta que a Irlanda anunciou o recurso ao Fundo de Emergência Europeu. Foi anunciada, isso sim, a constituição de uma equipa que se deverá dirigir a Dublin para discutir a melhor forma de auxiliar a banca irlandesa – meras conversações técnicas ou o prenúncio do recurso inevitável ao Fundo? Nesta questão temos, uma vez mais, em confronto o interesse próprio de um membro da zona euro e o interesse da zona euro no seu conjunto. Por um lado, a Irlanda não tem necessidade de recorrer ao financiamento do mercado até 2011. Assim, os responsáveis irlandeses esperam que a poeira até lá assente, para que quando volte a chegar o momento de se financiar o consiga fazer a taxas de juro suportáveis. Por outro lado, o interesse da zona euro é que a Irlanda recorra já ao Fundo para estancar o perigo de contágio, acalmando os mercados e descendo as taxas de juro de Portugal, mas sobretudo de Espanha e Itália que são economias de grande peso na UE. Qual é o problema disto? A Irlanda receia o estigma de recorrer ao Fundo: não é apenas a perda de soberania, o fim do sistema fiscal atractivo que impulsionou o milagre económico: é também o momento em que a Irlanda por si, novamente, se financie nos mercados. Na minha opinião – a Irlanda devia recorrer já ao Fundo. E não apenas em nome da estabilidade da zona euro, mas também no seu próprio interesse. Esta sentença pareceu-me inevitável logo no momento em que a Irlanda anunciou que devido aos problemas no seu sistema bancário o seu défice subira para 32%. É um rombo demasiado grande para ser reduzido num curto espaço de tempo, nesta conjectura, sem ajuda exterior. Este problema está já a fazer-se sentir sobre os países da zona euro, pelo que deixou de ser um problema exclusivamente irlandês, para passar a ser um problema europeu. E se a Irlanda persistir nesta situação, ela não se alterará até Junho de 2011: é um problema que não pode ser desprezado só porque a Irlanda tem assegurado o seu financiamento até lá.
Entretanto, a Alemanha, o líder tácito da União Europeia, comporta-se deploravelmente durante todo este processo. Relembramos a medida alemã para que os investidores privados suportem parte dos custos de futuros bailouts. O objectivo é fazer com que os investidores pensem duas vezes antes de emprestar dinheiro a determinados países, certo? Certo. Porque segundo a Sra. Merkel a culpa da crise, e já desta crise da zona euro de dívida soberana, é dos excessos de mercado. Aqui uma curiosidade: o mercado alemão – além do inglês – concentra grande parta da dívida irlandesa: 288 biliões de dólares. Não é tão bonito quando um líder político europeu dá tiros nos seus próprios pés, mais propriamente no seu próprio sistema bancário? Então a Sra. Merkel está a atribuir directamente as culpas da crise ao seu próprio País? Isto não é patriotismo saloio vingativo: é retórica aplicada à azelhice política. Como criticar os excessos de mercado se é o seu próprio País que os incentiva e os pratica uma vez que detém grande parte da dívida pública da Irlanda? Claro que é oportuno criticar agora os excessos do mercado quando há receio de que a crise da dívida pública irlandesa rebente nas mãos dos bancos alemães; mas enquanto o problema não se sentiu, e enquanto os irlandeses pediam fiado e os lucros dos bancos alemães engordavam não havia problema algum. Isto, a nós, não nos parece criticável, caso contrário a economia mundial pára: é preciso é que se empreste responsavelmente. E aqui surge outra questão: com que objectivo terá a Sra. Merkel escolhido o timing para anunciar a alteração das regras do mecanismo de crise? Estará a Sra. Merkel verdadeiramente empenhada em resolver a crise de estabilidade da zona euro ou antes com a estabilidade dos seus bancos, procurando assim forçar e pressionar a Irlanda a recorrer Fundo, reduzindo os seus riscos de incumprimento e, por extensão, aliviando o seu próprio sistema bancário?
Mas mais do que tudo isto, o que esta actual crise volta a colocar a nu é a ausência de um verdadeiro líder que se imponha naturalmente na Europa; mas um líder que se imponha pelo seu carácter e pelas suas ideias, o que claramente não tem sido o caso com a Sra. Merkel.

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