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domingo, 14 de novembro de 2010

Estagiário, estagiário, quem és tu? Ninguém.

Ou Alguém. Alguém que concluiu o seu curso (no caso dos advogados estagiários) de Direito, que estudou dias e noites a fio manuais com páginas infinitas. Alguém que realizou um sem número de exames escritos e orais. Alguém que teve de procurar um patrono assim que concluiu a sua licenciatura para poder inscrever-se na Ordem dos Advogados como advogado estagiário. Alguém que, nos dias de hoje, teve ainda de concluir o Mestrado em Direito ou então de se submeter à aprovação num exame nacional de acesso ao estágio para poder efectuar tal inscrição. Alguém que teve de passar por um período de seis meses de formação semanal nos Conselhos Distritais da OA. Alguém que teve de realizar 3 exames no final desse período de seis meses e ficar aprovado em todos eles, sob pena de ter de começar o estágio do início. Alguém que teve de continuar o seu estágio por mais 2 anos e, no fim deste tempo, ficar aprovado num exame final escrito de agregação e num outro exame final mas de índole oral. Estagiário de advocacia. Nós sabemos do que falamos.

No entanto, Caríssimos Leitores, se eu vos disser que durante esta incursão de 2 anos e meio de estágio com tantos formalismos e exames condicionantes do prosseguimento do estágio não somos, via de regra, remunerados? É verdade que só escolhemos este rumo profissional por opção própria e já sabíamos para o que é que íamos, como bem diz a sábia gíria popular. Mas, mesmo assim, após uma licenciatura de 4 anos ou ainda de mais 2 anos de Mestrado (não Integrado!), termos de viver, na maioria dos casos (volto a frisar, porque há sempre as devidas excepções), sem qualquer tipo de remuneração ou ajudas de custo com a alimentação ou os transportes, é de uma tremenda irrazoabilidade.

Perante isto, qual não foi o meu espanto ao deparar-me esta semana com um comentário de um candidato a Bastonário da OA, comentário esse a dar conta do consagrado no art.º 141.º da Proposta de Lei do Orçamento de Estado. Este artigo torna obrigatória a existência de um contrato de estágio de advocacia escrito, bem como a sua correspondente remuneração com um subsídio mensal, subsídio de alimentação e seguro de acidentes pessoais. Prevê ainda que caso o estagiário permaneça no escritório após o período de estágio, será obrigatoriamente considerado um trabalhador por conta de outrem. Atente-se que este artigo não se dirige exclusivamente aos estagiários de advocacia, mas também e sobretudo visa estes estagiários. Senão, vejamos o que prescreve a alínea d) do n.º 3 deste artigo, quando esclarece o que se deve entender por entidade promotora: "pessoa singular ou colectiva que concede o estágio, incluindo a pessoa singular que na qualidade de patrono e ao abrigo das disposições legais e regulamentares que regulam a realização de estágios profissionais obrigatórios para o acesso ao exercício de determinada profissão, orienta o respectivo estágio", sendo que o patrono é, por excelência, o advogado que orienta o estagiário de advocacia.

Considero justo procurarem consagrar legalmente a obrigatoriedade de remuneração aos advogados estagiários, já que durante 2 anos e meio muitas são as horas de trabalho levadas a cabo por nós e muito contribuimos (ou, pelo menos, tentamos) para o bom desempenho profissional do escritório. No entanto, discordo totalmente de certos absurdos contidos nesta previsão da proposta orçamental, como seja a necessidade do advogado estagiário outorgar um contrato de estágio escrito que se poderá transmutar num contrato de trabalho por conta de outrem no terminus do estágio. A advocacia é, por natureza, uma profissão liberal e se isto até pode, ainda que com muito esforço, fazer sentido no respeitante às sociedades de advogados que admitem estagiários que se tornarão certamente futuros colaboradores, já não se encaixará na realidade dos advogados em prática individual. Repare-se que se reduz mesmo os advogados estagiários a assalariados (é impressão minha ou, mais uma vez, temos uma tentativa de intromissão do poder político no domínio auto-regulatório da advocacia?). Ademais, se esta proposta for avante e se tornar lei, julgo que o próprio estágio vai tornar-se (ainda) mais difícil, porquanto os advogados não vão aceitar como seu estagiário alguém que sabem de antemão que terão de remunerar obrigatoriamente.

Caríssimos, se passar a ser obrigatório para aceitar um estagiário remunerá-lo, atribuir-lhe um seguro de acidentes pessoais e ainda subsídio de alimentação, quem, e refiro-me sobretudo aos advogados em prática individual, é que aceitará estagiários? Actualmente raros são os estágios que são remunerados e o advogado estagiário só consegue muitas vezes fazê-lo, porque até dá jeito ao seu patrono ter alguém que o ajude a adiantar serviço e de modo gratuito. Ora se o advogado tiver que pagar ao estagiário, já não vai querer nem precisar dele. Em conclusão, será o fim do estágio e do acesso à profissão.

Em tempos difíceis para a justiça, para os advogados e com um recurso à via jurisdicional cada vez mais raro dadas as elevadas taxas de justiça para aos tribunais aceder, os advogados estagiários têm tudo contra si: não são, via de regra, remunerados; a terem de ser, não lhes vai ser dado estágio, comprometendo assim o seu percurso profissional; para além da inexperiência que possuem. Por isso é que, quando conhecidos meus me procuram para os aconselhar se Direito é uma boa saída profissional, lhes digo como boa católica: Meu querido, benze-te duas vezes para ver se ganhas mas é juízo!

A vida está má, está! Até para os marqueses!

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