A mais bela, a mais pura e a mais duradoura glória literária de prosa da blogosfera

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quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Discussões Orçamentais

Os jornais portugueses noticiam hoje com grande alarido a ininterrupta subida dos juros da dívida pública portuguesa – isto apesar do acordo alcançado entre PS e PSD para a aprovação do Orçamento de Estado de 2011. Toda a discussão realizada ontem no Parlamente sobre o debate do OE foi desprezada a atirada para um canto, virada contra a parede. Enquanto Paulo Portas atirava a culpa para José Sócrates, José Sócrates apontava o dedo a Passos Coelho, via Miguel Macedo, and so on… - todos repararam numa coisa curiosa: entretanto todos tinham já os dedos apontados uns aos outros. De quem é a culpa, portanto? É de todos, claro! No dia de ontem, em que Portugal via mais uma vez os juros da sua dívida pública a subirem para níveis perigosamente próximos do recurso inevitável ao Fundo de Estabilização Europeu – 6,30%, perto do máximo histórico de 6,6% -, o Parlamento discutia minudências em vez de discutir os problemas do País. Os sucessivos discursos giravam e rodopiavam todos em torno das mesmas ideias velhas, lassas, estafadas: como se a arte da persuasão dependesse da arte da repetição. No dia de ontem assistimos a uma repetição nos mesmos moldes dos debates dos debates anteriores. Os oradores sucedem-se na tribuna, mas a ideia lá deixada, pegajosa, mantém-se. Paulo Portas questiona José Sócrates sobre o despesismo público, este responde com os submarinos; Miguel Macedo fala da irresponsabilidade do Primeiro-ministro, este fala da irresponsabilidade hesitante do PSD; o PCP e o BE falam dos grandes interesses económicos e o Engenheiro argumenta, pomposo, vaidoso, com o novo imposto sobre a banca…E assim rola calmamente, mas inexoravelmente Portugal para o abismo.
A este quadro de pobreza, apenas escapou no dia de hoje o discurso da Dra. Manuela Ferreira Leite: um discurso que não se refugia no calculismo político, na mesquinhez eleitoralista, no orgulho vaidoso do ego, mas na essência da questão. Os deputados do PSD aplaudiram, entusiásticos, a líder que há uns meses atrás enxotaram da cúpula dirigente do partido. O Dr. Francisco Assis, líder parlamentar do PS, reconheceu as palavras sensatas da Dra. Manuela Ferreira Leite e fez-lhe o elogio sincero. Porque não pode a política ser assim?
Entretanto, face à peixeirada generalizada do debate a que assistimos ontem, o nosso Presidente da República, velando, vem manifestar-se preocupado com o desprestigio dos políticos. Tomara, V. Ex.ª, tomara! Se sentisse o seu futuro depender desta corja de peixeiras como se sentiria V. Ex.ª? Como se sentiria V. Ex.ª se o seu futuro dependesse da valia dos oradores para apregoar, a alto e bom som, o preço do quarteirão da sardinha, como se sentiria? Sabemos que V. Ex.ª é um árbitro da vida política – não governa. Mas o árbitro impõe o respeito pelas regras do jogo e, portanto, V. Ex.ª devia estar ralado com a falta de ética, de responsabilidade, de decência e de retórica a que assistimos ontem! V. Ex.ª: puxe as orelhas a essa canalha como meninos malcriados que são!

Os analistas liberais que apregoavam a racionalidade do mercado estão, por esta altura, escondidos atrás de uma esquina, corados. Se é verdade que foi Portugal que se colocou nesta situação – os mercados têm tido um comportamento ziguezagueante, assemelhando-se sobretudo a uma pessoa bipolar, sendo que ultimamente, nos tem mostrado sobretudo a sua faceta de irracionalidade. Senão vejamos o que dizem os mercados: primeiro eram os grandes défices e dívidas públicas dos Estados que tinham terminantemente de serem reduzidos por medidas de grande austeridade. Os Estados, com as mãos na cabeça, ouvem os mercados – excepto Portugal que é mouco e ouviu mais tarde – e assumem um conjunto de medidas de austeridade. Agora que Portugal revela vontade de seguir esse caminho, castigam-nos por seguirmos o caminho que eles com o dedo, insistentemente, nos apontavam. Mas em que ficamos afinal, hein? Apelidar os mercados de incoerência, bipolaridade e irracionalidade de nada nos serve, porém.
A verdade é que Portugal teve duas oportunidades e desperdiçou-os fatalmente. A primeira em Maio por altura do primeiro e segundo PEC em que deviam ter sido apresentadas medidas de maior dureza e cumprir escrupulosamente o plano traçado. Optamos por um PEC soft e nem sequer o fomos capazes de cumprir. A segunda oportunidade foi desperdiçada com a interrupção das negociações entre PS e PSD para o Orçamento de 2011 – é esse preciso momento que marca a escalada dos juros da dívida pública portuguesa. Num momento em que Portugal poderia consolidar um lugar de maior calmaria junto da Espanha, Portugal quis ficar com a Irlanda. E a Irlanda está cada vez mais próxima de recorrer ao Fundo de Estabilização Europeu – os seus juros a dez anos vão já nos 7,4%. Ora, se a Irlanda acabar por recorrer ao Fundo não haverá mais distracções – Portugal é o próximo da lista. Mesmo com um OE aprovado, a vinda do FMI pode não estar excluída.
É, por isso, que PS, PSD e CDS – já nem falamos da esquerda radical – têm de esquecer as suas diferenças, pensarem em propostas concretas e úteis a apresentar na votação na especialidade do OE – para evitar esse mal maior que é a chegada do FMI – e demonstrar que existe, em Portugal, um consenso alargado, claro e consciente das dificuldades do momento, mas que o País saberá erguer-se à altura das mesmas.

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