A mais bela, a mais pura e a mais duradoura glória literária de prosa da blogosfera

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quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Males incuráveis

Qualquer declaração de um responsável político português negando a possibilidade de recurso ao FMI é imediatamente abafada pela estridência destes dados – o défice do Estado aumentou 215 milhões de euros até Outubro. Os nossos responsáveis políticos podem, genuinamente, não querer o FMI por estas bandas, mas lá que se põem a jeito, põem-se. E as desculpas começam a escassear. Se nos começos do Outono, alegava-se a insuficiência do tempo dos dois Programas de Estabilidade e Crescimento para produzirem efeitos, agora as desculpas esgotaram-se. Por um lado, um dos cenários dos dois Programas se confirma e está a produzir efeitos: a receita está a crescer. O problema é que a despesa continua a acompanhar a subida da receita, ainda que à custa da subida dos juros da dívida pública. Pouco importa, o défice está a subir e há quem cada vez mais duvide que o Fundo de Pensões da PT será suficiente para cobrir o buraco. O facto original e único de sermos o único País na Zona Euro cujo défice continua a engordar, vale-nos honras de chamada às páginas do Financial Times. Era bom que, por estas alturas, os nossos investidores lessem, ao invés, o Correio da Manhã e a sua secção de Vidas. Ou então poderíamos alegar em nossa defesa:
- Sim, o nosso défice está a aumentar. Mas, por outro lado, ganhamos um Emmy por uma telenovela.

Claro que com o nosso próprio Presidente da República a malhar na execução orçamental de 2010 também não ajuda. Sim, V. Ex.ª, com efeito: a execução orçamental de 2010 é aquilo a que podemos designar por excremento. Mas sabe que mais, Sr. Presidente? Cale-se! Não era V. Ex.ª que há dias dizia que havia demasiado palavreado na vida pública portuguesa e que V. Ex.ª, altivamente, não iria contribuir para o achincalhamento da Nação? Pois então, mais que não seja por coerência: cale-se.
Todavia, estas declarações do nosso Presidente não preocupam, verdadeiramente, os mercados. Por outro lado, há outro tipo de declarações que causam alguns problemas. E de quem haveríamos de falar senão the one and only, a Sra. Merkel? O hábito, a cada dia que se desenrola, faz diminuir o nosso espanto perante as declarações desta senhora. Enquanto todos os responsáveis europeus procuram amenizar a pressão dos mercados sobre os países mais débeis, desde o Sr. Comissário Rehn ao Sr. Presidente do Eurogrupo, o Sr. Juncker, eis que surge uma declaração espalhafatosa da Sra. Merkel e todos os esforços são vãos. E custa-nos sinceramente perceber o objectivo – mesmo algum objectivo oculto – destas declarações. Não falo já da situação portuguesa que para a Zona Euro não é a mais preocupante – mas da espanhola. Os espanhóis são uma das economias mais fortes da Europa e que estão a atravessar um período de forte pressão dos mercados, mesmo apesar das medidas de austeridade anunciadas e a sua respectiva execução. Se os espanhóis forem obrigados pelos mercados a recorrer ao FMI, a zona euro e, por extensão, o projecto europeu estão seriamente comprometidos. Aí sim, creio que poderemos falar de um verdadeiro efeito dominó que se poderá desenrolar. Enquanto os problemas forem com a Grécia, a Irlanda e Portugal, a crise permanece na periferia da zona euro. Pelo contrário, se a crise penetrar em Espanha, também o âmago da zona euro estará, irreversivelmente, comprometido. Além do mais, os bancos alemães detêm 147 biliões de euros da dívida pública espanhola – ainda mais do que o montante referente à divida pública irlandesa e bem mais do que divida pública portuguesa. Por tudo isto, temos dificuldade em compreender a Sra. Merkel. Menos dificuldade temos, porém, em entender os jornais alemães que, em catadupa, recentemente, têm levantando ondas de criticas em direcção à Irlanda. É que a Irlanda, sendo ajudada por todos os países da zona euro e, sobretudo pela Alemanha, pretende manter o imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, o IRC, a 12,5%, metade daquilo que se pratica na generalidade dos países europeus. Temos alguma dificuldade em compreender como é que um País com 32% de défice pretende manter uma clara vantagem fiscal sobre os outros países que vêm em seu auxílio, escudados no dinheiro dos seus contribuintes.

Entretanto, e regressando ao nosso País, continuam a decorrer as alterações ao Orçamento para 2011 na especialidade. Ontem, foi rejeitada uma proposta do CDS para suspender as grandes obras públicas, com os votos contra de toda a esquerda e a abstenção do PSD! Supostamente, creio eu, o PSD exigiu como condição para a viabilização do Orçamento de Estado, a suspensão de todas as Parcerias Público-Privadas, exigência essa a que o PSD anuiu. Mas, sorrateiramente, eis que o PSD abandona a sua própria ideia, a sua própria exigência com a complacência do PS.

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