A mais bela, a mais pura e a mais duradoura glória literária de prosa da blogosfera

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domingo, 17 de outubro de 2010

Dos Espinhos das Rosas

Não preciso de ser adivinha para conseguir prever o que nos espera o ano de 2011. Basta atentar à versão preliminar do Orçamento de Estado para o próximo ano para conjecturar todo um cenário económico muito difícil, catástrofes sociais e, não querendo ser pessimista mas realista, graves carências a todos os níveis enfrentadas por muitos agregados familiares portugueses.

A proposta orçamental entregue na Assembleia da República na passada sexta-feira (ou, se quisermos ser mais rigorosos, a proposta de lei e os mapas do OE, dado que o seu relatório foi apresentado extemporaneamente - apenas ontem, um dia depois do terminus do prazo de entrega) prevê o aumento da taxa de IVA para os 23%. Mas não são só aqueles artigos que são actualmente taxados a 21% que vão ver o IVA a ser aumentado 2%. Há muitos outros bens cujo IVA se encontra hoje em dia nos 6% e nos 13% que vão passar a ser tributados em sede de IVA a 23%, como sejam os refrigerantes, os chocolates, as conservas, os óleos e até as flores. As próprias actividades de cariz desportivo e as actividades em ginásios vão passar igualmente a ser tributadas a 23%. Mas há mais, muito mais, caríssimos leitores. E não são notícias aveludadas, asseguro-lhes.

Pode parecer um paradoxo, mas quanto mais baixo for o rendimento, maior será o aumento do IRS a pagar. O jornal Público tem-nos dado nos últimos dias exemplos práticos que nos permitem concretizar isto mesmo. Vejamos o caso de um casal com dois filhos, com um rendimento bruto anual de € 25.200. Até à data, este agregado familiar não pagava IRS. Com este novo OE pagará cerca de € 560. Se esta mesma família dispender € 1500 anuais em despesas de saúde, irá afectar 6% do seu orçamento total para este tipo de despesas. Todavia, as deduções fiscais no IRS vão agora a possuir limites novos, situados entre os € 500 e os € 1100, sendo que este agregado familiar só poderá deduzir até € 1100 no concernente à totalidade das suas despesas de sáude, educação e amortizações de empréstimos para habitação. Os próprios benefícios fiscais conhecem também tectos que se situam entre os € 0 e os € 100.

A par de tudo isto, as deslocações casa-trabalho, trabalho-casa, as viagens para levar/buscar os filhos à escola e as viagens em família vão ficar também mais caras. O preço dos combustíveis vai aumentar e está previsto também um aumento do preço das viaturas automóveis na ordem dos 2,3%. Ademais, desde sexta-feira, as SCUTS passaram a ser portajadas o que, e para não me alongar em narrações a propósito das filas intermináveis nas estações de correios e nas lojas da Via Verde, se irá reflectir consequentemente, no final de cada mês, no orçamento familiar que vai ter passar a contar com mais uma rubrica do lado do passivo (só para terem uma ideia, se ainda não fizeram contas, um percurso de ida e volta na Scut do Norte ficará por cerca de € 124).

Mas não ficamos ainda por aqui no que tange a notícias espantosamente terríveis. Esta semana, a Ministra da Saúde veio inexplicavelmente declarar que pretende que mais crianças nasçam em Portugal através de parto normal ao invés de cesariana, dado que cada parto deste último tipo fica muito mais caro ao Estado. Por isso, mulheres portuguesas em estado de graça, não pensais que ides ter vidas facilitadas quando o momento do parto chegar. É que as vossas crianças têm de nascer obrigatoriamente de parto normal. Caso contrário, qualquer dia, o parto de cesariana também pagará um imposto especial (relembrem-me, por favor, em que país vivemos nós?).

O Governo reitera, com esta proposta de OE, o objectivo do défice de 4,6%, tal como havia prometido em Bruxelas em Maio. Para este ano, o Governo poderá ainda rever em baixa o visado défice de 7,3% para um valor um pouco abaixo de 7% graças à incorporação de uma receita extraordinária de 2600 milhões de euros através da transferência do fundo de pensões da PT.

No entanto, meus estimados leitores, é mais do que notório que esta conjuntura não foi obra do acaso. Este Governo negou e ocultou durante muito tempo a verdadeira situação que o país atravessava. Frases como Portugal registou o maior crescimento económico da Europa no 1.º trimestre deste ano! ou Somos os campeões do crescimento! foram ouvidas incessantes vezes. E como é que se explicam notícias que deram conta esta semana que empresas públicas como a Carris, a Docapesca e a CP viram os salários dos seus gestores a aumentar em 2009 exponencialmente? E como foi possível a RTP ter recebido pelo menos 1,5 milhões de euros de entidades públicas em publicidade?

Todos nós facilmente imaginamos a crise profunda em que mergulharemos se este orçamento for aprovado no final do corrente mês. Pedro Passos Coelho, Presidente do PSD, afirmou esta semana que o actual cenário político nesta matéria coloca o PSD, enquanto maior partido da oposição, numa situação muito delicada e imporá um sangue frio muito grande. A decisão do PSD sobre a aprovação ou não do OE vai ser tomada nos órgãos próprios do PSD no decurso desta semana que se avizinha. Passos Coelho aponta o caminho que deverá ser trilhado por Portugal nos próximos anos e que passará pela necessidade de serem gerados excedentes orçamentais para fazer diminuir a dívida externa. Mas isto sem serem aumentados os impostos, única via que Sócrates vislumbrou como solução para os problemas económico-financeiros de Portugal, ao longo dos seus mandatos enquanto Primeiro-Ministro.

Parafraseando Luís Montenegro, deputado social-democrata, os Governos Rosas gastaram-nos as pétalas e deixaram-nos apenas os espinhos.

A vida está má, está! Até para os marqueses!

Só uma pequena nota para chamar a atenção para o facto de terem sido proferidas esta semana duas novas sentenças pelo Tribunal Administrativo de Lisboa a considerar ilegal a norma que criou o exame de acesso ao estágio de advocacia. Assim sendo, a Ordem dos Advogados fica obrigada a admitir estes vinte licenciados em Direito que intentaram a acção administrativa sob a forma de intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias. A juíza considerou que a norma regulamentar que prevê este exame é ilegal, porquanto se trata de uma norma não autorizada (o Conselho Geral da OA não possui competência para aprovar as alterações regulamentares que introduziram o exame). É reconhecido ainda pelo tribunal que a imposição do exame é indubitavelmente uma restrição ao direito de escolha de profissão. Assim sendo, esta restrição apenas poderia ter sido introduzida legalmente e não pela via regulamentar. Finaliza ainda o tribunal, afirmando que a falta de justificações objectivas/materiais, fundadas por banda do Conselho Geral da OA para diferenciar os candidatos licenciados antes e depois do Processo de Bolonha e só a estes impor um exame, implica uma violação do princípio da igualdade. Até ao momento, a OA não prestou nenhuma declaração a este própósito. Estarão com medo de alguma coisa ou é pura especulação minha?

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