A mais bela, a mais pura e a mais duradoura glória literária de prosa da blogosfera

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sábado, 30 de outubro de 2010

A Negociata do Orçamento

Uma ventania desgraçada varreu o País na quarta-feira quando se soube que as negociações entre o PS e o PSD para um entendimento quanto ao Orçamento de Estado (OE) fracassaram miseravelmente. Eu próprio confesso – fiquei surpreendido. Mas mais do que surpreendido fiquei furibundo. Então não é que esta gente, ao início irredutível – ora eram as deduções fiscais do lado do PS, ora era a subida do IVA do lado do PSD: ninguém queria ceder. Pois cederam! Nas deduções fiscais e no IVA! E não conseguem chegar a um entendimento porque chegados a 230 milhões de euros de distância, estacam e conformam-se! Claro que nenhum dos dois queria verdadeiramente chegar a acordo – queriam sim apalpar terreno: queriam experimentar. O PS queria ver a reacção do País; o PSD queria ver a reacção dos mercados. Como o País todo se indignou com esta cambada e o mercado não afagou carinhosamente os cabelos do PSD – todos se decidem agora a retomar as negociações rapidamente. O que mudou pois desde quarta-feira até hoje? Absolutamente nada: a imperiosidade de aprovar o orçamento mantém-se. Apenas uma coisa se alterou – os juros da dívida pública portuguesa voltaram a subir. Esta brincadeirinha dos dois partidos supostamente dotados de ambição governativa – e alegadamente de inteligência – custou ao país 142 milhões de euros, segundo contas do Dr. Paulo Trigo Pereira. Mais um pouco e era o montante em desacordo entre os partidos e que levou ao romper das negociações.
Entretanto, somos mais uma vez alvo da chacota e do tratamento vexatório da Europa – o nosso Primeiro-ministro e Pedro Passos Coelho vão a Bruxelas, com um sorriso na cara, mas sem Orçamento. Meus amigos, a Grécia recorreu ao Fundo Estabilização Europeu porque estava mesmo atolada em dívidas – e ainda está. Mas recorreu ao Fundo quando já não havia outra alternativa e porque os mercados lhe colocaram a corda à volta do pescoço – as taxas de juro que os mercados pediam para emprestar dinheiro à Grécia eram superiores a 9%. Ora, Portugal pode aprovar um Orçamento que lhe alivie a pressão dos mercados e que lhe confere tempo. E que faz Portugal? Portugal vê o fogo, aproxima-se, passa a pontinha do dedo pela língua, aproxima o dedo das chamas, toca no fogo e berra:
- Eh pá que isto queima!
A não aprovação do Orçamento tem consequências desastrosas para Portugal: as taxas de juro irão inexoravelmente subir. Portugal não irá conseguir financiar-se e será obrigado a socorrer-se do Fundo de Estabilização Europeu que implica a intervenção do FMI. Mas aqui chega outro problema – o FMI chega mas as medidas continuam a ser aplicadas pelo Governo. E o PSD iria novamente impedir a sua viabilização? Ou abster-se-ia perante um orçamento que seria, com certeza, bem mais drástico do que este que tanto se discute agora?
Este Orçamento é mau, mas inevitável face à situação a que chegamos e ao descontrolo orçamental de 2010. Mas uma coisa é certa: se a intervenção do FMI se verificar, a situação será incomensuravelmente mais complicada para as famílias portuguesas. Com uma agravante: somos ferrados com um ferro em brasa como gado! Somos enviados para um canto com orelhas de burro, etiquetados de broncos! Ora, eu, egoisticamente, não quero ser apelidado de bronco só porque a nossa elite política o tem demonstrado ser.
É por isso que PS e PSD têm de alcançar mais do que a sua vista permite: o seu umbigo. Ambos os partidos estão já a preparar e a limpar as armas para o combate eleitoral em 2011 – e não são as presidenciais: são as legislativas. E enquanto fazem isso, esquecem-se dos interesses do País que é suposto servirem em lugar dos seus egos próprios.
É, por isso, que esperamos que das negociações, entretanto retomadas, saia fumo branco: - porque isso será o melhor para o País. Não podemos resolver o problema estrutural de competitividade, sem resolver primeiro o nó cego do desequilíbrio das finanças públicas. O descontrolo orçamental de 2010 reduziu abruptamente a margem de manobra orçamental para 2011 e o espaço para a adopção de medidas de estímulo à competitividade – como a redução da taxa social única, por exemplo – uma vez que qualquer cêntimo é imprescindível para se alcançar a meta de 4,6% de défice público.
No entanto, isso não impede e urge que, concomitantemente à execução deste OE mão se desperdice tempo e se comece a delinear um rumo claro quanto ao futuro de Portugal.

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