O leitor quer saber o que separa a direita portuguesa da direita europeia? É acção, são as ideias. Enquanto a direita portuguesa apresenta programas de revisão constitucional em que advoga a privatização do SNS e do ensino público, a direita europeia faz o mesmo, com uma diferença substancial – concretiza as suas ideias e explica-as. Enquanto as ideias não saem do plano da generalidade e das intenções, não é possível debate-las. Quando as ideias são positivadas, é então possível discuti-las, avaliar o seu mérito, confrontá-las, avaliar as opções disponíveis e prosseguir o esforço de apuramento da Civilização. O PSD por cá, na sua proposta de revisão constitucional defendeu o fim da gratuidade tendencial do SNS e do ensino público através de uma linha plasmada na Constituição. É a isto que se resume todo o seu programa político? É a isto que se resume toda a sua ideologia? A uma linha? A meia dúzia de palavras? Mas como se operariam essas políticas que o PSD defende? Alguém sabe? Ninguém sabe. O PSD explicou? Não explicou. Mesmo depois de acusar o PS de blasfemar as suas propostas, o Dr. Passos Coelho perorou sobre elas? Não perorou.
E é isto que distingue a direita portuguesa da direita britânica. Enquanto por cá o PSD diz numa linha que defende o fim da gratuidade tendencial do SNS e do ensino público, e cansado desse longo esforço nada mais diz, os conservadores britânicos concretizam as suas propostas para o ensino: não discutem o acessório, discutem o essencial – Ideias. Foram estas – as Ideias – que valeram ao Sr. Passos Coelho uma série de aplausos na opinião pública precisamente por trazer o debate da res publica para a discussão de Ideias e não do acessório. Ao início, o Dr. Passos Coelho parecia estar efectivamente interessado em debater ideias. E agora? Alguém as tem visto? As suas ideias resumem-se a três princípios básicos de orientação governativa: privatização da saúde, do ensino, liberalização dos despedimentos. E é com base neste extenso programa ideológico que o PSD pretende conduzir Portugal à Glória e à Ventura! Mas como se concretiza isso, V. Ex.as? É que nós não sabemos. Isto talvez dará um gozo especial ao Dr. Passos Coelho. Um dia, com o Dr. Miguel Relvas ao seu lado, V. Ex.ª disse:
- Miguel, achas que devemos revelar as nossas ideias?
O Dr. Miguel Relvas, sério, grave, com as mãos atrás das costas, dando passadas lentas pela sala, disse:
- Não sei…não sei…
Então, o Dr. Passos Coelho, escarlate, rebentando de gozo, os olhos loucos, esgazeados disse:
- Não contamos nada! Vai ser o nosso segredo! O nosso segredo! E ninguém o vai saber!
Uma risada satânica atroou pela sala. Pelas janelas, surdia um relâmpago.
Ninguém o sabe efectivamente, Dr. Passos Coelho. V. Ex.ª diz que tem um plano de consolidação orçamental que opera exclusivamente através da redução da despesa pública. Pois onde está ele, V. Ex.ª? Nós procuramo-lo, V. Ex.ª! Debalde…Procuramo-lo debaixo do caderno, debaixo da secretária, entre a gaveta das peúgas, entre as folhas de um livro, olhamos as janelas para ver se uma corrente de ar as tinha levado…Mas nada! Nada das ideias! Oh! Liberte-nos desta treva da ignorância, Dr. Passos Coelho! Derrame esse seu perfume de Minerva, de Deusa da Sabedoria, sobre nós! Nós que somos burros, mas que somos singelos – queremos saber mais V. Ex.ª! Ah! que maldade Dr. Passos Coelho! Ouvimos o seu riso, zombando da nossa ignorância, dizendo, cantarolando:
- Ele não sabe e eu sei! Só eu e o Miguel sabemos! Só eu e o Miguel sabemos!
Ora, os conservadores britânicos, apoiados num projecto de reforma do ensino superior realizado por Lord Browne – e não surpreendentemente o Lord Nelson -, devem anunciar em breve uma profunda reforma do seu ensino que concretiza – julgamos nós – as generalidades do PSD para o sistema de ensino. Nada ainda é certo, porém, uma vez que os Liberais Democratas, parceiros de coligação dos conservadores no governo britânico juraram ao seu eleitorado na campanha que terminantemente se opunham à erradicação de um tecto máximo para as propinas. Este facto pode vir a romper a coligação de Governo visto que muitos Liberais Democratas se opõem ao plano de reforma de Lord Browne. No entanto, Vince Cable, um Liberal Democrata e o business secretary do Governo, parece ter aberto espaço à aprovação do projecto, o que não impede, ainda assim, que graves fissuras se abram na coligação.
De qualquer forma, uma ideia base rodeia todo o sistema de reforma do ensino superior de Lord Browne: a livre competição entre universidades. Para isso suceder, Lord Browne propõe o fim da fixação de tectos máximos para as propinas, sendo as universidades livres para fixarem o seu montante. Este facto é contrabalançado por uma relação entre os montantes de propinas e uma contribuição da universidade retirada desse montante para o Estado, isto é, quanto maior for a propina, maior será a percentagem que a universidade terá de entregar ao Estado. Assim, uma instituição que cobre sete mil libras recebe 94% deste montante e entrega 6% ao Estado; uma instituição que cobre dez mil libras recebe 81% desse valor; os montantes fixados até seis mil libras pertencem por inteiro à universidade. Este facto tem por fim evitar que as universidades fixem propinas demasiado elevadas, sem que ofereçam a correspondente qualidade de ensino. E como seriam efectuados os pagamentos das propinas? Segundo Lord Browne, através de um sistema de empréstimos aos estudantes que estes teriam de pagar assim que os seus rendimentos atingissem as vinte e uma mil libras por ano. Assim, o financiamento público seria eliminado, passando as universidades livremente a proverem à sua sustentabilidade, num sistema de livre mercado, fixando as suas propinas, aumentando, claro está, a sua qualidade para atrair os alunos – e sobretudo o seu dinheiro.
Uma vez que esta crónica de opinião é já longa, na próxima ocasião – quarta-feira –, iremos alongar um pouco mais o conteúdo das propostas de Lord Browne e as suas implicações.
E é isto que distingue a direita portuguesa da direita britânica. Enquanto por cá o PSD diz numa linha que defende o fim da gratuidade tendencial do SNS e do ensino público, e cansado desse longo esforço nada mais diz, os conservadores britânicos concretizam as suas propostas para o ensino: não discutem o acessório, discutem o essencial – Ideias. Foram estas – as Ideias – que valeram ao Sr. Passos Coelho uma série de aplausos na opinião pública precisamente por trazer o debate da res publica para a discussão de Ideias e não do acessório. Ao início, o Dr. Passos Coelho parecia estar efectivamente interessado em debater ideias. E agora? Alguém as tem visto? As suas ideias resumem-se a três princípios básicos de orientação governativa: privatização da saúde, do ensino, liberalização dos despedimentos. E é com base neste extenso programa ideológico que o PSD pretende conduzir Portugal à Glória e à Ventura! Mas como se concretiza isso, V. Ex.as? É que nós não sabemos. Isto talvez dará um gozo especial ao Dr. Passos Coelho. Um dia, com o Dr. Miguel Relvas ao seu lado, V. Ex.ª disse:
- Miguel, achas que devemos revelar as nossas ideias?
O Dr. Miguel Relvas, sério, grave, com as mãos atrás das costas, dando passadas lentas pela sala, disse:
- Não sei…não sei…
Então, o Dr. Passos Coelho, escarlate, rebentando de gozo, os olhos loucos, esgazeados disse:
- Não contamos nada! Vai ser o nosso segredo! O nosso segredo! E ninguém o vai saber!
Uma risada satânica atroou pela sala. Pelas janelas, surdia um relâmpago.
Ninguém o sabe efectivamente, Dr. Passos Coelho. V. Ex.ª diz que tem um plano de consolidação orçamental que opera exclusivamente através da redução da despesa pública. Pois onde está ele, V. Ex.ª? Nós procuramo-lo, V. Ex.ª! Debalde…Procuramo-lo debaixo do caderno, debaixo da secretária, entre a gaveta das peúgas, entre as folhas de um livro, olhamos as janelas para ver se uma corrente de ar as tinha levado…Mas nada! Nada das ideias! Oh! Liberte-nos desta treva da ignorância, Dr. Passos Coelho! Derrame esse seu perfume de Minerva, de Deusa da Sabedoria, sobre nós! Nós que somos burros, mas que somos singelos – queremos saber mais V. Ex.ª! Ah! que maldade Dr. Passos Coelho! Ouvimos o seu riso, zombando da nossa ignorância, dizendo, cantarolando:
- Ele não sabe e eu sei! Só eu e o Miguel sabemos! Só eu e o Miguel sabemos!
Ora, os conservadores britânicos, apoiados num projecto de reforma do ensino superior realizado por Lord Browne – e não surpreendentemente o Lord Nelson -, devem anunciar em breve uma profunda reforma do seu ensino que concretiza – julgamos nós – as generalidades do PSD para o sistema de ensino. Nada ainda é certo, porém, uma vez que os Liberais Democratas, parceiros de coligação dos conservadores no governo britânico juraram ao seu eleitorado na campanha que terminantemente se opunham à erradicação de um tecto máximo para as propinas. Este facto pode vir a romper a coligação de Governo visto que muitos Liberais Democratas se opõem ao plano de reforma de Lord Browne. No entanto, Vince Cable, um Liberal Democrata e o business secretary do Governo, parece ter aberto espaço à aprovação do projecto, o que não impede, ainda assim, que graves fissuras se abram na coligação.
De qualquer forma, uma ideia base rodeia todo o sistema de reforma do ensino superior de Lord Browne: a livre competição entre universidades. Para isso suceder, Lord Browne propõe o fim da fixação de tectos máximos para as propinas, sendo as universidades livres para fixarem o seu montante. Este facto é contrabalançado por uma relação entre os montantes de propinas e uma contribuição da universidade retirada desse montante para o Estado, isto é, quanto maior for a propina, maior será a percentagem que a universidade terá de entregar ao Estado. Assim, uma instituição que cobre sete mil libras recebe 94% deste montante e entrega 6% ao Estado; uma instituição que cobre dez mil libras recebe 81% desse valor; os montantes fixados até seis mil libras pertencem por inteiro à universidade. Este facto tem por fim evitar que as universidades fixem propinas demasiado elevadas, sem que ofereçam a correspondente qualidade de ensino. E como seriam efectuados os pagamentos das propinas? Segundo Lord Browne, através de um sistema de empréstimos aos estudantes que estes teriam de pagar assim que os seus rendimentos atingissem as vinte e uma mil libras por ano. Assim, o financiamento público seria eliminado, passando as universidades livremente a proverem à sua sustentabilidade, num sistema de livre mercado, fixando as suas propinas, aumentando, claro está, a sua qualidade para atrair os alunos – e sobretudo o seu dinheiro.
Uma vez que esta crónica de opinião é já longa, na próxima ocasião – quarta-feira –, iremos alongar um pouco mais o conteúdo das propostas de Lord Browne e as suas implicações.
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