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quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Ensino Superior - Reforma (II)

No passado sábado, chamamos a atenção do leitor para o processo de reforma do Ensino Superior que se encontra a ser preparado no Reino Unido. Transmitidas concisamente as inspirações e ideias gerais do Projecto de Lord Browne, e tal como nos propusemos, iremos analisar as suas implicações.

Em primeiro lugar e independentemente de considerações posteriores, há uma nota incontornável: o Ensino Superior em Portugal necessita de ser reformado. O Sr. António Nóvoa, Reitor da Universidade de Lisboa, em declarações ao Expresso, há duas semanas, proferiu o seguinte: «Portugal é um país onde não se faz nada se o Governo não quiser». E diz ainda o seguinte: «considero que Portugal não tem nenhum futuro com esta rede de ensino». Primeira consideração: em tempos de liberdade como são estes que se vivem, como justificar este esmagamento da autonomia? Segunda consideração: o excelentíssimo Reitor refere-se ainda às quinze universidades e quinze politécnicos de que Portugal dispõe, considerando-as um excesso para um País com as necessidades do nosso. Conclusão – profusão e dispersão de serviços, ineficiências, desperdícios. O excelentíssimo Reitor toca num ponto vital – a necessidade de Portugal rever a sua rede de ensino, concentrar a qualidade de modo a que Portugal tenha universidades de prestígio e de referência nos rankings internacionais. No passado, a Universidade de Coimbra era um centro de estudos respeitado na Europa pelo saber dos seus lentes e pela sua capacidade de atrair os alunos mais brilhantes e inteligentes que ali se vinham formar. Actualmente, uma Nação que prescinde na aposta na Educação é uma Nação que amputa irreversivelmente o seu futuro. Basta a olhar a Oriente, para os países emergentes – China e Índia. As vantagens competitivas proporcionadas por estes países não se limitam à oferta de baixos salários. Com efeito, os trabalhadores chineses e indianos são trabalhadores altamente qualificados. A Índia, no tempo presente, encontra-se a formar mais engenheiros do que toda a Europa. Como se compete com isto? É por deveras conhecido o problema crónico português de falta de competitividade. A solução para que este problema se solucione só pode passar por uma aposta séria na Educação, aumentando a qualificação dos portugueses. Foi isso que fez a Finlândia quando passou por uma crise ainda mais grave do que aquela que Portugal passa neste momento. Foi isso ainda que fez a Irlanda, e que a levou a ser considerada como um exemplo de progresso, progresso esse que não é abalado de forma alguma pela crise que a Irlanda passa agora, associado sobretudo aos excessos cometidos pelo sector bancário, com os seus elevados custos orçamentais. Se Portugal não reforma o seu Ensino Superior de forma a fazer face às exigências do presente e preparar o futuro, Portugal irá, irremediavelmente, atrasar-se, uma vez mais, na luta pelo desenvolvimento e crescimento. O Ensino em Portugal é o instrumento mais desprezado e desrespeitado de desenvolvimento económico, social e moral. O Ensino em Portugal é uma farsa: o aluno que este ano acedeu ao Ensino Superior com a média mais elevada é um aluno que concluiu o ensino secundário através do Programa Novas Oportunidades, realizando um simples exame de inglês para aceder à universidade, dispensando-se da maçada de fazer os restantes. Portugal não é um país do trabalho, do valor, do mérito: Portugal é um país de atalhos – Portugal é o país do Chico-esperto.

Olhando agora, concretamente para as propostas de Lord Browne – a reforma do Ensino Superior em Portugal não pode passar pela sua privatização. As propostas de Lord Browne têm, contudo, um mérito indiscutível e que vai de encontro àquilo que já dissemos – é necessário formar mais licenciados ligados às áreas de Investigação, Ciência, Design, Engenharia. É necessário adequar a oferta de cursos às necessidades reais da economia. O modo como se concretiza a revolução operada por Lord Browne merece, porém, a nossa censura. Ao abolir os tectos máximos para as propinas e libertar as universidades para a fixação dos seus montantes, abre-se espaço para a total privatização do ensino. Os nossos amigos liberais, ágeis e rápidos, logo argumentarão:
- É o fim do dever do Estado incorrer em enormes despesas com o ensino e não utilizar o dinheiro dos contribuintes.
Verdade indiscutível, digo eu aos nossos liberais. Mas a que custo? Ao custo da mobilidade social, acrescento eu. À custa do atrofiamento da sociedade, acrescento eu. Ao custo do dinamismo que uma educação superior pública oferece a todos. Com o aumento das propinas – e não falamos aqui em aumentos marginais, mas sim exponenciais – haverá uma regressão no sistema de ensino: um ensino para alguns e não para todos. Os menos afortunados terão de se endividar para pagar a sua formação que custará pelo menos sete mil libras por ano. Ou seja, ainda antes mesmo de começar o seu trabalho, o estudante está já atolado em dívidas. Aqui o leitor relembrar-se-á que os empréstimos começam apenas a ser pagos quando o estudante começa a ganhar mais de vinte e uma mil libras por ano – como dissemos no sábado. Mas se o estudante não paga, então quem paga caro leitor? O leitor conhece aquela frase costumada – Não há almoços grátis? Pois aí vem ela, fácil e submissa. Exactamente, estimado leitor: V. Ex.ª já adivinhou – é V. Ex.ª que paga e lá se foi o epíteto da privatização do ensino, com um acrescido problema: o Estado financiar o pagamento de propinas que chegam às sete mil libras por ano. E os nossos amigos liberais, aqueles que ágeis e rápidos disseram que não se utilizaria o dinheiro dos contribuintes metem a viola no saco e vão pregar para outra terra.
Tudo isto aplicado ao nosso Portugal seria um idílio – com os cidadãos a cuspirem dívidas como golfadas de sangue, seria uma óptima e sugestiva ideia incentivar os nossos estudantes a aprender desde cedo a endividarem-se correctamente e com aprumo para poder pagar a sua formação – ou subsidiariamente o Estado, caso os rendimentos não atinjam as ditas vinte e uma mil libras anuais. Ora, na minha modesta opinião, isto retira um certo cariz de privatização ao ensino, tornando-se ele apenas privado na sua mais nefasta versão: na selecção dos alunos, teoricamente os mais abonados. A outra parte, a pública essa mantém-se: o Estado continua a financiar o ensino, mas com custos bem mais avultados.
É pois isto que se pretende com a privatização do ensino? Um sistema que atrofia a mobilidade e o dinamismo social, um sistema que incentiva e promove vivamente o endividamento, um sistema aparentemente privado, mas suportado pelo dinheiro dos contribuintes?

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