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domingo, 3 de outubro de 2010

Sangue no Álcool

Hoje não vos vou falar da crise, prometo. Nem das abusivas medidas previstas no Orçamento de Estado para conter o défice e que vão colocar milhares de portugueses sem forma alguma de proverem ao seu próprio sustento e ao das suas famílias. Hoje vou falar-vos de uma questão peculiar que está a fazer correr tinta nos nossos tribunais administrativos.

A Câmara Municipal do Porto instituiu, pela via regulamentar, a possibilidade de a autarquia poder fazer testes de álcool a todos os seus funcionários que se encontrem em pleno exercício de funções. Por conseguinte, aqueles que estivessem a trabalhar com álcool no sangue, eram objecto de um processo disciplinar que culminava com a aplicação das mais variadas sanções. Não existem dados sobre o número de funcionários que terão sido castigados por trabalharem com álcool no sangue mas, de acordo com o Sindicato dos Trabalhadores da Administração Local, algumas sanções constituíam verdadeiras suspensões da actividade com perda de direito ao salário.

Já em 2003, o Sindicato dos Trabalhadores da Administração Local tinha emitido um parecer negativo no tocante às normas daquele regulamento que previam a hipótese desta fiscalização do álcool no sangue aos funcionários municipais. O Tribunal Central Administrativo do Norte já tinha decretado a suspensão dos testes de alcoolemia no final do ano transacto. No entanto, a Câmara Municipal interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, tendo esta instância máxima de jurisdição administrativa confirmado esta semana a decisão anterior. Apesar disto, nesta mesma semana, a Câmara aprovou um castigo por excesso de álcool a um cantoneiro municipal, trabalhador de uma empresa que faz limpeza por concessão da autarquia nortenha. É que, repare-se o absurdo, apesar do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, irrecorrível dado estarmos sob a égide da instância máxima administrativa (a não ser que se recorra para o Tribunal Constitucional, claro está), a Câmara Municipal do Porto continua a querer levar a sua avante. É que já que a autarquia se encontra impedida de realizar os supra citados testes de alcoolemia, as empresas privadas ao serviço da autarquia já o não estão. Assim sendo, os trabalhadores destas empresas continuam a ser submetidos a estes testes, sendo, contudo, à Câmara que compete decidir os respectivos processos disciplinares. São estas manobras subversivas em torno de um acórdão do STA que estão a gerar divergências até no seio da própria autarquia.

Matilde Alves, vereadora dos Recursos Humanos, admite que, face ao novo acórdão, o regulamento deverá ser alterado. No entanto, refere ainda, a decisão do tribunal impede a Câmara de fazer testes de álcool por amostragem, mas não proíbe esse controlo se for realizado a pedido de uma chefia com indícios de que um trabalhador esteja alcoolizado.

A Câmara, enquanto órgão da pessoa colectiva de direito público autarquia local, não pode efectivamente realizar este tipo de testes. Estes devem ser feitos pelas respectivas entidades competentes e através de aparelhos devidamente certificados. Apesar de estarem "na moda" os alcoolímetros públicos, que podemos encontrar em diversos estabelecimentos de diversão nocturna ou até mesmo em estações de serviço, estes não podem ser utilizados discricionariamente por qualquer pessoa ou entidade para efeitos de fiscalização do álcool no sangue. É certo que estes testes podem ser dissuasores para aqueles que abusam da bebida e, assim, até permitem que todos os trabalhadores estejam em perfeitas condições para trabalharem, evitando-se igualmente acidentes de trabalho, verbi gratia. Todavia, julgo que em caso de dúvida sobre o estado sóbrio de um trabalhador, deverão ser chamadas ao local as respectivas entidades judiciárias competentes para realizar os testes de alcoolemia. Caso contrário, haveria de chegar o dia em que todos nós teríamos à porta de casa um medidor de modo a podermos submeter ao teste de álcool todos aqueles que entrassem porta adentro, fosse para nos visitar, fosse para trabalhar.

- Boa tarde, D. Letícia, vinha saber se hoje queria comprar couves. Apanhei estas hoje mesmo, de manhã. Estão fresquinhas!
- D. Engrácia, deixe-me fazer-lhe primeiro o teste de álcool no sangue e, caso dê negativo, já me diz a quanto é que é o kilo!

A vida está má, está! Até para os marqueses!

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