Caro leitor, quando falamos em adopção por casais homossexuais torna-se indispensável falar no interesse da criança. Para tal importa recorrer à psicologia, nomeadamente à psicologia do desenvolvimento e, seguidamente, vou procurar demonstrar como um casal homossexual poderá ter as mesmas capacidades que um casal heterossexual para responder às necessidades emocionais reais de uma criança.
Se olharmos as teorias da vinculação (estabelecer laços de proximidade), desenvolvidas inicialmente por Bowlby e Ainsworth, rapidamente vemos que as pessoas nascem com uma propensão para se ligarem a alguém que as tranquilize quando choram, que as proteja quando se sentem inseguras e que as oriente na exploração do mundo. E, se interiorizarmos uma relação (ou relações) em que somos bem tratados, desenvolvemos um imagem de nós mais positiva, sentimo-nos mais seguros connosco próprios e na relação com os outros, sentindo que merecemos ser bem tratados. E, todos os estudos demonstram que esta necessidade de promover a proximidade com um cuidador (necessidade com a qual o bebé nasce) é dirigida indiscriminadamente para qualquer pessoa; ou seja, a criança tem necessidade de estabelecer laços, mas a pessoa com quem estabelece laços não lhe importa. Desde que o seu cuidador cuide efectivamente dela, tanto lhe faz que seja a avó, a tia, a mãe, o pai, o primo, um homem, uma mulher, um heterossexual ou um homossexual. Não estamos programados para nos ligarmos a um pai/mãe heterossexual, estamos simplesmente programados para nos ligarmos a alguém. É a qualidade dos cuidados prestados pelo adoptante (disponibilidade, sensibilidade e responsividade às necessidades da criança) que determina a qualidade do adoptante enquanto tal, não o sexo ou orientação sexual.
Olhando agora para dados concretos, podemos referir Judith Stacey, professora de sociologia e de análise social e cultural na Universidade de Nova Iorque e Timothy J. Biblarz, director do departamento de sociologia da Universidade da Califórnia do Sul, os quais analisaram 20 anos de pesquisas realizadas sobre a área, concluindo que, no que diz respeito à capacidade de educar as crianças de um modo saudável e ajustado, os casais do mesmo sexo são iguais aos casais heterossexuais. Para chegarem a esta conclusão, os investigadores analisaram 81 estudos, realizados desde 1990 e, para tal, teve-se em conta a auto-estima das crianças, o seu desempenho escolar, as relações com os colegas, entre outros.
Um outro estudo, publicado em Fevereiro de 2002 pela American Academy of Pediatrics, demonstrou a existência de semelhanças entre homo e heterossexuais no exercício dos papéis parentais em aspectos como "atitudes parentais, comportamento, personalidade e ajustamento dos pais", sendo também semelhante o "desenvolvimento emocional e social da criança", assim como a "identidade de género e orientação sexual da mesma". À semelhança do postulado pela teoria da vinculação, demonstrou-se que "as crianças são aparentemente muito mais influenciadas pelos processos/sinergias familiares que pela estrutura familiar" (mais uma vez, o que interessa é a qualidade da relação e não com quem a relação é estabelecida).
Se isto ainda parece insuficiente, convido o leitor a ler este extenso estudo intitulado Lesbian and Gay Parenting, da Associação Americana de Psicologia. Aqui condensam-se diversos estudos na área e as conclusões são claras: “there is no evidence to suggest that lesbian women or gay men are unfit to be parents or that psychosocial development among children of lesbian women or gay men is compromised relative to that among offspring of heterosexual parents. Not a single study has found children of lesbian or gay parents to be disadvantaged in any significant respect relative to children of heterosexual parents. Indeed, the evidence to date suggests that home environments provided by lesbian and gay parents are as likely as those provided by heterosexual parents to support and enable children's psychosocial growth”.
Na minha opinião, o aspecto mais importante a considerar na adopção de uma criança, deverá ser a inteligência, mais particularmente, a inteligência emocional e social dos adoptantes.
Já no passado, muitas pessoas julgavam que seria inconcebível e terrível para a sociedade que os negros pudessem frequentar as escolas com os brancos ou que as mulheres pudessem votar; no entanto, nada de negativo aconteceu por causa disso, o mundo não colapsou (bem pelo contrário). O que pretendo dizer é que as pessoas merecem ser sempre consideradas como tendo direitos iguais e tal não deve ser negado com base em receios e preconceitos sem fundamento. Lembre-se o leitor que a criança nasce sem preconceitos, é a sociedade que os cria, logo também nos cabe a nós, enquanto sociedade, desmistificá-los.
Qualquer criança ficará melhor com um pai ou pais que se preocupam genuinamente com o seu bem-estar do que entregues a uma instituição, mesmo que a situação não vá de encontro ao “ideal” que uma determinada sociedade, num determinado tempo, decidiu estabelecer. Quando um adulto tem capacidade de cuidar e amar uma criança, num ambiente emocionalmente positivo, negar-lhe a possibilidade de adoptar com base num preconceito é eticamente incorrecto.
A vida não é perfeita e não existe “a dupla parental perfeita” que deveria adoptar todas as crianças do mundo; nunca existiu nem nunca existirá. No entanto, as pessoas tendem a agir como se qualquer coisinha ligeiramente mais desafiante ou menos comum fosse automaticamente negativa para a criança. Mas note-se que ninguém é criado de forma perfeita e ainda bem que assim o é, pois um crescimento totalmente perfeito seria prejudicial, não permitindo à criança criar bases psicológicas para lidar de forma madura com as dificuldades que encontraria na sua vida adulta (ex: dificuldades na profissão, etc). Além disso, ser criada por pais diferentes da norma (ex: pais homossexuais, pais ou mães solteiros, pais de outras etnias, …) também se pode transformar numa experiência muito enriquecedora. Isto porque permitirá que a criança desenvolva mais facilmente empatia por aqueles que são diferentes, crescendo com uma mente mais aberta, independente e dotada de compaixão, o que também a ajuda a desenvolver capacidades para lidar com pessoas que são intolerantes perante a diferença.
Relembrando o interesse da criança, o que importa é crescer num lar onde haja amor, apoio, segurança e respeito e, obviamente, isso não é determinado pelo facto dos pais terem os mesmos genitais. Agora coloca-se a questão: todos os casais homossexuais possuem as competências parentais necessárias para proporcionar um ambiente de desenvolvimento favorável à criança? Não. E os heterossexuais: será que todos os casais heterossexuais possuem as competências parentais necessárias para proporcionar um ambiente de desenvolvimento favorável à criança? Também não. Apenas isto (competência parental) tem legitimidade, do ponto de vista humano, psicológico e ético, de se ter em conta no momento de seleccionar um adoptante.
2 comentários:
Cara Ahimsa,
Antes de mais os parabéns por este post. Está muito bem estruturado e penso que poderá justificar a adopção restrita por parte de casais homossexuais.
Contudo, creio que não pode colher quanto à adopção plena, pois como dizes no primeiro parágrafo o que importa é o interesse da criança - e o estabelecimento da filiação em duas pessoas do mesmo sexo não lhe garante o pleno exercício de todos os seus diretios, nomeadamente os da reserva da intimidade dea vida privada e do livre desenvolvimento da personalidade, pois nunca poderá ocultar a sua situação de adoptado, sempre que mostre o seu bilhete de identidade...
Não considero esta uma posição reacionária mas sim uma posição sensível aos potenciais interesses da criança.
Caro Lord Nelson, sou pais biológico, 1 filho e adoptivo, 2 filhos, sendo que sou branco, o meu filho biológico é branco e os meus dois filhos adoptivos são mulatos, de acordo com o que diz, os meus filhos só poderiam ser adoptados por pessoas mulatas, pois só assim não seria evidente o facto de serem adoptados.
Desculpe lá, mas este seu argumento bate aos pontos todos os argumentos ridículos que já li sobre o assunto.
Jorge Soares
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