A mais bela, a mais pura e a mais duradoura glória literária de prosa da blogosfera

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domingo, 10 de outubro de 2010

Era uma vez um país de doutores...

O Processo de Bolonha veio trazer uma profunda reforma no que ao sistema universitário diz respeito. A grande maioria das licenciaturas viu a sua duração ser encurtada dos tradicionais cinco anos para três, tendo sido convertidos os antigos quarto e quinto anos nos primeiro e segundo anos de Mestrado Integrado. Assim sendo, actualmente os estudantes universitários portugueses, ao entrarem numa qualquer faculdade do país, têm pela frente uma licenciatura de três anos e mais dois anos correspondentes ao Mestrado Integrado. Por conseguinte, após uma frequência universitária de cinco anos, os estudantes finalizam os seus estudos com o grau de "Mestres". Isto apenas não sucede quanto aos cursos de Direito, Medicina e Arquitectura, cursos esses em que a licenciatura possui a duração de quatro anos e o Mestrado de dois anos. Aliás, em Direito, o Mestrado não é integrado, ficando ao critério do licenciado obtê-lo ou não. Todavia, os licenciados em Direito já estão a propender para o Mestrado, uma vez que, concluído este, ficam dispensados da realização do exame de acesso ao estágio e podem candidatar-se também ao Centro de Estudos Judiciários.

Ora, os licenciados anteriores à Reforma de Bolonha, com uma licenciatura de cinco anos, estão a insurgir-se com esta atribuição do grau de Mestre àqueles que possuem a mesma duração de frequência universitária que eles (cinco anos) mas que saem das faculdades com o grau de "Mestre" (enquanto que eles concluíram os seus estudos como "Licenciados"). Estamos, então, perante a mesma duração de frequência universitária (cinco anos) a corresponder a graus de formação distintos. Por conseguinte, vêm peticionar a equivalência de Mestre aos titulares das anteriores licenciaturas com uma formação de cinco anos, na designação anterior a Bolonha. Para tanto, invocam a possibilidade de ocorrerem futuras confusões entre a designação e competências associadas com a correspondente injustiça existente, porquanto se pode pensar que um Mestre se encontra muito mais habilitado que um licenciado (pré-Bolonha) quando, contas feitas, ambos possuem o mesmo número de anos de frequência universitária (cinco anos). Assim, para o efeito, está a circular uma petição pública criada pelo CNOP - Conselho Nacional das Ordens Profissionais, e que já conta com mais de 36000 subscrições.

No entanto, in factu, não se pode querer equiparar realidades incomparáveis. Estamos aqui a vislumbrar,e não querendo ferir susceptibilidades, algo de socrático, dado que somente se está a atender a números, mais concretamente, ao número de anos de passagem pela faculdade. E, por outro lado, estão a ser olvidados aspectos substanciais, como sejam, os planos curriculares. Se nos encarregarmos de comparar um plano de curso de licenciatura pré-Bolonha com um plano curricular pós-Bolonha, facilmente concluíremos que 90% das disciplinas se mantiveram as mesmas; simplesmente muitas delas passaram de anuais a semestrais. No que a mim e aos meus Colegas aqui Opinadores diz respeito, nós próprios levados pela corrente da transição bolonhense aquando da frequência do nosso terceiro ano da licenciatura, deparámo-nos com as dificuldades de condensar as matérias que anteriormente eram leccionadas num ano em meros seis meses. Contudo, as matérias não deixaram de ser expostas na mesma e exacta forma que os nossos colegas com uma licencitura pré-Bolonha. Ademais, aqueles que frequentam o Mestrado possuem áreas de especialização com disciplinas e matérias em muito diferentes das da licenciatura e com um grau de rigor e exigência tremendos. Para além disso, têm ainda de elaborar uma dissertação final e defendê-la publicamente. Ora os licenciados pré-Bolonha, e sem querer ofender ninguém nem duvidando da qualidade da formação universitária que decerto tiveram, não conheceram nenhuma especialização em nenhuma matéria nem tiveram de passar noites e dias a fio em busca de bibliografia e de fontes informativas para a sua dissertação, nem sequer a tiveram de escrever nem de a defender. Mesmo assim, entendem que estão legitimamente no direito de se sentirem ofendidos por não lhes ser atribuído o grau de "Mestre". Onde está a ratio dos seus argumentos que não a descortino? Elucidem-me, caríssimos Leitores, que a não vejo.

Sempre me disseram que jamais devemos comparar realidades de per si inequivocamente incomparáveis. Então, senhores doutores, como é que sem especialização e sem dissertação quereis que vos apelidem de Mestres? Atentem o seguinte exemplo analógico: se um estudante de Medicina Geral e Familiar possuísse uma formação de nove anos e o estudante de Oftalmologia de onze anos e se, anos mais tarde, se viesse reduzir a formação de Oftalmologia para nove anos, todos os médicos de família com a formação anterior de nove anos iam passar a ser oftalmologistas?

Vivemos uma sociedade de aparências e de ribaltas, onde impera a cultura da imagem e onde todos querem ser muito melhores que o vizinho. Pois bem, meus senhores, assim o sejam, mas olhem que nem só de títulos vive o Homem... E, salvas as honrosas excepções, aqueles que mais se atormentam com o título que possuem, são aqueles que efectivamente menos o merecem. Porque aqueles que são detentores de grandes conhecimentos, de experiência e profissionalismo estão, permitam-me a expressão, a borrifar-se para esta equivalência do Mestrado à sua licencitura pré-Bolonha ou não.

Quando confrontei o meu sábio pai, advogado há mais de trinta anos e também ele detentor de uma licentiatura pré-Bolonha, com a possibilidade que ele possuía de subscrever a supra citada petição, retorquiu-me ele: "Subscreve aí a petição por mim, mas só se a mim me derem também o grau Doutor Honoris Causa, senão já não quero!".

A vida está má, está! Até para os marqueses que, detentores de uma licenciatura pós-Bolonha, andam às voltas e com muitos sacrifícios da sua dissertação de Mestrado e não à espera que o grau de "Mestre" lhes caia do céu aos trambolhões!

7 comentários:

Anónimo disse...

Tudo isto resulta de uma nomenclatura esquizofrénica, porque paranoide.Os bois deviam chamar-se pelos nomes. Na sequência da chamada reforma de Veiga Simão, houve bacharelato em direito (3 anos)seguido de dois anos conducentes à licenciatura. Se forem consultar o plano curricular, verão o que agora apontam: contracções de disciplinas anuais em semestrais (Família, Sucessões, p. ex.) no bacharelato, desenvolvimento delas com maior especialização na parte da licenciatura. Eu sou um dos poucos bacharéis resultantes da aplicação dessa reforma (1975) e sei do que falo. Por isso, com Bolonha, valia mais ter chamado bacharelato à licenciatura e utilizar este significante em vez de mestrado. E não argumentem com a tese: não comparem os trabalhinhos de 30 págs. do Mestrado-Bolonha com as teses dos mestres-pré-Bolonha (200-400 págs), algumas delas quase de doutoramento. Não é só o tamanho, é também a qualidade e quantidade de investigação inerente. Também sei do que falo, a minha tem pouco mais de 500 págs. na publicação à venda. Neste caso, os mestres-pré-Bolonha é que deviam exigir não serem comparados aos mestres-pós-Bolonha (cujos júris integram mestres-pré-Bolonha, ao contrário dos júris de mestrado pré-Bolonha, apenas constituídos por doutores) e exigir a criação de níveis de doutoramento, no primeiro dos quais deviam ficar enquadrados.

Leticia, a Marquesa disse...

Caríssimo Anónimo,

Encontrando-me eu no 2.º ano de Mestrado de Direito PÓS-Bolonha e a congeminar a minha dissertação, assevero-lhe que muitas 30 páginas já ela tem.

Portanto, apenas lhe posso dizer no concernente à sua tentativa de estabelecer uma analogia entre as teses dos Mestres pré-Bolonha e as dos pós-Bolonha (nas suas palavras, "trabalhinhos de 30 págs"):olhe que não, olhe que não!

Aproveito ainda para esclarecer que não ponho em causa o rigor e a qualidade que certamente pautam muitas teses de Mestrado (tanto pré-Bolonha quanto pós-Bolonha, ressalve-se). Questiono é a pretendida equivalência do grau de Mestre àqueles que, atendendo somente às durações dos ciclos de estudos,são licenciados (sem qualquer tese nem área de especialização decorrente de um Mestrado). Até já consigo conjecturar possíveis conversas a este propósito: "Então, é Mestre? Fez o Mestrado em que faculdade? Qual foi o tema da sua tese?". "Oh, sou apenas Mestre por causa duma qualquer petição, nem sei bem como. E de que tese é que está a falar?". Há vereadores sem pasta, porque sim. Iremos também ter Mestres sem tese porque sim?

Ana Pacheco disse...

Caros,

(especialmente Leticia, a Marquesa)

A formulação ou não de uma dissertação nos cursos pré-bolonha dependia do curso em questão.

Eu fiz uma licenciatura em Arquitectura Paisagista, pré-bolonha, em que o último ano (o quinto) foi precisamente de elaboração de um 'trabalho de final de curso'de 170 páginas, apresentado e defendido perante um jurí - nada mais que uma dissertação.

Não só passei um ano a escrever, a pesquisar e a investigar, como este trabalho tem um peso enorme na minha média e nos meus ECTS. Por necessitar de reformular algumas partes do trabalho e de precisar de mais tempo para investigação extravasei o prazo de um ano para ano e meio - prática aliás muito comum aquando da elaboração do antigo trabalho de final de curso.

Não vejo por isso QUALQUER diferença curricular no meu curso hoje, nem qualquer razão para num concurso público ficar menos apta que um mestre actual.

Ainda mais quando sei de episódios que acontecem com estes actuais mestres - que na realidade são jovens a terminar um curso.

Como por exemplo, este que me contou uma amiga minha que é orientadora de uma actual mestranda. Ao corrigir parte da sua dissertação (muito fraca por sinal) reparou que lhe faltavam fontes. (desconfiava de sites .br copiados intregalmente, ainda por cima, mas nem é disso que vou falar).

Quando foi verificar a bibliografia reparou que nem bibliografia o trabalho possuía.

Ao questionar a mestranda sabem o que esta lhe respondeu? "Sabe professora, já não posso fazer a bibliografia, é que pedi os livros emprestados e esqueci-me de copiar e agora já os devolvi'.

Pois desde já vos digo que a citação de fontes quando eu fiz o curso era obrigatória em qualquer misero trabalho de primeiro ano, como é óbvio. Até numa apresentação de powerpoint, por amor de deus.

Acham normal uma pessoa com esta preparação, esta forma de pensar, ficar à minha frente num concurso público apenas por ter um trabalho no último ano com um nome diferente? Uma pessoa que não compreende a importância das fontes numa dissertação?

Porque é isso que se passa, um nome diferente nada mais.

Estou 100% de acordo com esta petição.

Quando a Leticia diz: "Qual foi o tema da sua tese?". "Oh, sou apenas Mestre por causa duma qualquer petição, nem sei bem como." Digo-lhe: A si uma tese em boa educação e modéstia fazia-lhe falta, essa prepotência é ridícula.

Se quiser entretanto falar da meu trabalho de final de curso/ diga-se, tese, esteja à vontade.

Ana P.

ps - Citando as minhas fontes, claro, apresento-lhe um relatório da Universidade de Évora sobre o meu curso que mostra que 25% dos alunos não terminava a lincenciatura no período normal devido à realização do trabalho final de curso:

http://www.qi.uevora.pt/relatorio_opiniao_licenciados_AP.pdf

Quadro 5 – Razões para o atraso na conclusão da licenciatura
Razões : Obrigatoriedade do trabalho de fim de curso 25%

(Página 7)

Ana Pacheco disse...

Errata:

1º - "A licenciatura em Arquitectura Paisagista (...) criada pelo Despacho nº36/81, de 7 de Março, tem a duração de cinco anos.O último semestre é totalmente preenchido por um trabalho final de curso."

No entanto na prática, por sabermos que levava mais do que um ano a fazer, iniciávamo-la logo no 1º semestre.


2º - Não eram 25% dos licenciados que terminavam a licenciatura em mais de 5 anos devido à formulação da tese, como referi antes, mas sim 25 em 40. 40 foi o número de questionados que responderam, o número total de licenciados era 87. Se considerarmos 25 em 40 são na realidade 63%. Se considerarmos 25 em 87 (assumindo que todos os que não responderam acabaram o curso a tempo, o que dúvido) temos 29%. Portanto, superior aos 25% que apresentei anteriormente. E portanto MUITA GENTE a fazer uma tese com mais de um ano.

Ana Pacheco disse...

E outra coisa: Os mestrados pós-bolonha e antigos licenciados nunca ficariam equiparados aos antigos mestres! Nem percebo o medo dessas pessoas.
Para já - acho que ninguém se coloca ao nível (ou não devia) de um plano de mestrado antigo. Os licenciados querem ser equiparados aos actuais mestres porque lhes são iguais.
Os actuais mestres nunca serão iguais aos antigos mestres.

Ora mais uma razão para assinar a petição. Porquê:

Porque um mestrado antigo passa a ter DOIS mestrados. Um mestrado actual fica com um. Actualmente os dois têm um e estão equiparados.

Antigos mestres, vocês também possuem uma licenciatura antiga. Isto só vos convém, ao terem dois mestrados passam de novo a estar num patamar de formação superior, tal como deveria ser.

Não creio que seja possível um antigo mestrado passar ao nível de doutor, um doutor a pós doutor e por aí fora...

Agora acumular mestrados? Acho que sim senhor.

RESUMINDO

Antiga licenciatura - Mestre
Novos mestrados - Mestre
Antiga licenciaturas+mestrado - Mestre com 2 Mestrados
Antiga licenciatura+mestrado+ doutoramento - Mestre com 2 mestrados e doutorado.

Qual é a dúvida?

Ana

Anónimo disse...

É caso para dizer: Isto não é um país de doutores, pá! É um país de mestres!

Anónimo disse...

Olá a todos, embora os últimos comentários já tenham uns meses, penso que o assunto continua bastante actual.
Terminei o curso de arquitectura o ano passado em JUL2010. Quando fui para este curso em 2005, o mesmo não era à Bolonhesa, fui apanhado pelo processo no meu 2ºano. O que está a acontecer, no nosso caso trabalhadores estudantes e também com muitos do curso diurno, è que as dissertações que valem 15ECTS e 3 meses de trabalho, não estão a ser feitas, logo não podem ser emitidos os certificados para inscrição na ordem. Ou seja, no caso de arquitectura criaram uma licenciatura de 3 anos que não serve para nada e obrigam quem se inscreveu numa licenciatura a ter que ser "mestre". Mas mestre em quê, pergunto? Se na estrutura do curso a única alteração efectuada foi passar cadeiras anuais a semestrais e a ter-mos que fazer mais exames! Eu pessoalmente como outros colegas apenas nos propusemos a fazer uma licenciatura para exercer a profissão de arquitecto e a meio do jogo muda-se as regras!
Provavelmente, e num curso como este que è virado para as artes, a maioria dos alunos poderá até não querer fazer uma dissertação ou mesmo não ter aptencia para tal. Uma coisa è uma pessoa propor-se a fazer uma dissertação outra è ser "obrigada". Pergunto ainda se será possivel elaborar uma dissertação de mestrado com 150 pags.(min.) em 3 meses, quando as dissertações sérias e com algum contributo para o conhecimento colectivo levam 2 e até mais anos a serem elaboradas. Entendo que não. O que está a acontecer è que já existe um mercado onde se vendem teses, um copy/paste desenfreado de outros trabalhos, inumeros trabalhos que não acrescentam nada ao conhecimento colectivo, etc.. Mas estatisticamente somos um país repleto de gente "bem" formada!
Em suma, no caso do curso de arquitectura, fazemos 5 anos de curso igual ao anterior mas com cadeiras partidas em semestrais e no fim temos ainda que fazer uma dissertação, sem a qual não nos emitem o certificado de fim de curso, ou por outra, emitem-nos um certificado que atesta que somos licenciados em ciências de arquitectura (correspondente aos 3 anos) mas que profissionalmente não serve para nada, sendo que os outros 2 anos de curso sem a dissertação è como não os tivessemos feito!
Isto è ridiculo, não se pode aplicar uma regra universal a cursos completamente diferentes, no caso de arquitectura o curso nunca pode ser feito em 3 anos, deveriam ter deixado a licenciatura nos 5, e a servir para trabalhar, e quem os mestrados para quem os quiser fazer, pois na prática da profissão pouco ou nada acrescenta, a não ser para quem segue a via teórica e académica.
Aguardem que devem estar para chegar os doutoramentos integrados!
Cumps a todos