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terça-feira, 27 de abril de 2010

O Porquê do Nosso Entendimento


No nosso último post comentamos uma decisão do Tribunal da Relação de Lisboa – a de absolver Domingos Névoa do crime que vinha condenado da 1.ª Instância – e ao fazê-lo fomos acusados de demagogia e populismo por dois leitores – a nossa crítica não seria digna de um jurista e mais parecia conversa de café.
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Pois antes de mais há lugar a uma confissão de mea culpa – de facto, quando abordamos esta questão fizemo-lo de uma forma bastante light; mas assim foi pois este blog pretende ser um espaço onde de uma forma irónica se abordam os temas da actualidade em textos legíveis em 5 minutos.
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Mas como parece que com o direito não se brinca, serve o presente post para expor as razões da nossa discordância à luz da dogmática penal – a todos os leitores que não se interessam por este tema pedimos desculpa e vamos tentar nos próximos posts voltar ao registo habitual.
Ora, o que deu azo a comentário da nossa parte foi o seguinte: “os actos que o arguido (Névoa) queria que o assistente (Sá Fernandes) praticasse, oferecendo 200 mil euros, não integravam a esfera de competências legais nem poderes de facto do cargo do assistente” (…) “não se preenche a factualidade típica do crime de corrupção activa de titular de cargo político”.
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Desta forma absolveu a Relação o arguído, nós não concordamos, fomos acusados de demagogia e populismo e agora nos defendemos.
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Esta situação faz-nos lembrar o caso da tentativa impossível – que encontra previsão no número 3 do artigo 23.º do Código Penal e que, segundo este, a tentativa só não será punível quando for manifesta a inaptidão do meio empregado pelo agente ou a inexistência do objecto essencial à consumação do crime.
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Nas nossas aulas de Direito Penal (há quanto tempo!) foi dado o seguinte exemplo: numa comunidade qualquer (não nos lembramos do país) lá pelo século XIX era entendimento das pessoas comuns que beber absinto provocava o aborto – que era punido criminalmente. Acontece que uma senhora terá bebido absinto e terá abortado, acreditando naquela premissa. A coincidência que nos salta à vista não saltava àquelas pessoas e a senhora acabou condenada. E porquê essa necessidade de punição?
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O Professor Figueiredo Dias, reputado penalista, fala-nos da teoria subjectiva-objectiva da impressão (ou aparência) de perigo que se resume no seguinte: "a tentativa, apesar de na realidade das coisas estar impossibilitada de produzir o resultado típico, é suficiente para abalar a confiança comunitária na vigência e validade da norma de comportamento." Ora, in casu, parece evidente – baseando-nos na nossa sensibilidade do pulsar do povo português – que a confiança da comunidade no Direito sofreu um revés, havendo pois necessidade de repor a vigência da norma que a maioria das pessoas entende como tendo sido violada – e o agente absolvido através de uma “artimanha jurídica”.
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Ora isto leva-nos a concluir que há necessidade de pena, desde logo, por via da prevenção geral – a pena actuaria aqui como um instrumento que funcionaria a nível psíquico sobre a generalidade dos membros da comunidade, afastando-os da prática de crimes através da realidade da aplicação e da efectividade de execução da ameaça penal – seria pois como que uma intimidação das outras pessoas por forma a não cometerem crimes. Julgamos que, mais uma vez tendo por base a nossa sensibilidade da consciência ético-jurídica do povo português, seria necessária a pena. Mas há mais...
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Há necessidade de re-socialização do agente – a conduta que se provou na acção em causa revela, a nosso ver, um defeito de socialização do agente – ele actuou deliberadamente e, ao oferecer os €200.000, sabia com certeza que violava um princípio ético-jurídico da comunidade apesar de não saber que o acto que pretendia ver praticado não o poderia ser pela pessoa que tentava corromper – em suma, o agente tem, salvo melhor entendimento, um problema de socialização pois não parece ter problemas em atacar a consciência ética da sociedade em que se insere nem respeito pelas normas penais que regulam a nossa sociedade e de cuja validade depende em última análise a ordem social.
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Assim, face ao exposto – muito sumariamente é certo mas devido ao formato do espaço não se comportam grandes dissertações – admitimos existirem juristas com entendimento diferente do nosso (respeitamos esse entendimento como acatamos a decisão da Relação) mas discordamos, tendo outra opinião, esclarecida e bem fundamenta, que julgamos preferível pelos argumentos expostos – e que também deverá ser respeitada.
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Esperamos ter sido absolvidos das acusações de populismo e demagogia através desta explicação do nosso entendimento – aos leitores que não se interessam por estes temas mais maçudos e prefeririam algo de mais light pedimos-lhes desculpas novamente e estejam certos que as vossas aspirações estão na nossa mente para os próximos posts.

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