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quinta-feira, 27 de maio de 2010

A Adopção Homossexual


Após a promulgação da lei que permite o casamento homossexual têm-se levantado na nossa praça vozes clamando agora pela adopção e mesmo pelo acesso a métodos de procriação medicamente assistida, por parte daqueles casais.
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Juristas têm até lançado opiniões no sentido que o ordenamento jurídico – pelo menos no caso das técnicas de PMA – já permitiria aquelas soluções.
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Ora o debate que se acompanha nos media tem andado muito à superfície e cheio de incorrecções técnicas. Como tal, vamos lá – o leitor e eu – pensar nesta questão: devem os casais homossexuais poder adoptar (ou recorrer a técnicas de PMA)?
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Antes de mais convirá referir que através da adopção – e aqui fala-se da adopção plena que é a que interessa para o caso – o adoptado adquire a situação de filho, integrando-se com os seus descendentes na família dos adoptantes sendo estabelecida uma nova filiação que substitui a biológica. Assim, o adoptado passará a ser, para todos os efeitos – excepto alguns impedimentos matrimoniais que aqui também não interessam, filho dos adoptantes.
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Chegados a esta conclusão, volte-se comigo, ó leitor, para a Lei Fundamental da Nação e o seu artigo 26.º que estatui o seguinte:
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“Artigo 26.º
(Outros direitos pessoais)
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1. A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação.”

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Ora daqui pode retirar-se o seguinte: o direito ao livre desenvolvimento da personalidade, ali consagrado, pode passar por alguém que é adoptado não querer que seja do conhecimento público essa sua situação: bem sei que já não existirão os estigmas de outros tempos, no entanto, tal atitude é perfeitamente lícita e até compreensível – estando protegida pelo Direito na sua lei mais fundamental.
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Sendo certo que a adopção necessita do consentimento dos adoptantes, ela é sempre configurada no superior interesse da criança. Como tal é aos interesses daquela – que também terá um projecto de vida e será um dia maior plenamente capaz - que devemos atender numa primeira análise. Assim, e conforme resulta daquele preceito, não parece lícito limitar a sua esfera de direitos para atender a uma expectativa dos adoptantes.
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Desta consideração resulta o seguinte: sob pena de violar o artigo 26.º da Constituição não deve ser admitida a adopção homossexual pois ao ser substituída a filiação biológica, bastará a consulta do Bilhete de Identidade para se ficar a conhecer a qualidade de adoptado, violando o direito ao desenvolvimento da personalidade, constitucionalmente consagrado.
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Não pode tal questão ser contornada através do consentimento do menor: aquele por definição, não tem a sua personalidade completamente desenvolvida não conseguindo perceber todas as implicações do seu comportamento – daí, aos olhos do Direito, ser incapaz. Sendo maior não pode, obviamente, ser adoptado.
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Poderão alguns afirmar que tal argumento é válido também para adopções interraciais: não o creio. Sendo certo que pode também perigar aquele direito, tal eventual conhecimento pressupõe uma vivência próxima do agregado familiar e o conhecimento pessoal dos seus membros – necessita de ter uma relação humana próxima: o BI não diz a raça!
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Nem sequer se pode equacionar uma situação de conflito de direitos pois não existe um direito à adopção – qua tale – por parte dos adoptantes.
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Mais útil que estas discussões seria em pensar formas de agilizar o processo de adopção e proporcionar aos que não conseguem ser adoptados condições para triunfarem na sua vida.
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De referir, por fim, que esta é a opinião de um civilista - dê-se-lhe o devido desconto!

4 comentários:

Felisberto disse...

A argumentação aqui apresentada é profundamente ambígua, podendo ser utilizada contra ou a favor da adopção.
Partindo desde logo pelo regime escolhido, o art. 26º CRP. De forma a evitar abusos ou discriminações externas o adoptado terá disposições legais que o protegerão,bastando confrontar o 26º, 1 CRP in fine. Portanto, há regime que protegerá o adoptado de o expor a situações de vexame social, a lei assim o determina e protege.

Quanto ao "direito" que o adoptado possa ter de não querer que se saiba a sua proveniência familiar, o teu argumento "cólega" também poderia ser usado numa situação em que o adoptado desejasse desde novo pertencer à família Perez de Mello, aquela família vizinha proprietária de uma empresa de sucesso, mas em vez disso o indíviduo em questão nasceu na família Silva, cujos pais trabalhavam na empresa dos Perez de Mello. O indíviduo sentia-se embaraçado por ter nascido numa família humilde e por isso recorrendo da argumentação do colega, ele poderia arguir do art. 26º, segundo a interpretação apresentada, e renunciar ao seu apelido e sua descendência. Não sei se me fiz entender na plenitude, mas penso que a ideia ficou, a sua argumentação aplicada a este exemplo, daria direito ao individuo filho dos Silva de se auto-evadir da sua descendência familiar com base num preconceito económico-social. Mais importante de tudo como disseste é o supremo interesse da criança.
Penso que poderemos arguir um atentado aos bons costumes, no sentido em que independentemente de ser filho dos Silva, Perez de Mello, ou de pais homossexuais, o importante está na educação, formação pessoal e afecto concedidos ao filho/adoptado, e a tua argumentação parece-me cabe neste atentado aos bons costumes, qualquer um sentindo-se mal, simplesmente por ter nascido numa família humilde, poderia evocar esta argumentação " o direito ao livre desenvolvimento da personalidade, ali consagrado, pode passar por alguém que é adoptado não querer que seja do conhecimento público essa sua situação" e esta evocação a meu entender iria contra os bons costumes, reitero.
O erro parece-me está no "preconceito" (não interpretes como uma ofensa pessoal, a base da argumentação é que "nasce torta" porque o preconceito latu senso, como é tão abrangente, pode ferir valores sociais prévios ao direito de não querer ser associado a um casal homossexual ou a um casal de origem humilde, de raça/etnia minoritária, etc etc.

Entendo que este argumento não colhe e não me convence. :-)

e como muito bem terminaste, o importante seria equacionar métodos dinamizadores que permitissem o sucesso dos possíveis adoptandos. À falta de melhor, pais homossexuais com condições de educar e formar condignamente um indivíduo social/cidadão parece-me ainda assim a melhor opção do que o deixar (aos riscos) numa instituição.

M. Pompadour disse...

Não me apetece estender-me muito em termos de opinação, mas concordo com a fragilidade do argumento. :p
Tu conegues melhor vá! :D

Nelson disse...

Antes de mais muito obrigado pelos comments. O feedback é fundamental para isto não se tornar um monólogo ;)

Caro Emanuel, eu alicerço esta posição no 26.º; mais precisamente na identidade pessoal e desenvolvimento da personalidade.
O teu argumento faz todo o sentido mas nota que para fazer colher necessita de um conhecimento pessoal dos agregados - esse senhor se saísse da sua rua já não teria esse problema. Não é por alguem se chamar Silva que automaticamente se sabe que é pobre... No b.i. não há nenhuma indicação da fortuna pessoal. Pode sentir-se mal com a família que tem mas esse seu sentimento não é automaticamente cognoscível pelos terceiros, ao contrário da adopção homossexual. Não existe pois uma violação do seu direito.

E nota que os homossexuais - tal como os heterossexuais - não têm um direito a adoptar. A adopção é para a criança e a adopção homossexual não permite o exerc´cio pleno dos direitos que lhe são consagrados no 26.º CRP.

Assim, e mui respeitosamente, discordo de V.Exa, convidando-o a seguir o nosso blog e a opinar sempre que quiser! :P

Ahimsa (posts Maio-Julho 2010) disse...

Estimado colega Lord Nelson, visto que manifestou preocupação com o desenvolvimento da personalidade criança, eu prometo que dedicarei todo o meu post da próxima 6ª-feira à questão da adopção homossexual, sob a perspectiva do interesse da criança.
Respeitosamente aceito a sua opinião mas permita-me discordar porque, como já foi referido anteriormente por M. Pompadour e Emanuel, tal parece carecer de um fundamento claro e isento.